quinta-feira, 10 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Caos promovido por Trump atrai recessão e inflação

Folha de S. Paulo

Guerra comercial entre EUA e China se acirra; há risco de alta de preços aos consumidores e paralisação de investimentos

A maior tentativa de mudança na ordem comercial e geopolítica após a Segunda Guerra Mundial ainda está longe de um desfecho, mas já causa impactos tectônicos no mercado financeiro, produzindo riscos de aumento da inflação e de recessão global.

Há uma semana, o presidente dos Estados UnidosDonald Trump, anunciou uma tarifa mínima de 10% sobre todas as importações e instituiu cobranças adicionais, que chamou de recíprocas, a uma série de países.

Os mais penalizados de início foram a China, com taxa de 54%, e os que servem como etapa intermediária na cadeia de fornecimento chinesa, caso do Vietnã.

A partir daí, instalou-se o caos. A China retaliou com tarifa de 34% sobre produtos americanos; os EUA elevaram as taxas cobradas do gigante asiático para 104%. Nesta quarta (9), Pequim respondeu com 84% e foi retrucada com 125% por Washington.

Trump também adiou por 90 dias a cobrança extra das nações que não adotaram medidas protetivas e que iniciaram negociações para manter acesso ao mercado americano —que representa 30% do consumo mundial. A tarifa mínima geral de 10%, que se aplica ao Brasil, fica mantida.

Por trás das decisões do republicano está a crença de que o comércio internacional não se dá em bases justas, por causa de subsídios e barreiras não tarifárias aplicadas por outros.

Essas seriam as causas do déficit comercial do país (cerca de US$ 1 trilhão anual), que erode a base industrial e os empregos, além de contribui para manter a posição devedora internacional —receita para o enfraquecimento geopolítico no médio prazo.

Trata-se de visão das mais obsoletas. As importações superam as exportações quando um país compra mais do que produz, e nada há de necessariamente errado nisso. Os EUA têm acesso a uma oferta global de artigos, da comida à alta tecnologia, que contribuem para o vigor de sua economia e o bem-estar da sociedade.

Na prática, o efeito do tarifaço é o fechamento dos mercados, que provoca grande perturbação no mecanismo delicado das cadeias mundiais de suprimentos. É difícil antever a amplitude do rearranjo das relações comerciais e políticas nos médio e longo prazos. Por ora, dada a incerteza absoluta, a tendência geral é de retração de investimentos, porta de entrada para uma recessão.

Resta esperar por negociações, mas dificilmente o objetivo principal —impedir a continuidade da consolidação da China como único centro produtivo competitivo— será abandonado, ainda que imponha custos ao mundo e aos próprios EUA.

No Brasil, a balbúrdia se reflete em piora das condições financeiras, volatilidade do câmbio e queda de cotações de produtos exportados, como petróleo, que afetará inclusive a arrecadação federal. Mais do que nunca, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa conter o ímpeto gastador para evitar que inflação e juros não subam ainda mais.

A saída tardia de Juscelino

Folha de S. Paulo

Deputado deixa pasta das Comunicações ao ser denunciado por corrupção, em investigação iniciada após reportagem da Folha

Como era mais do que esperado, Juscelino Filho foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e se viu compelido a deixar o cargo de ministro das Comunicações. Surpreendente, de fato, foi o deputado licenciado, eleito pelo União Brasil, ter permanecido por tanto tempo no primeiro escalão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Desde os primeiros dias de governo, Juscelino se envolveu em episódios rumorosos —no mais comezinho deles, por ter recebido o pagamento de diárias do erário por períodos sem agenda de trabalho fora de Brasília.

Acabou acusado de corrupção, em caso que exemplifica os danos potenciais do avanço desarvorado do Congresso Nacional sobre o Orçamento público com as famigeradas emendas parlamentares. Seja ou não verificado dolo ao longo do devido processo judicial, o mau uso do dinheiro do contribuinte é evidente.

Quando exercia seu mandato na Câmara dos Deputados, o agora ex-ministro patrocinou emendas para direcionar recursos federais à cidade de Vitorino Freire, no Maranhão —governada por Luanna Rezende, sua irmã. Relatório elaborado pela Controladoria-Geral da União apontou que parte da verba beneficiou propriedades da família.

A investigação teve início após reportagem da Folha que, em 2022, descreveu a atuação da construtora maranhense Construservice, beneficiária contumaz de recursos federais. Descobriu-se que Juscelino, indiciado em junho de 2024, trocou mensagens com um empresário sobre a execução de obras.

Obviamente, o ministro não foi mantido na Esplanada por dois anos e três meses devido a seus méritos de gestão —mal se sabe, aliás, a serventia da pasta, fora ofertar cargos para atrair apoios partidários ao Planalto.

A participação do União Brasil no governo Lula se dá nas bases frágeis das coalizões petistas. O PT reserva para os seus os postos de maior relevância e visibilidade —da Casa Civil à Fazenda, da Educação ao Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família— e entrega aos aliados do centro político posições periféricas da administração federal, sem dividir poder decisório.

Acredita-se que a saída de Juscelino facilitará a reforma ministerial ora promovida a conta-gotas em Brasília. É remota a chance, porém, de alguma mudança relevante no arranjo hoje existente, de modo a proporcionar uma governabilidade mais funcional. É tarde, também, para isso, visto que os partidos já fazem seus cálculos para a sucessão de um desgastado Lula no próximo ano.

Queda de Juscelino expõe descaminho de emendas secretas

O Globo

Ex-ministro é acusado de usar repasses sem transparência em obras para beneficiar familiares

Acuado pelos fatos, Juscelino Filho não tinha outra alternativa a não ser pedir demissão do cargo de ministro das Comunicações. A Procuradoria-Geral da República (PGR) o denunciou por suspeita de desvio de emendas parlamentares na época em que era deputado federal. Independentemente da saída do governo, as denúncias são graves e precisam ser apuradas a fundo para que, se comprovadas, haja punição. Juscelino é acusado de integrar uma organização criminosa, cometer fraude em licitação, desviar dinheiro público (peculato) e de corrupção ativa. Ele nega as acusações.

A denúncia trata de suspeitas de desvios na pavimentação de uma estrada no município de Vitorino Freire, interior do Maranhão. Na época, a prefeitura era comandada por Luanna Rezende, irmã de Juscelino. Os repasses foram feitos por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), conhecida como paraíso do orçamento secreto. Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que 80% da rodovia beneficiava propriedades de Juscelino e familiares. Os serviços, orçados em R$ 7,5 milhões, foram executados pela Construservice, empresa que já foi alvo de operações da Polícia Federal para apurar suspeitas de fraudes em contratos.

Juscelino alega que “a licitação, execução e fiscalização dessas obras são de competência exclusiva do Poder Executivo, não sendo responsabilidade do parlamentar que indicou os recursos”. Ora, a eventual omissão de outros organismos que deveriam fiscalizar e impedir que dinheiro público fosse usado indevidamente não exime de responsabilidade o parlamentar autor da emenda, especialmente numa época em que o orçamento secreto era usado para tornar obscuro o caminho do dinheiro pelos labirintos da burocracia.

Por si sós, essas denúncias já poriam em xeque a permanência de Juscelino no governo. Mas não são as únicas. Em 2023, ele foi acusado de usar um avião da FAB para viajar para São Paulo sem urgência e depois ir a um leilão de cavalos de raça, recebendo diárias para isso. Com a repercussão do caso, devolveu as diárias, embora tenha argumentado que cumpria agenda oficial. Foi acusado ainda de ocultar patrimônio em declarações à Justiça Eleitoral.

A denúncia da PGR — a primeira contra um ministro do atual governo — expõe o caminho tortuoso das emendas parlamentares, focos de desvios e desperdício de dinheiro público. O mecanismo prejudica o planejamento do Executivo, uma vez que os repasses não seguem a lógica da necessidade, mas sim o apadrinhamento. Recebe o recurso não o estado ou município que mais precisa da verba, mas aquele que cultiva melhores relacionamentos em Brasília.

É verdade que, por exigência do Supremo Tribunal Federal (STF), alguma luz tem sido lançada sobre as emendas, mas não se pode dizer que o problema esteja resolvido. Ainda há pontos opacos, como mostram os sucessivos bloqueios determinados pelo Supremo por falta de transparência. E, ainda que tudo fosse feito às claras, isso não significa que os recursos estariam sendo aplicados onde deveriam. O volume de emendas no Brasil corresponde a um quinto dos gastos livres do Executivo, patamar sem paralelo no mundo democrático. O caso de Juscelino mostra por que é preciso corrigir as distorções.

Apoio a punição para golpistas traduz maturidade da democracia

O Globo

Maioria dos brasileiros é contra qualquer anistia para Bolsonaro ou amotinados do 8 de Janeiro

Apesar de toda a propaganda bolsonarista, a população brasileira continua majoritariamente contra qualquer tentativa de perdoar os responsáveis pelos ataques de 8 de janeiro de 2023, de acordo com pesquisa Datafolha. A ideia de anistiá-los é repudiada por 56% dos entrevistados e apoiada por 37%, fração apenas ligeiramente superior aos 31% de um ano atrás. Quanto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, tornado réu por tentativa de golpe de Estado, 52% acreditam que deveria ser preso. É um alento que as lideranças do Congresso, diante de tal quadro, sinalizem que não darão andamento ao projeto de anistia.

Mesmo que houvesse apoio popular, trata-se de iniciativa indefensável. A preservação da democracia depende da punição exemplar àqueles que a violam. Fora do Estado Democrático de Direito, impera o arbítrio. Nas tiranias, vicejam a supressão de direitos fundamentais, o abuso de poder, a violência e o medo.

Os invasores do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal quebraram vidros, mobília, obras de arte e quase tudo o que encontraram pela frente. O vandalismo nem foi o mais grave. Acampados havia dias diante de quartéis do Exército, a multidão irrompeu sobre a Praça dos Três Poderes numa tentativa de incentivar a adesão dos líderes militares ao golpe de Estado. É sobretudo por esse crime que foram punidos. Se as penas para alguns podem ser consideradas excessivas, a própria Justiça dispõe de mecanismos para revê-las. Em julgamentos realizados com amplo direito de defesa, não há por que falar em anistia.

Desde o primeiro momento, estava claro que os condenados pelo 8 de Janeiro eram apenas as buchas do canhão golpista. De acordo com evidências apresentadas pela Polícia Federal, Bolsonaro, ministros e integrantes de seu círculo íntimo planejaram um golpe de Estado, que só não prosperou pelo espírito democrático dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Ainda à espera de julgamento, devem, pela responsabilidade dos cargos que ocupavam, pelo poder que detinham e pelos planos criminosos que tentaram pôr em marcha, ser punidos de modo proporcional à gravidade de seus atos.

É de um oportunismo sem paralelo usar eventuais penas exageradas já aplicadas pelo Supremo como pretexto para justificar uma anistia geral à cúpula que tramou a ruptura democrática. Não deixa de ser irônico Bolsonaro, com seu histórico de declarações esdrúxulas em favor de punições a criminosos, trabalhar de forma incansável para livrar da cadeia quem foi julgado por um dos crimes mais graves da nossa legislação. Felizmente, embora ele ainda tenha capacidade de mobilizar multidões consideráveis, seu esforço de propaganda não tem encontrado eco na população, como demonstra o Datafolha. A tentativa de criar uma onda de apoio popular ao perdão gerou apenas uma marola. Mesmo com o barulho nas redes sociais e manifestações Brasil afora, uma maioria significativa dos brasileiros segue querendo punição aos culpados, como deve ser numa democracia madura.

Recuo de Trump ante mercados não acaba com incertezas

Valor Econômico

A avant-prémière de crise global pode ter feito Trump preferir fazer aos poucos o que tentou fazer de uma vez. Fracassará de novo, a menos que desista

O presidente Donald Trump fez o que disse que não faria dois dias antes, diante de renovados tumultos nos mercados: postergou por 90 dias as tarifas “recíprocas”, que elevaram a barreira de proteção à economia americana ao maior nível em um século. O temor de um desarranjo global se aprofundou e a ação desestabilizadora das tarifas se espalhou para o mercado de renda fixa, com venda massiva de títulos do Tesouro pelos fundos de hedge para cobrir às pressas prejuízos em vários mercados, revelando um princípio de desinteresse dos investidores pelos ativos mais seguros do mundo até hoje, os Treasuries. Os juros dos bônus soberanos dispararam, puxando a maioria de outros, emitidos por países desenvolvidos.

O recuo de Trump, feito em uma mensagem mal redigida em sua rede social, reduziu todas as tarifas específicas e as “recíprocas” a 10%. Isso significa que a taxação de aço, alumínio (que atingiu o Brasil) e carros cairá nesse período de 25% para 10%. A exceção coube à China, que retaliou novamente os EUA, elevando, como Trump, em 50% o imposto de importação, após os 34% do primeiro revide. Assim, a taxação chegou a níveis esdrúxulos de ambos os lados: 125% nas vendas da China, 84% nas dos EUA.

As condições financeiras pioraram de tal forma que os cenários extremos passaram a ser cogitados nos mercados, como a intervenção do Federal Reserve no mercado de títulos do Tesouro e, o que seria uma revolução de enormes consequências, a perda de status desses papéis, tradicionalmente o refúgio de proteção de última instância diante de crises agudas, como a que se formou após a elevação insana de tarifas feitas por Trump.

Os piores sinais se ampliaram no início da semana, quando os Treasuries, procurados em épocas de turbulência, começaram a ser vendidos amplamente. Na terça-feira, US$ 1,95 trilhão em papéis do Tesouro trocou de mãos nos mercados, enquanto seus juros — que sobem quando os preços caem, e vice-versa — dispararam. Ontem, antes do recuo de Trump, chegaram a atingir 4,51%, diminuindo para 4,40% ao longo do dia. Na segunda-feira, estavam em 3,9%. Na terça, um leilão de notas do Tesouro de três anos teve demanda muito baixa, a ponto de os dealers serem obrigados a ficar com 20,7% da oferta, o maior percentual desde 2023.

A desconfiança começou a se instalar onde nunca havia existido — na capacidade de os EUA financiarem seus enormes déficits e sua dívida de 100% do PIB. A “exuberância irracional” do dólar fez com que mesmo em crises globais, como a financeira de 2008, nascida nos Estados Unidos, paradoxalmente atraísse fluxos de recursos para o país em busca de proteção. Essa fortaleza começou a ser abalada graças a Trump. Um quarto dos US$ 8,5 trilhões de Treasuries pertence a investidores estrangeiros. “Estamos sendo tratados como um mercado emergentes problemático pelos mercados financeiros globais”, disse Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou apenas que “nada sistêmico” estava ocorrendo, e que as vendas dos Treasuries, embora “desconfortáveis”, faziam parte de um processo “normal de desalavancagem”.

Nos vários cantos do mercado, os indicadores deram sinais de alarme. Houve saques enormes, segundo o Barclays, nos fundos mútuos de renda fixa e nos ETFs com papéis de alto risco. Os CDS (credit default swaps), que medem o risco de calote, subiram 0,86 ponto percentual mesmo para os papéis com boa classificação de risco. Os de baixo rating subiram para 5 pontos percentuais, ante 3,90 pontos dois dias antes. Índices de renda fixa, que incluem os Treasuries, tiveram a maior volatilidade em 18 meses (FT, ontem). “Alguma coisa pode estar perto de explodir nos mercados de capitais como resultado do estresse criado pela guerra comercial de Trump”, resumiu o veterano Edward Yardeni, da Yardeni Reasearch.

A pausa de 90 dias dá uma trégua para que os mercados façam com vagar e com algum planejamento um ajuste até agora caótico e apressado, com alto potencial de riscos. Revela também que não houve recuo no diagnóstico incorreto da origem dos déficits comerciais americanos e na forma perturbadora de resolvê-los. O mundo seguirá pagando uma tarifa de 10% decidida unilateralmente e por péssimas razões pelos Estados Unidos. Indica ainda a leviandade com que Trump toma suas decisões, de maneira tão rápida quanto faz meia volta e as suspende.

A imprevisibilidade quanto ao futuro advinda dos atos de Trump permanece. As tarifas aplicadas em mercadorias chinesas e as retaliatórias decididas por Pequim são estratosféricas e conduzem a uma inquietante ruptura das relações comerciais entre as duas maiores economias do mundo. A inclinação ultraprotecionista do governo americano está intacta, mesmo com os prenúncios claros da catástrofe que provocam nas relações econômicas e políticas com o resto do mundo. A avant-prémière de crise global pode ter feito Trump preferir fazer aos poucos o que tentou fazer de uma vez. Fracassará de novo, a menos que desista.

Uma guerra estúpida

O Estado de S. Paulo

Trump sobe para 125% a tarifa dos EUA contra a China, o que na prática acaba com o comércio entre os dois países, cujas economias são profundamente imbricadas. É irracional

A nova guerra fria está esquentando rapidamente. A escalada é notável: as tarifas mútuas entre EUA e China sobre exportações, que estavam na casa de 20% para cerca de 60% dos produtos comercializados no começo deste ano, agora estão acima de 100% para 100% dos produtos. E nesse jogo irresponsável de truco, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou uma inacreditável tarifa de 125% contra a China. Na prática, a escalada tarifária deflagrada por Trump entre as duas maiores economias globais significa um embargo mútuo repentino, com consequências imprevisíveis em se tratando de economias tão profundamente imbricadas. É estupidez em estado puro.

Se na guerra a primeira vítima é a verdade, nas guerras comerciais a primeira vítima é a economia, e as nuvens de uma recessão global se avolumam no horizonte. Será ruim para todos. Mas para os EUA tende a ser um desastre histórico, enquanto para a China pode ser uma oportunidade de emergir mais forte. Em teoria, ou ao menos na teoria de Donald Trump, a sua ofensiva tarifária está pressionando a China a corrigir abusos comerciais, ao mesmo tempo em que os EUA tentam isolá-la geopoliticamente. Na prática, Trump pode estar fazendo o exato oposto.

A China tem entraves estruturais sérios como crescimento insuficiente, deflação, bolha imobiliária e declínio demográfico. Esses problemas foram agravados pela pandemia e ainda mais pelas intervenções autoritárias do Partido Comunista Chinês sobre o empreendedorismo e pelas tensões políticas crescentes com parceiros comerciais. Até o “Dia da Libertação” de Trump, em que o tarifaço foi anunciado, a China estava tentando reduzir as hostilidades. Agora, promete “lutar até o fim”. Mas, se os chineses têm vulnerabilidades, têm pelo menos duas grandes vantagens comparativas.

Primeiro, a China é uma ditadura. O regime já vinha se preparando para o impacto, e tem meios de intervenção na economia, como a desvalorização do câmbio, se precisar desaguar em outros países as exportações barradas pelos EUA. Mais importante, o Partido Comunista Chinês pode suportar as dores do desemprego ou da elevação do custo de vida por um longo período de tempo, enquanto um governo como o americano é pressionado pelos humores da população, do mercado, por ações judiciais e possivelmente, após as eleições daqui a 18 meses, por um Congresso dominado pela oposição. Certamente, mesmo governos autoritários precisam de algum grau de legitimação popular, mas, como em toda guerra, o moral é um fator crucial, se não o principal, e o regime chinês pode sempre alegar à sua população que é o seu país que está sendo agredido, o que é verdade, enquanto Trump precisa justificar a um eleitorado dividido uma iniciativa amplamente recriminada pelos economistas.

Mas ainda mais importante é que, se a guerra da China é apenas contra os EUA, a guerra dos EUA é contra o mundo. Num momento em que a China estava vulnerável e vários países do mundo começavam a reavaliar suas relações econômicas com Pequim, Trump abriu fogo contra todos – adversários e aliados. Na Ásia, países que vinham tentando diversificar seu comércio além da China, como Vietnã, Camboja, Tailândia, Indonésia, além de velhos aliados americanos, como Coreia do Sul e Japão, foram todos bombardeados com tarifas elevadas. O mesmo vale para a Europa. Ao invés de isolar geopoliticamente a China, os EUA estão empurrando aliados e adversários para a sua órbita – e ainda por cima empobrecendo a sua própria população. Mesmo que haja pausa nas tarifas contra alguns desses países, como anunciou Trump, o estrago na reputação americana já está feito.

A credibilidade dos EUA está sendo arruinada, e a China, com maior ou menor razão, se apresentará cada vez mais como um porto seguro econômico e geopolítico. Há muito tempo a propaganda do Partido Comunista Chinês promove sofregamente a ideia de que o Ocidente é decadente, egoísta e está dividido contra si mesmo. Agora pode jogar parado, enquanto Trump se encarrega de provar que os chineses estão certos.

Já foi tarde

O Estado de S. Paulo

Dois anos após as revelações, pelo ‘Estadão’, de seus malfeitos, o encalacrado ministro Juscelino enfim deixa o cargo, saída tardia de quem só estava ali por conveniência de um governo fraco

Chegou ao fim a acidentada carreira de ministro das Comunicações generosamente assegurada pelo presidente Lula da Silva a Juscelino Filho – o deputado federal do União Brasil cujos malfeitos já eram conhecidos havia mais de dois anos, quando este jornal as revelou pela primeira vez. Tardia, a saída do ministro foi finalmente sacramentada não por uma decisão do chefe diante das fartas evidências de malversação de recursos públicos no Maranhão, Estado do parlamentar, ou das suspeitas de transformação da pasta num balcão de negócios privados a serviço da família do então ministro, e sim por ele ter sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal, sob acusação de desvio de emendas parlamentares.

Rigorosamente nada, senão a conveniência fisiológica partidária, justificava tamanha tolerância de Lula com um ministro atascado em suspeitas, acusações e evidências tornadas públicas ainda no primeiro mês do atual mandato. O presidente o manteve sobejamente no cargo não pela notória qualificação de Juscelino como gestor público ou conhecedor do ramo das comunicações no País, e sim para conter uma potencial rebelião do União Brasil em razão da queda. Oficialmente, porém, Lula creditava a sobrevida do auxiliar à sua suposta preocupação de não condená-lo com base em reportagens publicadas na imprensa profissional. Apesar da desculpa esfarrapada do presidente, foram justamente as reportagens que pavimentaram caminho para a instauração da investigação que resultou agora na denúncia da PGR.

Antes de licenciar-se da Câmara, Juscelino destinou emendas à prefeitura de Vitorino Freire (MA), administrada por sua irmã Luanna Rezende – aliás, a cidade é dominada politicamente por sua família desde a década de 1970. Suspeita-se que ele teria recebido propinas em troca da destinação dos recursos e do direcionamento de contratos a certas empresas. Houve mais problemas, expostos em mais de 30 reportagens deste jornal, que demonstraram como Juscelino explorou despudoradamente seus cargos públicos para cuidar de interesses particulares. Não só usou recursos do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que dá acesso às suas fazendas no Maranhão como fraudou viagens oficiais para participar de leilões de cavalos em São Paulo, escondeu patrimônio da Justiça Eleitoral, pagou os salários de funcionários de suas propriedades com verba de gabinete da Câmara e abriu as portas do ministério para que o sogro, o empresário Fernando Fialho, transformasse a pasta em escritório privado.

Mesmo que Juscelino fosse uma sumidade no campo das Comunicações – o que nunca foi –, ou ainda que as denúncias fossem o resultado de uma implacável reação de inimigos com interesses supostamente atingidos por uma eventual revolução promovida pelo ministro, o fato é que um cargo público como o de ministro de Estado é incompatível com tamanha zona de sombras. A suspeitos, indiciados e denunciados, convém dar o amplo direito de defesa, mas essa premissa elementar é bem diferente de dar-lhes salvo-conduto político e moral para se manter no poder.

Na cosmologia de um governo fraco como o de Lula, contudo, indispor qualquer partido de sua base rarefeita é um luxo de alto risco, razão pela qual a paciência presidencial mostrou-se inabalável ao longo do tempo. Resistiu, por exemplo, a um relatório apresentado em abril do ano passado pela Controladoria-Geral da União, cujos técnicos concluíram que o ministro malversou recursos públicos. Nem mesmo o indiciamento, pela Polícia Federal, em junho, por crimes como corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa, abalou a confiança do presidente. Lula chegou a dizer que “o fato de o cara ser indiciado não significa que o cara cometeu um erro”.

Não está escrito nas estrelas, porém, que, livre da falta de talento de Juscelino para a área, a pasta se livrará também do jugo fisiológico. O deputado Elmar Nascimento (BA), do União Brasil, apressou-se em informar que o “nome natural” para o posto é o do deputado Pedro Lucas Fernandes – maranhense, como Juscelino, e líder do partido na Câmara. O nome do ministro e suas qualificações, obviamente, não têm a menor importância nesse caso.

O MST está à vontade

O Estado de S. Paulo

Secretária de Lula vê ‘retomada radical da reforma agrária’ enquanto invasões avançam

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) deflagrou o “Abril Vermelho”. É o período do ano quando seus integrantes aterrorizam produtores, empresas e até centros de pesquisa com invasões, a pretexto de forçar o governo a fazer a reforma agrária. Em poucos dias, a organização invadiu ao menos 11 propriedades em Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo.

Não é de hoje que o MST dissemina a desordem no campo, mas, desde 2023, com a volta de Lula da Silva ao poder, o grupo tem se sentido mais à vontade para promover a baderna. Propriedades produtivas como fazendas de eucalipto da Suzano Papel e Celulose, na Bahia, e uma unidade da Embrapa Semiárido, em Pernambuco, já foram alvo do grupo.

Neste ano, as ameaças vêm bem desde antes do “Abril Vermelho”. Em uma carta publicada em janeiro, durante um encontro em Belém, líderes do MST reclamaram da paralisação da reforma agrária, cobraram o assentamento de 100 mil famílias e defenderam a pressão sobre o governo Lula por mais recursos do Orçamento.

Na sequência, começou o que chamam de mobilização, intensificada em março, quando, entre os dias 11 e 14, mais de 70 ações, entre elas protestos e invasões, foram realizadas em todas as regiões do Brasil. Houve manifestação na frente de unidades do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos Estados, além da invasão de uma outra unidade da Suzano Papel e Celulose, desta vez em Aracruz, no Espírito Santo.

O MST não tem jeito mesmo, e o governo Lula também não. Isso porque as chantagens da organização parecem surtir efeito. No mesmo mês em que o MST deu início às ações truculentas, o presidente Lula resolveu prestigiar os companheiros baderneiros, enquanto sua popularidade entre os brasileiros derrete.

Na primeira visita neste mandato a um acampamento da organização, em Minas, o petista disse que “tem lado” e que “não esquece quem são seus amigos”. Coincidência ou não, logo após o evento, o governo incluiu novas despesas no Orçamento, entre elas gastos de R$ 750 milhões, para contemplar os interesses do MST.

O governo Lula passou a fazer mais promessas aos velhos aliados, apesar das invasões em série promovidas pelo grupo. Durante a inauguração de um assentamento em São Paulo, no dia 5 de abril, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, afirmou que o governo vai terminar o mandato com 60 mil famílias assentadas. Já a secretária-executiva da pasta, Fernanda Machiavelli, disse que o País vive “uma retomada radical da reforma agrária” e citou a meta de assentar até o fim deste ano 29 mil famílias.

Impossível esperar o mínimo de responsabilidade do MST quando o próprio governo Lula da Silva romantiza a tática de guerrilha dos camaradas e é leniente com práticas ilícitas, em razão de suas rançosas paixões ideológicas. Na verdade, esse clima de medo no campo, que vai muito além de “uma retomada radical da reforma agrária”, exige combate urgente com a devida e necessária retomada radical da legalidade no Brasil.

Cerco contra as bets caduca

Correio Braziliense

O governo federal afirmou em setembro que havia chegado "a hora de colocar ordem" nas apostas on-line. Passados seis meses, o cenário segue desarranjado

Um relatório inédito elaborado em setembro pelo Banco Central (BC) acendeu o alerta: no mês anterior, beneficiários do Bolsa Família haviam transferido pelo menos R$ 3 bilhões a empresas de apostas, as famosas bets. A prática — que desde 2018, quando liberada, vem afetando a economia das famílias brasileiras, das mais carentes às abastadas — parecia, então, ter entrado na lista de prioridades do governo. "Chegou a hora de colocar ordem nisso", afirmou, à época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Passados seis meses, o cenário segue desarranjado.

O próprio BC indica tal panorama. A autarquia federal estimou que os gastos com apostas on-line no país somavam cerca de R$ 20 bilhões mensais de janeiro a agosto de 2024. O montante, porém, chega a ser 50% maior, conforme revelou, nesta terça-feira, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, à CPI das Bets do Senado. De janeiro a março deste ano, os brasileiros gastaram até R$ 30 bilhões a cada 30 dias. É praticamente o que foi investido em sistemas de água e esgoto no país ao longo de todo o ano de 2023, um dos maiores repasses para a áreas nos últimos 20 anos.

Galípolo atribuiu a diferença de cifras ao recebimento de dados mais robustos desde a regulamentação das apostas em bets, em 1º janeiro deste ano, e admitiu que a prática pode afetar a economia brasileira, com possíveis desdobramentos na política de juros. "É importante para o BC avaliar potenciais impactos na estabilidade financeira e na transmissão da política monetária", afirmou, ressaltando que não é papel da autarquia fiscalizar as empresas do setor.

Já é fato, segundo o presidente do BC, que bancos consideram o hábito de fazer apostas on-line ao analisar o perfil de quem solicita empréstimos, cobrando custos de crédito mais elevados a esses clientes. A dinâmica se torna ainda mais preocupante ao se considerar que não é incomum a busca por esse serviço justamente para seguir gastando nas bets. Há de se lembrar, ainda, que a perda de poder de compra dos brasileiros é uma das principais preocupações do Planalto, que tem lançado medidas para facilitar o acesso ao crédito e reduzir o endividamento. 

São muitos, porém, os brasileiros em risco de comprometer a saúde financeira — e a mental — devido ao descontrole com as apostas on-line. Estudo apresentado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) nesta segunda-feira mostra que 10,9 milhões de brasileiros com mais de 14 anos são jogadores de risco: apostam de forma a criar problemas emocionais, familiares ou financeiros. Desses, 1,4 milhão tem um comportamento compatível com o diagnóstico do transtorno do jogo, quando há um desejo incontrolável de jogar mesmo diante dos prejuízos.

Ao apresentar os dados, os pesquisadores da Unifesp indicaram medidas para frear a compulsão por jogos de azar no país. Entre elas, limitar a divulgação de publicidades feitas por pessoas públicas, incluindo os influencers. Quando começou a se debruçar sobre a explosão das apostas on-line, o Ministério da Fazenda publicou uma portaria prevendo a responsabilização das  operadoras por publicidades abusivas ou mesmo enganosas. Não há notícias de punições expressivas nesse sentido, e o portfólio de garotos propaganda tarimbados só cresce.

Também não houve avanços no suporte aos mais vulneráveis — falava-se, por exemplo, na elaboração de relatórios regulares indicando apostadores compulsivos e a adoção de uma pausa obrigatória nos momentos de crise. Além disso, a proposta de proibir o uso do dinheiro recebido no Bolsa Família em apostas on-line não deslancha, pois esbarra sobretudo em limitações técnicas. Sobram, portanto, evidências de que o prometido cerco contra as bets está caducando. O governo atual, assim como o antecessor, perde a oportunidade de frear uma ameaça tão custosa aos brasileiros. 

Qual o limite para segurar um ministro no cargo?

O Povo

O destino do agora ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), já estava determinado desde que foi divulgada a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra ele. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o havia sustentado quando indiciado pela Polícia Federal (PF), já havia dito que afastaria o ministro em caso de denúncia da PGR.

Portanto, o custo de mantê-lo agora seria ainda mais alto, pois acusações de que o Palácio do Planalto seria conivente com a corrupção seriam inevitáveis. O "pedido de demissão" de Juscelino foi, portanto, uma formalidade para oferecer-lhe uma porta de saída mais honrosa.

O ex-ministro é acusado de praticar fraude em licitação, falsidade ideológica, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e de integrar uma organização criminosa. A suspeita é que ele tenha desviado R$ 7,5 milhões de emendas parlamentares, via Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf).

Os recursos teriam seguido para obras em Vitorino Freire (MA), no período em que a irmã de Juscelino era prefeita da cidade. A empresa contratada para fazer o serviço era de um amigo de Juscelino. Os supostos crimes foram cometidos em 2022, quando ela era deputado federal.

Em uma carta de despedida, Juscelino escreveu que "a decisão de sair agora também é um gesto de respeito ao governo e ao povo brasileiro. Preciso me dedicar à minha defesa, com serenidade e firmeza, porque sei que a verdade há de prevalecer". O União Brasil também se manifestou, nos seguintes termos: "Reafirmamos que denúncias não equivalem a culpa, e que o princípio da presunção de inocência deve ser respeitado". A defesa do ex-ministro bateu na mesma tecla: "Oferecimento de uma denúncia não implica em culpa".

Ora, não é isso que está em questão. Pois a presunção de inocência continua garantida ao ex-ministro, até o recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), se for o caso, e o trânsito em julgado do processo.

Entretanto, qualquer partido sabe, ou deveria saber, que o tempo e os critérios da política são diferentes daqueles que caracterizam a Justiça. A quebra de confiança já se mostra suficiente para que um ministro afaste-se ou seja afastado do cargo que ocupa. Mais do que isso, faz quase um ano que a Polícia Federal indiciou Juscelino, que deveria ser a razão definitiva para o afastamento ou demissão de um auxiliar. Mas, sob pressão do União Brasil, Lula manteve Juscelino no cargo, mesmo depois das evidências reveladas na investigação da PF.

O melhor que esse, ou qualquer outro governo poderia fazer, seria estabelecer critérios impessoais para afastar ministros ou auxiliares em casos de suspeita de corrupção ou qualquer outro malfeito, com o indiciamento pela PF servindo como uma baliza intransponível. 

 


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