Folha de S. Paulo
Trump do segundo mandato é muito mais radical
do que o do primeiro
Notável pensador alemão do século 19 fraseou
que, na história, a tragédia só se repetia como farsa. No caso dos governos
populistas de extrema direita dá-se o oposto: seu primeiro mandato é farsa; o
segundo, tragédia.
Donald Trump é
prova acabada disso. Desde que voltou à Casa Branca tem produzido destruição
inigualável. Na mesma semana em que a imposição de tarifas arbitrárias a uma
lista enorme de países virou de ponta-cabeça o sistema de comércio mundial,
agentes do Doge (sigla em inglês para Departamento de Eficiência
Governamental), comandado por Elon Musk,
invadiram o Woodrow
Wilson Center.
Seu diretor foi forçado a renunciar e no seu lugar foi instalada uma jovem líder da torcida organizada de Trump; chefias e altos executivos foram demitidos; seus funcionários federais colocados em disponibilidade; o reputado programa internacional de pesquisadores visitantes, desativado.
O Wilson Center, como é conhecido, foi criado
pelo Congresso dos EUA —e, até a semana passada, era o mais respeitado think
thank de política exterior do país. O ataque ao centro de excelência é mais um
episódio da investida trumpista para garrotear as instituições que produzem
conhecimento, ou financiam a sua produção, ou promovem o debate livre de ideias
—universidades, agências públicas de financiamento da ciência, além dos citados
think thanks.
Não há dúvida alguma: o Trump do segundo
mandato é muito mais radical do que o do primeiro; tem mais clareza sobre os
inimigos que quer destruir; forjou instrumentos mais afiados e cevou novos
apoios para fazê-lo. E, até agora, seus desígnios não tiveram de se haver com a
resistência das instituições democráticas que poderiam freá-los.
A volta da extrema direita a Washington põe
em dúvida teorias caras aos cientistas políticos. A primeira sustenta que a
participação no jogo democrático tende a moderar partidos e líderes extremados.
A segunda supõe que instituições políticas sólidas —e robustecidas com o passar
do tempo— criam freios e contrapesos eficazes à ambição de poder dos
governantes. Nada disso parece estar acontecendo nos EUA. Até agora, diria um
otimista.
São poucos os casos de populistas de extrema
direita bem-sucedidos a ponto de se reeleger ou voltar ao governo em pouco
tempo. Assim, são escassos os casos que permitam aceitar ou rejeitar aquelas
teorias. Por via das dúvidas, é melhor tentar evitar que o retorno ocorra. Para
tanto, levem-se a sério tanto as propostas extremistas como a intenção dos
proponentes de cumpri-las.
No Brasil, as instituições democráticas
formaram barreira eficaz aos intentos golpistas de Jair
Bolsonaro. Mas convém não apostar só nelas. Isolar politicamente o
ex-capitão é medida necessária —e urgente— nesta quadra que antecede seu
julgamento por crimes contra o Estado de Direito e quando, segundo Datafolha,
52% dos brasileiros acham que deveria ser preso por cometê-los.
Eis porque chega a assustar que no último
domingo (6), na avenida Paulista, todos os pré-candidatos da direita tenham
decidido, pouco importa se por convicção ou cálculo eleitoral, curvar-se à
liderança de quem tem Trump como ídolo e o autoritarismo como propósito.
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