Folha de S. Paulo
Quem pode conter o STF por fora é o
Congresso, seja pela votação de novos ministros ou outras vias
Na ausência da autocontenção, Legislativo não
deve se furtar de agir
Uma série de bons artigos —Malu Gaspar e Pablo Ortellado no Globo, Fernando Schuler no Estadão e Lygia Maria aqui
na Folha— tem debatido os possíveis abusos do Supremo no
contexto da trama golpista. Agora que Bolsonaro foi condenado, é hora do
Supremo conter os abusos que foram necessários para condená-lo e voltar à
normalidade. Claro que a própria Justiça não pode jamais aceitar esses termos,
pois seria a admissão de uma Justiça parcial e, portanto, injusta, mas é assim
que o debate público tem tratado a questão.
Não vi ainda argumento decisivo para a
premissa central aí: a de que os "abusos" do Supremo (lembrando que
todos têm suas justificativas jurídicas) foram necessários, decisivos, para as
condenações.
Em alguns casos isso é obviamente falso. Tanto a decisão de levar o caso para a primeira turma —em vez do plenário— e a decisão de Moraes de não se declarar impedido para julgar o caso são decisões frequentemente apontadas como abusivas. Independentemente de se a crítica é correta ou não, elas foram irrelevantes para o resultado final. Os golpistas terminariam condenados de qualquer jeito. Mas e sem os inquéritos de ofício, mantidos durante a longa omissão da PGR? Sem eles, haveria a denúncia e o caso? Talvez nunca saibamos.
Mais relevante do que julgar o passado é
consertar o que está errado para o futuro. E aqui há pelo menos três frentes em
que o Supremo precisa se corrigir, se conter —ou ser corrigido e ser contido.
A primeira são as penas duríssimas dadas aos
invasores do 8 de Janeiro, maiores que as de assassinos e estupradores. Maiores
aliás do que as de diversos condenados dos núcleos da trama golpista,
supostamente os planejadores e responsáveis de quem os invasores foram mera
massa de manobra.
O segundo são os inquéritos de ofício do
Supremo, que seguem abertos muito depois que todos os fatos que eles
supostamente queriam investigar já se encerraram. Já deveriam ter sido
encerrados; que o sejam agora.
O terceiro é a suspensão de contas de redes sociais
como medida cautelar por conta de alguma opinião indevida. Decisões
monocráticas, liminares, tomadas de forma sigilosa e por prazo
indeterminado, seja pelo STF ou pelo TSE. Ninguém nem sabe exatamente quantas
pessoas estão sem acesso a suas redes. É verdade que as censuras parecem ter
parado —embora seja impossível sabê-lo ao certo devido ao sigilo—, mas a
possibilidade de que possam voltar no futuro é grave. Ano que vem teremos
eleições novamente; a censura correrá solta?
Pela filosofia política clássica, a
capacidade de um líder de se autoconter é a principal virtude no exercício do poder.
É o que diferencia o rei do tirano. Sabemos, contudo, que é rara. Por isso uma
constituição política estável depende de equilíbrio entre Poderes, de modo que
um atue sobre outro.
Não é de hoje que se espera uma autocontenção
do Supremo. A promessa vem desde o início do mandato de Barroso como
presidente. Se ela não vier, quem pode conter o Supremo por fora é o Congresso,
seja pela votação de novos ministros com mentalidade diferente, pelo
impeachment dos atuais ou por PECs que mudem as atribuições da corte. Na
ausência da autocontenção, ele não deve se furtar de agir.

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