Correio Braziliense
Nessa trajetória, o ponto mais alto da sua
contribuição foi a criação do Bolsa Escola. Essa experiência, incipiente em
Campinas e em Belo Horizonte, ganhou, com a ousadia de Cristovam, em Brasília,
a visibilidade nacional
O professor Cristovam Buarque semeia
educação. Candidato à Academia Brasileira de Letras, Cristovam fez de sua vida
uma missão: salvar o Brasil pela educação. Todos sabemos que o ex-reitor da
Universidade de Brasília (UnB), governador de Brasília, senador da República e
ministro da Educação tem uma obra literária vasta e profunda. Publicou
algumas dezenas de livros e trabalhos, todos com um pensamento crítico sobre a
formação da sociedade brasileira. A grande maioria voltada para a sua obsessão:
a educação. Na vida pública, acrescentou muito ao pensamento político do Brasil.
Nessa trajetória, o ponto mais alto da sua contribuição foi a criação do Bolsa Escola. Essa experiência, incipiente em Campinas e em Belo Horizonte, ganhou, com a ousadia de Cristovam, em Brasília, a visibilidade nacional. E seu projeto foi o berço dos programas que se sucederam de renda mínima, inclusive do próprio Bolsa Família.
Numa análise rápida, mas verdadeira, o
projeto de Cristovam era, de longe, muito melhor do que os que o sucederam. Por
uma razão muito simples, enquanto os "bolsas famílias" aprisionam as
pessoas de baixa renda de uma forma política e econômica, gerando votos e as
impedindo de buscar saída no mercado de trabalho, o Bolsa Escola do Cristovam
tinha porta de saída. Ao mesmo tempo que buscava a erradicação da miséria e a
complementação de renda, era um programa visionário, pois tinha uma alavanca obrigatória
para a educação das crianças e dos jovens das famílias atendidas. Sem
acomodação das pessoas assistidas, o programa antevia um futuro sustentável e
dava dignidade aos acolhidos.
Vale lembrar: a Bolsa Escola deu muitas
oportunidades a Cristovam Buarque. Levou-o ao Senado e ao Ministério da
Educação. Mas, paradoxalmente, foi essa ideia e esse programa, também, que
provocou a sua saída do Ministério da Educação, impossibilitando-o de aspirar,
com chances, à Presidência da República. Quando o seu nome ganhou força
nacional, os donos do poder trataram de mudar o nome do programa, pois que o
Bolsa Escola tinha a cara de Cristovam Buarque. Urgia tirá-lo do ministério,
antes que ele ameaçasse de verdade o projeto hegemônico de poder da esquerda
mais retrógrada, aparelhada e populista.
O fato é que, hoje, essa ideia, que nasceu da
inquietação intelectual do Cristovam, rompeu todas as barreiras ideológicas.
Foi assimilada pelos polos mais diferentes da política brasileira. Um
verdadeiro consenso pela força do que representa para o Brasil.
Acompanho Cristovam Buarque desde meados dos
anos 1980, no período de redemocratização, quando trabalhamos juntos nos planos
de governo do presidente Tancredo Neves, na sede da FGV, em Brasília.
Acompanhei-o no Ministério da Justiça, onde ele foi chefe de gabinete do
ministro Fernando Lira, e eu seu subchefe. Estivemos perto quando foi reitor da
UnB e, mais tarde, em caminhos diferentes,na política partidária. Mesmo,
adversários, mantivemos sempre o respeito e a amizade.
Nesses 40 anos, assisti muitas vezes ao
Cristovam defender uma ideia, e quando todos concordavam, ele saía com um
contraponto, uma visão radicalmente oposta, pelo prazer do desafio intelectual
e pelo desprendimento de ideias preconcebidas. Uma característica
sua. Cristovam é um homem sábio. Na sua simplicidade, radicalmente oposta
à sofisticação da sua formação intelectual, sabe se relacionar com as mentes
mais brilhantes, sem perder a humildade e o bom humor.
Merecidamente, hoje, seu nome é lembrado para
a Academia Brasileira de Letras. Essa minha manifestação não vai somar nem um
voto a seu favor. Até espero que, pelo menos, não tire nenhum. Apenas cumpro um
dever de consciência de alertar as pessoas que pensam, que um intelectual, um
professor, um escritor, que é de Brasília, pode representar muito bem seu
estado natal, Pernambuco, e a capital do país.
Conheço a obra do Cristovam Buarque. Leio
tudo que ele escreve. Reconheço a sua influência na minha formação humanística.
Acho que as entidades organizadas de Brasília devem se manifestar, de público,
o orgulho de ter o nome de Cristovam lembrado para a mais alta casa da
inteligência brasileira. Vou além: no caso de ele ser eleito, a sociedade do
Distrito Federal deveria oferecer ao ex-governador o fardão, uma forma de dizer
que a escolha do Cristovam Buarque é um tributo à universidade aberta e, também,
uma homenagem aos "Mestres com carinho", criadores da UnB, Darcy
Ribeiro e Anísio Teixeira.
*Ex-governador do DF
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