Valor Econômico
Recuo de Trump desnorteia o mundo e não
permite que os EUA recuperem a confiança
Mao: “As pessoas estão comendo o suficiente?”
“Estão comendo tanto que agora fazem dieta”
Mao: “Ainda são capitalistas?”
“Agora estão fazendo negócios com o resto do
mundo”
Mao: “Produzimos mais aço que a Inglaterra?”
“Tangshan sozinha produz mais que a América”
Mao: “Superamos o imperalismo social
(ex-União Soviética)?
“Eles mesmos se dissolveram”
Mao: “Acabamos com o imperialismo?”
“Somos imperialistas agora”
Mao: “E a minha revolução cultural?”
“Está na América agora”.
O diálogo, reproduzido em redes sociais
chinesas anos atrás sobre as perguntas que Mao Tsé-Tung faria hoje se
ressuscitasse, voltou a circular em alusão às mudanças que Donald Trump impõe
aos EUA.
A da tarde desta quarta-feira, quando recuou do tarifaço global com uma taxa linear de 10% e esticou a corda ainda mais com a China, foi apenas a última. A mensagem que se seguiu, em que fez propaganda das ações de sua própria empresa de comunicação, foi a cereja de uma distopia capaz de sacolejar Mao no seu túmulo.
Como todo dia tem uma novidade, as análises
sobre o que o presidente americano está a fazer logo perecem. A estratégia de
reação é que não pode mudar no mesmo ritmo. Pelo menos a do governo brasileiro
não aparenta mudança com a guinada da vez. A avaliação é de que se o tarifaço
global estava jogando o mundo inteiro no colo da China, desta vez a tacada é no
isolamento dos chineses para evitar a união global dos prejudicados contra os
EUA.
A vantagem comparativa do Brasil e de todo o
continente, com o nivelamento do resto do mundo, à exceção da China, em 10%,
parece se arrefecer, mas a aposta, no Itamaraty, é de que Trump inoculou o
vírus da desconfiança generalizada - foi erro de cálculo ou oportunismo?
Duvida-se ainda que fará amigos com tamanha instabilidade - o que acontecerá no
fim dos 90 dias de tarifas de 10%? Em resumo, nenhum país hoje pode se
considerar aliado dos EUA. O recuo não evitou, por exemplo, que a União
Europeia aprovasse uma tarifa retaliatória de 25%.
Na mensagem com a qual anunciou as novas
medidas, deixa claro mais uma vez que a China está sendo ainda mais penalizada
porque, em vez de vir bater à sua porta, como o fizeram outros 75 países,
retaliou os EUA. Depois da nova sobretaxa americana, a China anunciou mais uma
retaliação e ainda alertou seus cidadãos em viagem aos EUA sobre a contaminação
das aduanas pela hostilidade comercial.
Paul Krugman já recomendou que se desista de
procurar método na loucura de Trump. O fato de sua obsessão por tarifas em
detrimento do imposto de renda, como fonte de receita do Estado, ter se
manifestado pela primeira vez há mais de 40 anos, não lhe confere
racionalidade.
Estima-se que o recuo se deu por pressão dos
bilionários que o financiaram, pelo temor de que a queda nos títulos do Tesouro
afetasse a poupança dos americanos e pela reação dos próprios consumidores
visto que o Vietnã, por exemplo, segundo maior exportador de roupas para os
EUA, foi taxado em 46%. Se esta foi a razão, não se explica por que o primeiro
exportador, a China, teve a tarifa elevada para 125%.
Por mais que recue, a insegurança causada
pela afronta à ordem mundial parece irreversível. Na Alemanha, por exemplo, se
a suspensão dos programas de admissão de refugiados já estava calcada em
promessa eleitoral, a decisão foi reforçada pela necessidade de fazer face aos
compromissos financeiros da Europa com o rearmamento da Otan.
Se o Brasil e a região, como disse o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tarde desta quarta em Tegucigalpa, em
cúpula da Celac, não podem se transformar em zona de influência de “antigas
hegemonias”, tampouco podem se alinhar ao lado de lá.
Daí o esforço em evitar que a cúpula do Brics
em julho, atualmente presidido pelo Brasil, se transforme num palco de
desagravo à China. O discurso é de que o Brics é um fórum do multilateralismo,
mas ainda falta combinar com os chineses que o ampliaram para além do que
desejavam Brasil e Índia com um perfil de alinhamento.
O tom positivo das ponderações de Lula sobre
a posição americana na guerra da Ucrânia é sempre lembrada como sinal da
moderação brasileira em relação a Trump, mas também é uma tentativa de a
diplomacia brasileira tentar legitimar sua própria posição naquele conflito,
desacreditada na Europa.
Em Honduras, Lula usou Trump de escada, ainda
que sem citá-lo, para retomar seu apelo por união que “deixe as diferenças de
lado”. Relacionou a conjuntura, “uma das mais críticas da história”, às
deportações degradantes e à ameaça à democracia. Parece sugerir que aliados
incondicionais de Trump na região, como Javier Milei (Argentina), Nayib Bukele
(El Salvador) e Rafael Noboa (Equador), terão dificuldade de manter o
alinhamento.
Lula precisará manter uma reação sóbria se pretende mostrar ao eleitorado, em 2026, os danos da extrema-direita mundial ao interesse nacional. Um dia antes do recuo de Trump, Tarcísio de Freitas achou por bem elogiar o governo brasileiro na condução do imbróglio tarifário. Para todos os fins, o governador paulista, menos de três meses depois de comemorar a posse de Trump com um boné “Faça a América grande novamente”, já buscou uma blindagem.
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