Quando o presidente Lula chamou a atenção, no lançamento propagandístico do programa de exploração do petróleo na camada pré-sal, para o fato de que a “dádiva de Deus” pode se transformar em “uma maldição”, sabia do que estava falando.
A julgar pela badalação com que o governo simula dar início a uma exploração que só terá resultados a longuíssimo prazo, o país começa a lidar com uma riqueza futura querendo fazê-la parte de seu presente, para garantir a manutenção do poder futuro de um grupo político.
Há estudos acadêmicos que mostram que a abundância de recursos naturais pode levar ao desmantelamento institucional de países, neutralizando as vantagens que sua exploração poderia gerar.
E começam os nosso projeto com todas as ressalvas oficiais, mas com decisões que demonstram que a riqueza previsível já afeta o presente, a começar pela mudança das regras de exploração, de concessão para partilha, para aumentar o controle do Estado sobre o tesouro, e pela disputa de futuros royalties.
O que está em jogo potencialmente na partilha dos royalties do pré-sal não é pouca coisa para os estados produtores, especialmente o Rio de Janeiro, que, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), fica com mais de 80% dos royalties, enquanto os municípios fluminenses podem ficar com até 75% do total destinado a todos os municípios.
Apenas 11 prefeituras do Rio ficam com 60,5% do total distribuído aos municípios.
Esta receita, que chegou a R$ 14,67 bilhões em 2007, quando o preço do barril de petróleo estava em seu recorde, acima de US$ 100, pode simplesmente dobrar com a entrada em produção do novo campo de Tupi, se ele confirmar seu potencial.
O pagamento de royalties foi incluído na Constituição de 1988 como maneira de compensar estados e municípios impactados pela produção de petróleo, com o argumento de que esse dinheiro tem que ajudar os municípios a prepararem seu futuro, quando o petróleo acabar.
Mas já temos por aqui um pequeno exemplo do que pode ser essa “maldição”, com o clientelismo que marca a política no Estado do Rio fazendo com que os recursos dos royalties não sejam investidos num futuro melhor para os municípios beneficiados, mas desperdiçados pelas prefeituras.
Como demonstra pesquisa da Universidade Candido Mendes e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos, em vez de obras de infraestrutura ou de preservação do meio ambiente, ou ainda em saúde e educação, a grande maioria das prefeituras os destinam ao custeio da máquina pública.
A “maldição” que cerca os países produtores de riquezas minerais se tornou conhecida quando o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Harvard, demonstrou em um estudo que, entre 1960 e 1990, os países pobres em recursos naturais cresceram mais depressa do que os ricos.
O professor Xavier SalaiMartin, da Universidade de Columbia, e Arvind Subramanian, do FMI, também fizeram um estudo sobre essa “maldição”, abrangendo 71 países, com os mesmos resultados.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU demonstra também que países pobres em recursos naturais, como a Coreia do Sul e Cingapura, estão classificados bem à frente de outros, como Sudão, Angola e Nigéria, países africanos produtores de petróleo.
Essa “maldição” pode ter ainda efeitos colaterais terríveis, como demonstrou o professor Paul Collier da Universidade de Oxford. Seu trabalho calcula que é de nada menos que 25% a probabilidade de um país africano com riqueza mineral entrar numa guerra civil, enquanto essa probabilidade cai para 1% nos países onde faltam tais recursos.
Como mostrou George Vidor em sua coluna do GLOBO de ontem, com base em dados da Transparência Internacional, geralmente optaram pela partilha países com regimes políticos autoritários, de renda por habitante baixa e incluídos na lista dos mais expostos à corrupção.
A criação de uma nova estatal, a Petrosal, para gerir a riqueza dos novos campos, e a capitalização da Petrobras, aumentando a participação governamental no seu controle, são outros sintomas de que o governo pretende ampliar sua ingerência na exploração dos novos campos do pré-sal, como se isso fosse necessário para aumentar sua participação nos lucros.
Existem três desafios para um país evitar os efeitos da “maldição do petróleo”.
A economia não pode ficar dependente da renda da exportação de suas riquezas brutas, pois os preços das commodities são muito voláteis.
A Venezuela é um exemplo recente desse efeito, pois manteve um nível de gastos compatível com o barril a mais de US$ 100, inclusive sustentando países vizinhos e até mesmo Cuba, e sofreu um baque terrível com a queda dos preços internacionais.
Em contrapartida, quando os preços sobem, o câmbio se valoriza e os produtos manufaturados perdem a competitividade nas exportações, o que provoca desemprego em massa. Já a cadeia produtiva de petróleo gera empregos de mão de obra altamente qualificada, não compensando as perdas.
O último desafio é fazer com que a riqueza fácil gerada pelo petróleo desestimule reformas estruturais no país, e estimule a corrupção, como acontece nos países árabes, por exemplo, ou políticas populistas e assistencialistas, como na Venezuela.
Um comentário:
O que estimula a corrupção no nosso país não é o modelo econômico mais sim nossa cultura histórica. Só lembrando o que em 1816 – época que a corte o Brasil era a sede da coroa portuguesa – se dizia pelas ruas do Rio de Janeiro: “Aqui na corte quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão e quem rouba e esconde é visconde”.
Lembramos também que em qualquer modelo o corruptor é sempre alguém que defende os interesses de uma empresa privada.
Presidencialismo é assim mesmo: o poder executivo é quem dá as cartas.O presidente Lula está só dando as cartas e quem quer fazer uma eleição “plebicitária” tem que explicitar as diferenças entre este governo e o governo anterior. Cabe ao povo escolher o seu destino.
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