quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Gabeira e Franklin: de companheiros no sequestro do embaixador a desafetos

Há 40 anos
Bernardo Mello Franco
DEU EM O GLOBO ONLINE

BRASÍLIA - Os dois protagonistas mais conhecidos do sequestro do embaixador americano romperam relações e viraram desafetos por causa da disputa de versões sobre o episódio. São eles o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) e o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Há 40 anos, ambos compartilhavam o sonho da revolução e militavam juntos na Dissidência Universitária da Guanabara. Hoje, estão em lados opostos na política e discordam frontalmente ao relembrar o feito histórico: enquanto Franklin o enaltece, Gabeira diz que preferia não ter participado dele.

A discórdia nasceu em 1979, quando Gabeira lançou o livro "O que é isso, companheiro?". Para Franklin, o deputado usurpou seu papel de idealizador da ação e autor do manifesto que exigiu a libertação de 15 presos políticos em troca da vida do diplomata. O ministro também julga que o ex-colega desrespeitou a memória de dois participantes do rapto: Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, e Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, ambos mortos nos porões do regime.

Gabeira diz que não teve intenção de menosprezar o papel do ministro e frisa que a autoria do manifesto está registrada na segunda edição do livro, lançada junto com o filme homônimo em 1996. Também aproveita para criticar quem, para ele, ainda não conseguiu formular uma visão crítica do período. Em entrevistas ao GLOBO, na última quarta-feira, os dois trocaram farpas ao relembrar os dias do sequestro. Gabeira falou mais abertamente no rompimento, que atribui ao ministro:

- Ele não fala comigo, ficou meu inimigo. Por muito tempo, atribuiu-se a mim o manifesto. Mas o autor é ele, como registrei na segunda edição do livro. Será que vou ter que passar o resto da vida repetindo isso?

Franklin tentou desconversar sobre a briga, mas aproveitou para alfinetar o deputado.

- Não tenho problema nenhum com o Gabeira. Outro dia o encontrei no aeroporto e fui cumprimentá-lo. Agora, não somos melhores amigos - afirmou, negando que a política tenha incentivado o afastamento. - As opções políticas que ele fez, talvez caminhando para a direita, são irrelevantes para mim.

O ministro disse considerar perda de tempo a discussão sobre quem fez o que na ação. Mas criticou Gabeira duramente ao comentar a forma como o filme, no qual o deputado atuou como consultor de roteiro, retrata os ex-colegas Jonas e Toledo.

- Ele não tinha o direito de fazer achincalhe da memória de pessoas que foram mortas em condições heróicas. Jonas e Toledo são heróis do povo brasileiro. Em qualquer lugar do mundo, seriam tratados assim. Aqui, são achincalhados - afirmou.

Gabeira também negou essa acusação, mas ironizou o tom da crítica, insinuando que o ministro se leva a sério demais:

- O Franklin acha que fui injusto por não ter levado a sério, como deveria, o esforço e o sacrifício dos militantes. Mas eu não levo a sério nem a mim mesmo. Talvez essa seja mais uma divergência entre nós dois.

Outra divergência aparece na avaliação histórica do episódio. Apesar de considerar que a luta armada foi um erro, por ter sido realizada por um pequeno grupo que não conseguiu a adesão dos trabalhadores, Franklin diz que o sequestro abalou a ditadura e atingiu seus objetivos, terminando sem baixas e com a libertação dos 15 presos. Gabeira diz que gostaria de não ter participado da ação, que classifica como violenta e compara ao sequestro da ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt. Afirma que hoje se sente mais solidário com o sequestrado do que com os sequestradores.

Em 2010, os ex-companheiros estarão ainda mais distantes. Franklin, cada vez mais forte no governo, tem lugar reservado entre os principais estrategistas da candidatura de Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto. Gabeira, que se elegeu pelo PT em 2002 e rompeu com o partido antes do escândalo do mensalão, deve disputar o governo do Rio em aliança com o tucano José Serra.

Depois de 40 anos, o passado parece só ter mantido uma herança em comum entre os dois: por terem sequestrado Charles Burke Elbrick, eles continuam proibidos de pisar em solo americano.

Nenhum comentário: