Valor Econômico
Presidente dos EUA age como um comerciante
que vende direitos de acesso, comenta professor da escola de negócios suíça IMD
O choque imposto por Donald Trump na semana
passada elevou a tarifa de importação média dos EUA de 2,5% para 22,5%, a maior
em mais de cem anos. “Isso é uma revolução econômica, e vamos ganhar”, tuitou
ele.
Para o secretário do Tesouro, Scott Bessent, o tarifaço é apenas o começo da reordenação da ordem econômica que Trump quer estabelecer. Em mais de uma ocasião, Bessent repetiu que “o sistema de comércio internacional consiste numa rede de relacionamentos militares, econômicos e políticos. Não se pode considerar um único aspecto isoladamente. É assim que o presidente Trump vê o mundo, com interconexões que podem ser reordenadas para promover o interesse do povo americano”.
Bessent e o chefe do Conselho de Assessoria
Econômica da Casa Branca, Stephen Miran, já deixaram claro que o caos tarifário
é uma forma de criar alavancagem a ser usada na implementação do resto do plano
para reindustrializar os EUA e preservar o dólar como moeda de reserva. A
agenda Maga (Make America Great Again) parece incluir esferas de influência
geoeconômica (unindo comércio e segurança), isolamento da China ao máximo,
desmonte do multilateralismo (FMI, OMC) etc.
Antes de chegar à Casa Branca, Miran escreveu
que seria “mais fácil imaginar que, após uma série de tarifas punitivas,
parceiros comerciais como a Europa e a China se tornem mais receptivos a algum
tipo de acordo monetário em troca de uma redução das tarifas”.
Ou seja, se “o dólar fosse capaz de se
enfraquecer para equilibrar o comércio, não teríamos muito trabalho para
equilibrar os déficits comerciais e não teríamos muitos dos problemas que as
tarifas e outras políticas visam solucionar, porque seríamos mais competitivos
no cenário global e não tão enganados por outros países”.
Em conversa com a coluna, o professor de
competitividade Stéphane Garelli, do IMD, uma das principais escolas de
negócios do mundo, sediada na Suíça, prevê que a próxima etapa para Trump será
justamente arrancar um acordo para desvalorizar o dólar.
O professor observa que tudo é questão de
preço na esfera Trump. O presidente dos EUA age como um comerciante que vende
direitos de acesso. Primeiro, aos mais de 300 milhões de consumidores
americanos. Para entrar nesse mercado, é preciso pagar mais tarifas ou fazer
investimentos diretos no país. Em seguida, o acesso à tecnologia americana, que
deve, também, ser paga por investimentos.
E terceiro, o dólar, com uma espécie de
acordo tipo Plaza (pelo acordo de 1985 alguns países se comprometeram a
intervir no mercado de câmbio para desvalorizar a moeda americana). Seria um
“Acordo Mar-a-Lago” induzindo bancos centrais a vender dólar para baixar sua
cotação, turbinar exportações dos EUA e reduzir o déficit.
Para Garelli, parceiros como China e Europa,
embora sejam muito céticos, acabarão negociando, dependendo das condições
oferecidas por Washington. Para a maior parte, talvez aceitem vender um pouco
de suas reservas para o dólar não se apreciar muito e atenuar uma grande
obsessão de Trump.
A etapa seguinte será sobre o sistema de
defesa, na interpretação de Garelli sobre a estratégia de Trump. Para ter
acesso à proteção militar americana, parceiros deveriam comprar títulos do
Tesouro ilimitados com taxas de juros zero. Isso permitiria aos EUA financiar o
sistema de segurança que ele coloca à disposição.
Para negociações, um problema é a
imprevisibilidade e a falta de confiabilidade de Trump.
No momento, a equipe trumpista espera que,
com o plano tarifário bem-executado para reduzir o déficit comercial americano,
o governo terá dinheiro e poderá diminuir os impostos. Mas isso, diz Garelli,
só funciona se a demanda mundial continuar a mesma, o que está longe de ser
garantido.
Como nota o professor, o banho de sangue
recente nos mercados financeiros ilustra o ceticismo de muitos investidores
sobre a prometida “era de ouro” para os EUA. Em 1930, tarifas elevadas, como as
de Trump, transformaram uma recessão em depressão e desordem que foi seguida
por extremismo político e caminho para a guerra.
Após a Segunda Guerra Mundial foram cerca de
50 anos para se negociar corte efetivo de tarifas de importação em acordo
global. Em uma canetada, Trump jogou tudo isso para o espaço. E quer fazer
agora baixa de alíquota em discussões bilaterais intimidatórias. Os trumpistas
não negociam; procuram impor, na base do pegar ou largar.
Para Garelli, a verdadeira pressão sobre
Trump virá do interior dos EUA. Nota que alguns grandes CEOs começam a reagir
ao tarifaço, considerado um pouco excessivo. E. Trump é também reputado por
fazer reviravoltas de última hora em suas políticas.
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