segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O lulismo é um produtivismo :: Claudio Salm

DEU EM O GLOBO

O produtivismo designa a exaltação da produção pela produção. Não tem compromissos com a promoção da cidadania nem com a preservação do meio ambiente. Costuma-se associar o produtivismo ao capitalismo que, na falta de resistências, subordina tudo aos interesses mercantis, ao lucro. No entanto, o produtivismo marcou também o stalinismo. Na década de 1930, Stalin consagrou o sthakanovismo como a forma ideal de organizar o trabalho na URSS, forma essa que nada mais era que o taylorismo com emulação patriótica. A experiência soviética, como se sabe, foi uma história de desastres ecológicos em nome da produção.

Em recente visita ao Brasil, Daniel Cohn-Bendit rotulou o lulismo de "ideologia produtivista". Nada melhor que a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte para ilustrar o ponto. A concepção do projeto bate de frente com a nossa melhor tradição no planejamento do setor energético. Líderes como Getúlio Vargas, Lucas Nogueira Garcez e Juscelino Kubitschek sempre privilegiaram o cuidado com as bacias hidrográficas, fator desconsiderado no caso de Belo Monte que, entre outros estragos irreversíveis, irá secar a Volta Grande do Xingu na região de Altamira.

Só não dá para dizer que nunca antes na história deste país o meio ambiente foi tão agredido, porque os erros cometidos pelo regime militar, como a hidrelétrica de Balbina, também foram enormes. Apesar da importância que adquiriu a consciência ecológica, o mesmo modelo serve hoje de inspiração para a ocupação econômica da Amazônia. Nada justifica o crime ambiental e social de Belo Monte. Irá favorecer os suspeitos de sempre, bem como as mineradoras, que serão as maiores consumidoras da energia subsidiada. Ninguém pode ser contra maior aproveitamento do imenso potencial hidrelétrico da Amazônia. Mas não se pode desconhecer que existem alternativas mais econômicas e menos devastadoras para a produção de energia elétrica nas bacias amazônicas.

Engenheiros da maior competência que detêm esses conhecimentos não são ouvidos. Como não foram ouvidos, no caso de Belo Monte, os ambientalistas e as populações que serão diretamente atingidas. Lula, quando esteve em Altamira, recusou-se a recebê-los e as audiências públicas não passaram de uma farsa, contrariando a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da qual o Brasil é signatário.

Aos que se opõem à obra só resta assistir ao processo autoritário que nos empurra Belo Monte goela abaixo. Autoritarismo? Não é assim, diriam os representantes das grandes empreiteiras. Afinal, o principal instrumento institucional para a construção da usina de Belo Monte é um Decreto Legislativo do Senado (Nº 788, de 2005), quando seu presidente era Renan Calheiros.

Encontramos evidências da ideologia produtivista até mesmo nas políticas sociais. O gasto público social vem aumentando no Brasil, como em toda a América Latina, desde o início dessa década, o que é bom. Tais gastos deveriam ser avaliados pelos benefícios sociais que podem provocar. O que vemos, porém, é a ênfase dada aos impactos positivos do gasto social sobre a economia, um keynesianismo vulgar e conceitualmente equivocado, lugar comum no discurso sindicalista em épocas de dissídio coletivo.

Ora, que o maior gasto - público ou privado, social ou qualquer outro - ajuda a estimular uma economia em recessão é hoje uma banalidade. Desse ponto de vista, jogar dinheiro de um helicóptero sobre comunidades carentes teria o mesmo efeito, ou até maior, com menores custos administrativos. O argumento serviria, no máximo, para defender a expansão dos gastos correntes do governo diante das advertências dos que se preocupam com as contas públicas e com o crescente déficit nas contas externas. Não vemos um debate sério a respeito, mas a tentativa de desqualificar os que chamam a atenção para as tendências, tachados de fiscalistas e de estagnacionistas, no propósito de vender a ideia de "novo modelo de desenvolvimento".

Importante, mesmo, seria saber em que medida o maior gasto social contribuiu para melhorar a educação, a segurança, o atendimento à saúde. A candidata oficial à presidência repete como um mantra: "Nós levamos 31 milhões à classe média (sic)." Sendo assim, para quê se preocupar com as filas do SUS ou com a qualidade da escola pública? A nova classe média poderá agora comprar planinhos de saúde e matricular seus filhos na escola privada.

O líder revolucionário de 1968 tem razão, o PIB subiu à cabeça dos nossos governantes.

CLAUDIO SALM é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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