O Globo
Donald Trump recuou por pressão do mercado,
depois de ter escalado a guerra
A reviravolta de ontem mostra que a maior
economia do mundo está desgovernada. O presidente Donald Trump tenta
sair do buraco em que entrou, ao disparar rajadas tarifárias contra o mundo
inteiro, e procura se concentrar em um “inimigo”, no caso, a China. O problema
é que a China e os Estados Unidos somados representam mais de 40% do PIB
mundial, o suficiente para produzir um estrago de dimensões sísmicas. Um país
que amanhece estabelecendo tarifas e, de tarde, suspende por 90 dias, está
perdido no tiroteio que ele mesmo iniciou. O mercado comemorou com altas
vibrantes nos pregões, mas a incerteza permanece mesmo com essa capitulação de
Trump às pressões do mercado e dos seus bilionários de estimação.
Para se ter uma ideia da tragédia que pode acontecer, se tudo isso for mantido: a economia americana era 6% do PIB global em 1930, quando, por força da emenda Smoot-Hawley, o país elevou as tarifas. O efeito foi aprofundar e estender a Grande Depressão. Além de o PIB americano ser hoje extremamente maior do que naquela época, o comércio global se intensificou nas últimas décadas depois de todo o projeto de integrar as cadeias produtivas, produzindo onde é mais barato e mais lógico produzir.
— Na época da Grande Depressão, o comércio
internacional caiu em torno de 60%. Hoje, uma queda dessa escala no comércio
internacional é impensável. Mas, de novo, mais de 40% do PIB mundial está
retaliando um ao outro na ordem de 100% — disse o professor de relações
internacionais da PUC Carlos Frederico Coelho.
Entrevistei ontem de manhã na GloboNews o
professor Carlos Frederico e o embaixador José Alfredo Graça Lima, especialista
em política comercial e árbitro do mecanismo provisório de apelação da OMC,
respectivamente. A China havia acabado de subir as tarifas cobradas dos Estados
Unidos para 84%, respondendo à elevação de 104% das tarifas que os Estados
Unidos cobram da China. Perguntei a Graça Lima como evoluiria esse conflito que
havia “chegado ao auge”. Ele respondeu: “Não sei se chegou ao auge”. Horas depois,
os Estados Unidos elevaram para 125% as tarifas contra a China e, no mesmo ato,
o governo americano suspendeu as sobretaxas contra 75 países. Segundo o
embaixador, só se pode dizer que chegou ao auge quando se intensificarem os
contatos entre os segundos escalões dos dois países, o que ele acha que deve
acontecer.
— Nenhum dos lados tem a ganhar com a
continuidade dessa guerra — diz o embaixador Graça Lima.
Apesar de o mundo parecer um ambiente sem
regras e sem limites na área do comércio, o embaixador não acredita que a
Organização Mundial do Comércio esteja morta.
— O sistema multilateral de comércio
sobrevive. Um dado pouco conhecido é que cerca de 80% do comércio internacional
é realizado em obediência à cláusula da “Nação Mais Favorecida”. Uma possível
estratégia seria passar do unilateralismo truculento, como o que está
acontecendo nesse exato momento, para um quadro de comércio administrado, por
meio de acordos que vão mitigar o problema — disse Graça Lima.
Durante a tarde houve a reviravolta. Trump
suspendeu as supertaxações de 75 países, aumentou as cobradas dos chineses, mas
deu declarações pacificadoras. “Um acordo será encontrado com a China.” Na
mesma entrevista, Trump oscilou entre a ameaça e a capitulação. “O presidente
Xi é uma das pessoas mais inteligentes do mundo. Eu não acho que ele vai deixar
nada pior acontecer. E nós (Estados Unidos) somos muito poderosos.
Nós temos armamentos que ninguém tem ideia do que seja. Em algum momento, vai
acontecer um telefonema e nós chegaremos a um acordo.”
As bolsas dispararam. A S&P teve a maior
alta desde 2008. E o ano diz muito. Em 2008, foi a crise financeira global. Em
momentos de extrema incerteza é que ocorrem as quedas abissais e as altas
estratosféricas. Nem um nem outro movimento são normais. A Ásia deve amanhã
seguir a mesma tendência de alta para reequilibrar preços.
Os últimos tumultuados dias mostram, ao mesmo
tempo, o poderio e o limite do presidente americano. Trump mostrou que tem o
poder de quebrar todas as regras de comércio estabelecidas nos últimos 77 anos,
desde que foi firmado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT. Mas a queda
das bolsas, a desorganização dos mercados, as críticas dos grandes
capitalistas, seus financiadores, fizeram com que ontem Trump recuasse. Ele o
fez fingindo estar escalando, mas o nome do que houve é recuo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário