O Globo
A língua portuguesa é oficial em 33 organizações internacionais — e precisa ser acolhida pela ONU
Depois de inexplicavelmente perderem tempo,
os governos de Portugal e Brasil decidiram unir esforços na busca de
reconhecimento, pela Organização das Nações Unidas (ONU), do português como
língua oficial, assim como já são o mandarim, o espanhol, o inglês, o francês,
o árabe e o russo. As navegações e descobertas portuguesas do século XV fizeram
do português o primeiro idioma globalizado, mas o poder da língua portuguesa,
falada por 280 milhões de pessoas no mundo, como ativo político continua mal
explorado.
A escolha do Rio, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), como Capital Mundial do Livro neste ano é um largo passo nessa direção. É a primeira cidade de língua portuguesa homenageada. Para ressaltar a internacionalização da lusofonia, as comemorações começaram com uma solenidade na Academia das Ciências de Lisboa, em conjunto com a Academia Brasileira de Letras, com a presença de representantes dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), do embaixador do Brasil na CPLP, Juliano Féres, e do secretário municipal de Cultura do Rio, Lucas Padilha.
O representante do prefeito do Rio, Eduardo
Paes, declarou o compromisso do governo de “promover novas e melhores políticas
públicas para o livro e para a leitura”. Padilha afirmou que “mais do que
nunca, as repúblicas e as democracias precisam de leitores que carreguem suas
incertezas e desejos. É a complexidade, ou diversidade, que protege a verdade
da mentira. A liberdade nasce primeiro na palavra, a democracia também”.
O vice-presidente da academia portuguesa,
professor José Luís Cardoso, lembrou, a propósito do título “Rio das palavras”,
escolhido como tema geral das comemorações, um poema de Camões que fala “são
rios estas águas em que banho este papel”, reforçando a ideia de que a cultura
em língua portuguesa une a todos, Portugal, Brasil e países africanos da CPLP,
num fluxo de ideias permanente.
Ressaltando a importância política do idioma
comum, foi destacada a famosa frase de Fernando Pessoa “Minha pátria é a língua
portuguesa”, fecho de um texto do grande poeta português no “Livro do
desassossego”, que foi lido na ocasião. A frase, que expressa a forte relação
política da língua, leva a outra de um dos nossos grandes poetas, Caetano
Veloso, na música “Língua”: Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de
Luís de Camões. Gosto do Pessoa na pessoa, da rosa no Rosa, referindo-se a
Fernando Pessoa e a Guimarães Rosa.
Foi ressaltado que a língua portuguesa é um
instrumento de soft power dos países lusófonos, por meio da literatura e da
música. Assim como a comida, o futebol, o fado, o samba. O espírito da
celebração em torno da língua portuguesa tinha uma mesma empreitada: fazer com
que nossa língua comum seja reconhecida como força política num mundo cada vez
mais conturbado.
Para simbolizar o intercâmbio entre as
culturas lusófonas, foi aberta a Caixa Literária, que trará de Portugal para o
Brasil livros escolhidos de autores em língua portuguesa selecionados pela
Academia das Ciências de Lisboa. No Rio, a Academia Brasileira de Letras também
fará a escolha de livros de autores brasileiros, alguns selecionados por
concurso público. A Caixa Literária será encaminhada, ao fim das celebrações,
para Rabat, no Marrocos, a próxima cidade a ser Capital Mundial do Livro.
Lembrei que receberemos neste mês, na
Academia Brasileira de Letras, a escritora Monica Villela Grayley, autora
justamente de um livro analisando o português como ativo político que “desbrava
os obscuros oceanos da lusofonia, nos quatro cantos do globo, para mostrar que
o idioma de mais de 280 milhões de falantes pode trazer à luz a influência
geopolítica já explorada pelo espanhol, pelo inglês e pelo francês com a
francofonia”. Além de ser o quarto idioma mais falado no mundo como língua
materna, unindo hoje mais de 280 milhões de pessoas em todos os continentes, a
língua portuguesa é oficial em 33 organizações internacionais — e precisa ser
acolhida pela ONU.
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