quinta-feira, 10 de abril de 2025

Trump recua e finge escalar - Míriam Leitão

O Globo

Donald Trump recuou por pressão do mercado, depois de ter escalado a guerra

A reviravolta de ontem mostra que a maior economia do mundo está desgovernada. O presidente Donald Trump tenta sair do buraco em que entrou, ao disparar rajadas tarifárias contra o mundo inteiro, e procura se concentrar em um “inimigo”, no caso, a China. O problema é que a China e os Estados Unidos somados representam mais de 40% do PIB mundial, o suficiente para produzir um estrago de dimensões sísmicas. Um país que amanhece estabelecendo tarifas e, de tarde, suspende por 90 dias, está perdido no tiroteio que ele mesmo iniciou. O mercado comemorou com altas vibrantes nos pregões, mas a incerteza permanece mesmo com essa capitulação de Trump às pressões do mercado e dos seus bilionários de estimação.

Para se ter uma ideia da tragédia que pode acontecer, se tudo isso for mantido: a economia americana era 6% do PIB global em 1930, quando, por força da emenda Smoot-Hawley, o país elevou as tarifas. O efeito foi aprofundar e estender a Grande Depressão. Além de o PIB americano ser hoje extremamente maior do que naquela época, o comércio global se intensificou nas últimas décadas depois de todo o projeto de integrar as cadeias produtivas, produzindo onde é mais barato e mais lógico produzir.

— Na época da Grande Depressão, o comércio internacional caiu em torno de 60%. Hoje, uma queda dessa escala no comércio internacional é impensável. Mas, de novo, mais de 40% do PIB mundial está retaliando um ao outro na ordem de 100% — disse o professor de relações internacionais da PUC Carlos Frederico Coelho.

Entrevistei ontem de manhã na GloboNews o professor Carlos Frederico e o embaixador José Alfredo Graça Lima, especialista em política comercial e árbitro do mecanismo provisório de apelação da OMC, respectivamente. A China havia acabado de subir as tarifas cobradas dos Estados Unidos para 84%, respondendo à elevação de 104% das tarifas que os Estados Unidos cobram da China. Perguntei a Graça Lima como evoluiria esse conflito que havia “chegado ao auge”. Ele respondeu: “Não sei se chegou ao auge”. Horas depois, os Estados Unidos elevaram para 125% as tarifas contra a China e, no mesmo ato, o governo americano suspendeu as sobretaxas contra 75 países. Segundo o embaixador, só se pode dizer que chegou ao auge quando se intensificarem os contatos entre os segundos escalões dos dois países, o que ele acha que deve acontecer.

— Nenhum dos lados tem a ganhar com a continuidade dessa guerra — diz o embaixador Graça Lima.

Apesar de o mundo parecer um ambiente sem regras e sem limites na área do comércio, o embaixador não acredita que a Organização Mundial do Comércio esteja morta.

— O sistema multilateral de comércio sobrevive. Um dado pouco conhecido é que cerca de 80% do comércio internacional é realizado em obediência à cláusula da “Nação Mais Favorecida”. Uma possível estratégia seria passar do unilateralismo truculento, como o que está acontecendo nesse exato momento, para um quadro de comércio administrado, por meio de acordos que vão mitigar o problema — disse Graça Lima.

Durante a tarde houve a reviravolta. Trump suspendeu as supertaxações de 75 países, aumentou as cobradas dos chineses, mas deu declarações pacificadoras. “Um acordo será encontrado com a China.” Na mesma entrevista, Trump oscilou entre a ameaça e a capitulação. “O presidente Xi é uma das pessoas mais inteligentes do mundo. Eu não acho que ele vai deixar nada pior acontecer. E nós (Estados Unidos) somos muito poderosos. Nós temos armamentos que ninguém tem ideia do que seja. Em algum momento, vai acontecer um telefonema e nós chegaremos a um acordo.”

As bolsas dispararam. A S&P teve a maior alta desde 2008. E o ano diz muito. Em 2008, foi a crise financeira global. Em momentos de extrema incerteza é que ocorrem as quedas abissais e as altas estratosféricas. Nem um nem outro movimento são normais. A Ásia deve amanhã seguir a mesma tendência de alta para reequilibrar preços.

Os últimos tumultuados dias mostram, ao mesmo tempo, o poderio e o limite do presidente americano. Trump mostrou que tem o poder de quebrar todas as regras de comércio estabelecidas nos últimos 77 anos, desde que foi firmado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT. Mas a queda das bolsas, a desorganização dos mercados, as críticas dos grandes capitalistas, seus financiadores, fizeram com que ontem Trump recuasse. Ele o fez fingindo estar escalando, mas o nome do que houve é recuo.

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