Esta análise, fundamentada em dados de instituições
renomadas como a Organization for Economic Cooperation and Development e
em entrevistas com especialistas como Scott Kennedy do CSIS e Paul Triolo do Albright
Stonebridge Group, examina o estado atual das tecnologias prioritárias
elencadas e definidas pelo MIC 2025, além dos consideráveis obstáculos que se
interpõem no caminho da China e as perspectivas em um contexto de crescentes
tensões globais.
A questão central que persiste é: o MIC 2025 representa um verdadeiro trampolim para a liderança tecnológica global, ou se configura como um plano vulnerável às sanções internacionais e às próprias limitações internas do gigante asiático? A resposta a esta indagação complexa reside na análise aprofundada de seis setores-chave, que não apenas moldarão o futuro tecnológico da China, mas também poderão redefinir a ordem econômica mundial em curso:
1. Eletrônicos Avançados: A Corrida Crítica pelos
Semicondutores
Contexto Atual: A dependência chinesa de
semicondutores importados é flagrante. Em 2022, as importações atingiram a
cifra de 415 bilhões de dólares, superando os gastos com petróleo, de acordo
com a Semiconductor Industry Association. Para mitigar essa enorme
vulnerabilidade, o governo chinês estabeleceu o "Big Fund" (Grande
Fundo), um programa estatal robusto com um orçamento previsto até 2030 do
montante de 150 bilhões de dólares. O foco principal é a expansão da capacidade
de produção doméstica através da construção de fábricas de semicondutores e o
investimento maciço em pesquisa e desenvolvimento.
Progresso do Programa: Empresas chinesas demonstraram
grandes avanços técnicos, produzindo chips de 7 nanômetros em 2023 utilizando a
técnica de multipatterning. No entanto, essa abordagem eleva os custos
de produção em cerca de 50% em comparação com a líder de mercado, a Taiwan
Semiconductor Manufacturing Company Limited – TSMC, devido à
impossibilidade de adquirir máquinas EUV, que é uma tecnologia usada na indústria de semicondutores para a fabricação de circuitos integrados, devido às restrições impostas pelos EUA e
outras sanções ocidentais. A Huawei, em colaboração com a empresa chinesa SMIC,
desenvolveu o chip Kirin 9000s, um feito notável diante das restrições
internacionais. Contudo, a produção permanece limitada a cerca de 10 milhões de
unidades anuais, contrastando com a capacidade da Apple, que produz com apoio
da empresa de Taiwan, aproximadamente 200 milhões de chips anualmente.
Perspectivas e Estratégias: As metas ambiciosas
incluem dominar 70% da demanda doméstica por chips de 14 nanômetros até 2025,
um avanço significativo em relação aos atuais 30%, e investir 2,8 bilhões de
dólares em carbeto de silício até, no máximo, 2030, um material crucial para
veículos elétricos e outras aplicações de alta potência. A China pensa
ativamente em rotas alternativas à tecnologia ocidental, acelerando o
desenvolvimento de processos de fabricação próprios e buscando reduzir a
dependência da propriedade intelectual ocidental. No entanto, a complexidade da
indústria de semicondutores e a profundidade da cadeia de suprimentos, que até
as sanções impostas eram globais, tornam a autossuficiência um desafio
monumental.
2. Robótica e Máquinas de Precisão: Automatizando o
Futuro da Manufatura
Andamento do Projeto: A China já se destaca como o
maior mercado mundial de robôs industriais, respondendo por 45% das vendas
globais em 2023. Entretanto, persiste uma dependência significativa de
importações, especialmente em robôs de alta precisão, que representam 60% do
consumo interno chinês.
Diminuindo os Custos: Empresas chinesas como a SIASUN
têm demonstrado capacidade de inovação em custo-benefício-eficiência, reduzindo
o preço de cobots – robôs colaborativos, para 8 mil dólares, tornando-os
competitivos em mercados emergentes em comparação com os 20 mil dólares
cobrados por rivais ocidentais. A Midea, gigante de eletrodomésticos,
implementou o sistema M.IoT (interconexão das coisas, comunicação entre
objetos e dispositivos inteligentes) em suas linhas de produção automatizadas,
alcançando uma redução de 40% nos defeitos de fabricação, demonstrando o
potencial da integração de tecnologias digitais na manufatura.
Perspectivas e Estratégias: O plano MIC 2025 almeja
estabelecer 150 "fábricas inteligentes" até 2025, impulsionadas por
tecnologias como 5G e edge computing (computação de borda, que realiza
ações em tempo real à margem da rede). Para o horizonte de 2030, a China
ambiciona desenvolver robôs com capacidades sensoriais avançadas, como o tato,
para tarefas complexas como a montagem de microchips, por meio de parcerias,
como a colaboração entre a Estun Robotics e a Academia Chinesa de
Ciências, a estratégia de expansão para mercados externos é crucial, visando
não apenas atender à demanda interna, mas também competir globalmente e reduzir
a dependência mundial da tecnologia robótica ocidental, suprindo as possíveis necessidades tecnológicas dos países
pertencentes à “Nova Rota da Seda” e também aos BRICS.
3. Crescimento da Indústria Aeroespacial: Conquistando
os Céus
Crescimento Condicionado: enquanto o avião comercial
COMAC C919 atrai um volume expressivo de pedidos, 1.200 aviões apenas em 2023,
a aeronave ainda depende de componentes estrangeiros para cerca de 95% de sua
composição, e por conseguinte, limita profundamente um crescimento sustentável
das exportações, seja a médio e longo prazo.
Situação Atual: A Corporação de Ciência e Tecnologia
Aeroespacial da China demonstra notável capacidade no setor espacial,
realizando 64 lançamentos de foguetes aeroespaciais em 2023, incluindo o módulo
Mengtian para a estação espacial Tiangong. Empresas privadas como a Galactic
Energy também emergem, oferecendo custos de lançamento 30% inferiores aos
da celebrada empresa aeroespacial SpaceX do bilionário Elon Musk, indicando um
ecossistema espacial chinês em franca expansão e diversificação e com custos monetários
e ambientais absurdamente menores.
Perspectivas e Estratégias: A China projeta a
ambiciosa “Constelação Guowang”, com 13 mil satélites, para rivalizar com o
monopólio da Starlink no fornecimento de internet via satélite até 2030. No
setor de aviação comercial, o desenvolvimento do COMAC C929, aeronave widebody
(aviões de fuselagem larga), visa conquistar 10% do mercado global até 2035.
Contudo, o setor aeroespacial e de aviação chinês enfrenta os mesmos desafios
anteriores, ou seja, dependência de tecnologias estrangeiras para componentes
críticos como turbinas de aeronaves e sistemas aviônicos avançados. O
desenvolvimento autônomo destas tecnologias representa um obstáculo complexo e
de longo prazo, mas que já começa a ser trabalhado com a abertura de novas
plantas industriais focadas na solução do problema.
4. Veículos Elétricos – VEs: Liderando a Revolução da
Mobilidade Sustentável
Crescimento Rápido e Entrada no Mercado Global: A
China consolidou uma liderança incontestável no mercado mundial de veículos
elétricos. A empresa BYD, por exemplo, vendeu 3,2 milhões de VEs em 2024,
segundo a BloombergNEF, superando em muito a Tesla e se tornando a maior
vendedora mundial da categoria.
O Futuro Está Próximo: Empresas chinesas como a XPeng
avançam no desenvolvimento de tecnologias de ponta, testando carros autônomos
(sem necessidade de pilotos) de nível 4
em Guangzhou. No setor de baterias, a CATL, líder global, lançou a bateria
Qilin, com uma densidade energética de 255 Wh/kg, superando em 15% a eficiência
das baterias LFP da concorrente Tesla Motors.
Perspectivas Futuras: A China almeja que 40% das
vendas domésticas de veículos sejam de VEs até 2025, e já para 2030, o país
busca liderar a transição para baterias de estado sólido, consideradas a
próxima geração da tecnologia de armazenamento de energia, por meio de
parcerias estratégicas como a colaboração com a QuantumScape, que tem como
investidores Bill Gates e Volkswagen. A expansão global agressiva é uma
prioridade, com o objetivo de dominar mercados emergentes antes que
concorrentes consigam reduzir seus custos de produção e competir em qualidade e
preço.
5. Inteligência Artificial: Rumo à Vanguarda da
Inteligência Artificial Global
Contexto: A China tem se destacado no cenário global
de pesquisa em Inteligência Artificial – IA, sendo responsável por 28% das
publicações científicas na área, de acordo com a Stanford HAI em 2023. No
entanto, o país enfrentou restrições na compra de chips de alto desempenho
devido à pressão do governo dos Estados Unidos sobre a empresa NVIDIA,
especialmente em relação às Graphics Processing Units – GPUs essenciais
para o desenvolvimento de modelos avançados de IA.
Em resposta, a China surpreendeu o mundo com a criação
do DeepSeek, que demonstrou desempenho superior utilizando chips mais antigos e
com menor consumo de energia em comparação aos concorrentes. Essa inovação
evidencia a capacidade chinesa de adaptação tecnológica diante de barreiras
comerciais e pode representar um avanço estratégico na redução da dependência
de semicondutores ocidentais. O sucesso do modelo do DeepSeek pode estimular
novas abordagens para otimizar a eficiência dos sistemas de IA, abrindo espaço
para criatividade diante da necessidade e olhar de forma diferenciada as
dificuldades impostas.
Perspectivas e Estratégias: A China vislumbrava um
mercado de 150 bilhões de dólares em receitas com IA até 2030, isso antes do
abalo causado pelo DeepSeek, agora a presença no mercado mundial deverá ser
infinitamente maior. Os novos focos de abordagem dessas aplicações serão em
áreas estratégicas como cidades inteligentes, medicina e ciência de ponta.
6. Uma Jornada Tecnológica: Uma Via Complexa e de
Longo Prazo
A China avança de forma determinada em sua jornada
tecnológica, impulsionada por investimentos massivos e uma visão estratégica de
longo prazo. Contudo, o país enfrenta desafios críticos que podem moldar o
sucesso ou o fracasso do plano MIC 2025 e sua ambição de hegemonia tecnológica
global:
Sabotagem Geopolítica: A "guerra
tecnológica" deflagrada pelo Ocidente, especialmente através das sanções
americanas, impõe um obstáculo significativo. Pode acarretar à China uma
defasagem de 5 a 7 anos em chips de ponta, isso não é trivial e pode impactar o
ritmo de inovação em diversos setores dependentes de semicondutores avançados.
A resiliência chinesa reside na busca por autossuficiência, mas o caminho é
árduo. Estratégias de contorno incluem o desenvolvimento de tecnologias
alternativas, o investimento em design de chips e a busca por parcerias com
países que discordem das sanções unilaterais impostas. No entanto, a eficácia
dessas estratégias em curto e médio prazo ainda é incerta.
Desafios de Inovação Pioneira: Embora a China se
destaque em patentes, a constatação de que apenas 5% são consideradas
"altamente inovadoras" pela World Intellectual Property
Organization – WIPO levanta
questões sobre a natureza da inovação chinesa. Predomina uma inovação
incremental, focada em aprimorar tecnologias existentes e em aplicações
práticas e de mercado, em detrimento da inovação disruptiva, que cria
tecnologias e mercados radicalmente novos. Fatores como o sistema de pesquisa e
desenvolvimento chinês, mais focado em execução e escala do que em
experimentação radical, podem contribuir para essa limitação. A transição de
"imitadora" para liderança em criações de ponta representa um desafio
cultural e estrutural complexo para o futuro da liderança da China.
O Peso da Demografia Desfavorável: A demografia
chinesa apresenta um cenário desafiador a longo prazo, a projeção do Banco
Mundial de uma queda de 10% na população ativa até 2035 terá implicações
profundas. A diminuição da força de trabalho pode impactar a capacidade de
inovação, a produtividade industrial e o crescimento econômico geral. A aposta
na automação e na IA surge como uma resposta estratégica para mitigar os
efeitos da demografia desfavorável, mas a efetividade dessas tecnologias em
compensar integralmente a perda de força de trabalho e impulsionar a inovação
em um contexto demográfico adverso é auspiciosa, mas ainda é uma incógnita.
Tensões Globais e Fragmentação Tecnológica: O avanço
tecnológico chinês, especialmente em setores estratégicos, gera tensões
geopolíticas crescentes, a reação de países ocidentais, principalmente os
ligados à Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, liderados pelos
Estados Unidos, manifesta-se em sanções, restrições comerciais e políticas
industriais limitantes, como o CHIPS Act americano e iniciativas
similares na Europa.
Essa dinâmica acentua o risco de fragmentação
tecnológica global, com a formação de blocos tecnológicos distintos e
potencialmente isolados. A China busca fortalecer parcerias com países em
desenvolvimento e do Sul Global, mas a crescente polarização tecnológica
mundial representa um desafio para um crescimento tecnológico homogêneo
globalmente, e para a própria ideia fundamental de globalização. Apesar dos
obstáculos consideráveis, Pequim demonstra uma determinação inabalável em
prosseguir com o MIC 2025 e suas ambições tecnológicas, embora o plano possa
não garantir uma vitória imediata e incontestável na batalha pela hegemonia
tecnológica, ele inegavelmente está redefinindo as regras do jogo e alterando o
panorama tecnológico global.
No entanto, a trajetória da China enfrenta desafios
internos e externos significativos. Internamente, o país precisa lidar com
gargalos na inovação, como a dependência de tecnologia estrangeira em setores
estratégicos, dificuldades na retenção de talentos e uma burocracia que pode
retardar avanços. Além disso, o sistema regulatório chinês, ao mesmo tempo em
que impulsiona a centralização do desenvolvimento tecnológico, também pode
gerar entraves para um ecossistema mais dinâmico e inovador. Externamente, as
restrições comerciais impostas pelo Ocidente, especialmente pelos Estados
Unidos, colocam barreiras ao acesso a tecnologias críticas. Se Pequim não
conseguir desenvolver uma base industrial autossuficiente a tempo, pode ficar
refém de soluções paliativas em vez de alcançar uma liderança sustentável.
Contudo, uma certeza emerge com clareza, o mundo não
pode mais ignorar a China como uma força motriz e uma arquiteta fundamental de
uma nova ordem tecnológica global em construção. Independentemente dos
desafios, Pequim já conseguiu alterar o equilíbrio de poder no setor e
continuará a moldar os rumos da inovação mundial, seja como um concorrente
direto do ocidente, seja como um catalisador de novos paradigmas tecnológicos.
Historicamente, a China foi, por milênios, a vanguarda
da inovação global. O país criou invenções fundamentais como a bússola, o
papel, a impressão e a pólvora, avanços que moldaram civilizações e redefiniram
o curso da humanidade. Seu declínio tecnológico nos séculos recentes foi mais
uma exceção do que a regra, resultado de fatores históricos e geopolíticos
específicos, agora, com a ascensão do MIC 2025 e o investimento agressivo em
tecnologia de ponta, a China está simplesmente retomando o papel que desempenhou
por grande parte da história humana. O mundo pode se surpreender com a
velocidade desse avanço, mas, à luz da trajetória chinesa, a verdadeira
surpresa seria se a nação não estivesse reivindicando novamente seu lugar na
vanguarda da inovação. A nova ordem tecnológica global não é um acaso, mas a
continuação de um legado que sempre colocou a China entre os protagonistas do
progresso.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos
de Pernambuco.
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