O GLOBO deu em manchete (27/7) que o Dnit foi todo loteado por partidos nos estados. Há 26 anos, no Brasil recém-redemocratizado, passei por experiência parecida como presidente do IBGE. Rememorá-la contribui para entender as dificuldades que permanecem no caminho da democratização do país.
Em maio de 1995, assumi a presidência do IBGE, por indicação do ministro do Planejamento, João Sayad. Tomei então conhecimento dos detalhes do acordo constitutivo da Aliança Democrática, formada para permitir a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney para, respectivamente, presidente e vice-presidente da Nova República. O acordo previa, entre outras coisas, o direito de nomeação dos delegados estaduais do IBGE pelos deputados pertencentes aos partidos políticos que estavam assumindo os respectivos governos estaduais.
Assustado com os prejuízos que isso poderia causar à administração do IBGE, reuni os principais executivos do órgão. Ao fim de uma reunião que se prolongou por dois dias, envolvendo contactos com as representações do IBGE em cada um dos estados da Federação, elaboramos a lista dos novos delegados estaduais do IBGE, os quais nomeei no dia seguinte, sem maiores consultas políticas.
Bastou a divulgação dos nomes dos novos delegados nos estados para que imediatamente os três líderes nacionais da Aliança Democrática telefonassem, dizendo-me que as nomeações punham em risco a redemocratização do país e que eu tinha que voltar atrás. Junto com Sayad, acordamos com os líderes políticos que as nomeações iriam ser desfeitas, mas que as indicações políticas para delegados estaduais teriam que se restringir aos funcionários do próprio IBGE. Nosso principal argumento foi que, além do primado da política, a redemocratização tinha também que se basear na meritocracia e na valorização do funcionalismo.
Ato contínuo, instruímos todos ex-indicados a conseguir apoio político local, para que pudessem voltar a ser nomeados para delegados. Seguiu-se uma longa batalha de "deputados vs. delegados", a qual ocupou boa parte dos seis meses seguintes de minha presidência no IBGE.
Ao fim da batalha, quase todos funcionários que haviam sido originalmente escolhidos para delegado foram renomeados, com apenas duas exceções, se não me falha a memória. Uma foi no Maranhão, onde familiares do presidente da República indicaram um pastor protestante para delegado estadual. Outra foi no Rio Grande do Sul, onde os próprios funcionários locais do IBGE manifestaram sua preferência pelo indicado político, um geógrafo competente, que não era então dos quadros do instituto.
Pano rápido do IBGE de ontem para o Dnit de hoje. O contexto é diferente. Lá atrás, só estava em jogo o prestígio dos políticos em fazer nomeações que podiam se contrapor ao princípio da eficiência na administração pública. Agora, ademais, há as gordas comissões das empreiteiras no meio do caminho. Não basta, pois, profissionalizar a administração superior do Dnit e assegurar que seus representantes nos Estados sejam funcionários de carreira, como ocorreu no IBGE. Isso ajuda, é claro. Mas a redemocratização do país continua capenga se também não forem implantados novos mecanismos de licitação e de administração de obras, mais eficientes e menos sujeitos à corrupção do que os atuais.
Edmar Bacha é economista e foi presidente do IBGE.
FONTE: O GLOBO
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