Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Adeus caderneta de poupança simplesinha, que qualquer criança entendia. O governo meteu nas regras coisas complicadas e um punhado de variáveis que vão depender de mais coisas, não só do tamanho do depósito, mas, também, das alterações da Selic.
As cadernetas têm 50 anos e nunca precisaram de cartilha que explicasse seu funcionamento. Ontem, o governo editou às pressas um ABC das mudanças para que fossem compreendidas. Lembrou a banda endógena em diagonal, o câmbio inventado pelo Banco Central que durou dois dias e precipitou a adoção do sistema flutuante.
Os aplicadores terão agora de trabalhar com redutores que vão integrar o cálculo da renda tributável sujeita, algumas vezes sim e outras não, à declaração anual de ajuste do Imposto de Renda (IR). Claro que essas complexidades só valem para quem têm depósitos superiores a R$ 50 mil, gente que pode pagar contador e consultoria tributária. Mas não precisava ser assim.
As soluções adotadas são temporárias. Se os juros básicos (Selic) caírem para abaixo dos 6,17% ao ano, o governo será novamente obrigado a rever as regras. As decisões estão saindo pela metade. A anunciada redução do Imposto de Renda sobre o rendimento dos títulos (e fundos) de renda fixa foi adiada sabe-se lá para quando, porque o governo não está seguro e quer primeiro sentir como o mercado vai se comportar com a nova taxação das cadernetas.
O problema de fundo já é conhecido. Se fossem mantidas as regras vigentes, estaria perto o dia em que a caderneta, que até este ano não leva nem IR nem tarifa de administração, ficaria mais rentável do que os títulos de renda fixa. Essa nova relação de retorno poderia causar a revoada das grandes aplicações da renda fixa para as cadernetas. Além disso, a rolagem dos títulos do Tesouro, que também pagam renda fixa, seria bem mais difícil.
O Banco Central tinha queixas ainda mais relevantes. A garantia de que as cadernetas pagariam, chovesse ou fizesse sol, rendimento fixo mensal de 0,5% ao mês (6,17% ao ano), se constituiria em "obstáculo institucional" à queda dos juros, já que deixaria um piso impossível de furar. "Agora a Selic tem mais espaço para cair", avisou o ministro Guido Mantega. E, ontem, no mercado futuro, os juros de longo prazo caíram, mostrando que sentiram o golpe.
Nessas alterações, o governo só viu uma ponta do financiamento habitacional: a das cadernetas, principal fonte de recursos para a casa própria. Por isso, derrubou seu rendimento. Mas não providenciou a redução dos custos financeiros para o mutuário, o tomador de empréstimos imobiliários. Este pagará os mesmos juros que pagava até agora. Vão nessa direção as críticas do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
Não apenas a remuneração e a isenção de impostos tornariam a caderneta fortemente competitiva. Também concorreram (e continuam concorrendo) para isso as altas tarifas de administração dos fundos de renda fixa. Há bancos cobrando mais de 5% ao ano (o equivalente à inflação).
O governo está perdendo uma excelente oportunidade de forçar os bancos a trabalhar com margens mais razoáveis. Mas Mantega preferiu deixar que o mercado puna os mais careiros.
Alguma coisa precisava ser mudada. Mas tudo poderia ter sido bem menos complicado.
CONFIRA
Derrubada - Os analistas precisaram recorrer a contorcionismos lógicos para explicar por que as bolsas despencaram ontem. Quando é necessário explicar demais, as verdadeiras razões são mais profundas.
Há dinheiro em profusão na economia global e isso empurra o mercado para o risco, mas há dinheiro demais porque Tesouros e bancos centrais vêm tendo de despejar capital para suprir a falta de crédito.
Então, enquanto houver dinheiro demais à procura de um porto seguro (ou nem sempre isso), o mercado viverá de espasmos, ora de alta, ora de baixa, como ontem.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Adeus caderneta de poupança simplesinha, que qualquer criança entendia. O governo meteu nas regras coisas complicadas e um punhado de variáveis que vão depender de mais coisas, não só do tamanho do depósito, mas, também, das alterações da Selic.
As cadernetas têm 50 anos e nunca precisaram de cartilha que explicasse seu funcionamento. Ontem, o governo editou às pressas um ABC das mudanças para que fossem compreendidas. Lembrou a banda endógena em diagonal, o câmbio inventado pelo Banco Central que durou dois dias e precipitou a adoção do sistema flutuante.
Os aplicadores terão agora de trabalhar com redutores que vão integrar o cálculo da renda tributável sujeita, algumas vezes sim e outras não, à declaração anual de ajuste do Imposto de Renda (IR). Claro que essas complexidades só valem para quem têm depósitos superiores a R$ 50 mil, gente que pode pagar contador e consultoria tributária. Mas não precisava ser assim.
As soluções adotadas são temporárias. Se os juros básicos (Selic) caírem para abaixo dos 6,17% ao ano, o governo será novamente obrigado a rever as regras. As decisões estão saindo pela metade. A anunciada redução do Imposto de Renda sobre o rendimento dos títulos (e fundos) de renda fixa foi adiada sabe-se lá para quando, porque o governo não está seguro e quer primeiro sentir como o mercado vai se comportar com a nova taxação das cadernetas.
O problema de fundo já é conhecido. Se fossem mantidas as regras vigentes, estaria perto o dia em que a caderneta, que até este ano não leva nem IR nem tarifa de administração, ficaria mais rentável do que os títulos de renda fixa. Essa nova relação de retorno poderia causar a revoada das grandes aplicações da renda fixa para as cadernetas. Além disso, a rolagem dos títulos do Tesouro, que também pagam renda fixa, seria bem mais difícil.
O Banco Central tinha queixas ainda mais relevantes. A garantia de que as cadernetas pagariam, chovesse ou fizesse sol, rendimento fixo mensal de 0,5% ao mês (6,17% ao ano), se constituiria em "obstáculo institucional" à queda dos juros, já que deixaria um piso impossível de furar. "Agora a Selic tem mais espaço para cair", avisou o ministro Guido Mantega. E, ontem, no mercado futuro, os juros de longo prazo caíram, mostrando que sentiram o golpe.
Nessas alterações, o governo só viu uma ponta do financiamento habitacional: a das cadernetas, principal fonte de recursos para a casa própria. Por isso, derrubou seu rendimento. Mas não providenciou a redução dos custos financeiros para o mutuário, o tomador de empréstimos imobiliários. Este pagará os mesmos juros que pagava até agora. Vão nessa direção as críticas do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
Não apenas a remuneração e a isenção de impostos tornariam a caderneta fortemente competitiva. Também concorreram (e continuam concorrendo) para isso as altas tarifas de administração dos fundos de renda fixa. Há bancos cobrando mais de 5% ao ano (o equivalente à inflação).
O governo está perdendo uma excelente oportunidade de forçar os bancos a trabalhar com margens mais razoáveis. Mas Mantega preferiu deixar que o mercado puna os mais careiros.
Alguma coisa precisava ser mudada. Mas tudo poderia ter sido bem menos complicado.
CONFIRA
Derrubada - Os analistas precisaram recorrer a contorcionismos lógicos para explicar por que as bolsas despencaram ontem. Quando é necessário explicar demais, as verdadeiras razões são mais profundas.
Há dinheiro em profusão na economia global e isso empurra o mercado para o risco, mas há dinheiro demais porque Tesouros e bancos centrais vêm tendo de despejar capital para suprir a falta de crédito.
Então, enquanto houver dinheiro demais à procura de um porto seguro (ou nem sempre isso), o mercado viverá de espasmos, ora de alta, ora de baixa, como ontem.
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