A tese de Constituinte revisora lançada pelo PSD como bandeira principal do novo partido é um desdobramento de propostas semelhantes que já haviam sido discutidas e abandonadas, e tem como novidades a amplitude da sua atribuição - só ficariam de fora a divisão dos poderes, o modelo federativo, o voto secreto e as garantias individuais - e a proposta de que seus membros seriam eleitos por voto em lista fechada.
O centro de todas as propostas anteriores era uma Constituinte exclusiva composta de notáveis que poderiam ser eleitos para essa tarefa determinada, por período definido, e para tal não precisariam ter experiência política nem força eleitoral. Seriam lançados pelos partidos e escolhidos pelos eleitores por seus méritos reconhecidos.
A escolha por lista fechada radicaliza essa ideia, passando aos partidos a tarefa de escolher esses notáveis, como se essa providência garantisse a qualidade dos componentes da Constituinte.
Tanto a tese idealista de que os eleitores escolheriam apenas os melhores entre os melhores quanto a de que os partidos fariam essa escolha pelos eleitores não se sustentam em nenhuma experiência empírica.
Mesmo sem essa pureza de representação, no entanto, estou convencido de que certas reformas estruturais necessárias ao país só serão aprovadas em uma Constituinte convocada com essa função específica.
A Constituinte exclusiva para a reforma política não é uma ideia nova e já chegou a ser lançada tempos atrás pelo próprio PT, através do então presidente Lula, e com o apoio da OAB.
Sempre pareceu a muitos - a mim inclusive - ser uma saída para a efetivação de uma reforma que, de outra forma, jamais sairá de um Congresso em que o consenso é impossível para atender a todos os interesses instalados.
O deputado Miro Teixeira defende de há muito a tese de que a Constituinte poderia, além da reforma política, tratar de dois assuntos polêmicos: pacto federativo e reforma tributária.
A convocação de uma Constituinte restrita, ou um Congresso revisor restrito, para tratar da reforma política, segundo Miro daria oportunidade de tratar de forma mais aprofundada esses temas, com discussões estruturais que se interligariam, com a redistribuição das atribuições e verbas entre os entes federativos, temas que, aliás, estão na ordem do dia com a disputa pela distribuição dos royalties do petróleo.
O fato é que assuntos como o recall - quando um parlamentar eleito pode ser destituído pelos eleitores -, ou restrições à imunidade parlamentar ou reformas no sistema previdenciário só passariam numa Constituinte exclusiva e originária, já que o poder constituinte derivado, quando o Congresso se transforma em Constituinte, fica limitado pelo próprio interesse dos parlamentares.
Mas toda essa teoria fica ameaçada pelas experiências anteriores na América Latina, onde vários governos autoritários utilizaram o expediente da Constituinte para aumentar o poder do Executivo, como aconteceu na Venezuela de Chávez, na Bolívia de Evo Morales, no Equador de Correa.
Tem sido politicamente inviável tentar levar adiante a proposta devido ao uso distorcido das constituintes em países da região, que acabaram transformadas em instrumentos para aumentar o poder dos governantes de países como a Bolívia ou Equador, seguindo os passos da "revolução bolivariana" de Chávez.
A base teórica da manipulação dos referendos e do próprio instrumento da Constituinte para dar mais poderes aos presidentes da ocasião é o livro "Poder Constituinte - Ensaio sobre as alternativas da modernidade", do cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.
Essa influência foi admitida pelo próprio Chávez em um de seus programas radiofônicos ainda em 2006, quando ele anunciou que estava entre eles "um filósofo, escritor e ativista italiano, Toni Negri. (?) Por aqui temos seguido suas teses, Toni Negri: O poder constituinte".
O filósofo italiano diz que "o medo despertado pela multidão" faz com que o poder constituído queira impedir sua manifestação através da Constituinte: "A fera deve ser dominada, domesticada ou destruída, superada ou sublimada".
Antonio Negri considera que o "poder constituído" procura tolher o "poder constituinte", limitando-o no tempo e no espaço, enquanto o dilui através das "representações" dos poderes do Estado.
Em uma definição mais popular, Evo Morales diz que se trata de uma nova maneira de governar através do povo. Defendem, na prática, a "democracia direta", o fim das intermediações do Congresso, próprias dos sistemas democráticos.
A proposta do PSD, portanto, encontrará grande resistência por parte da maioria do Congresso, embora sua origem - um partido que não é de centro, nem de direita, nem de esquerda - seja menos suspeita do que quando a proposta vem do PT.
Não parece lógico que um partido fundado pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab e cuja maioria saiu dos quadros do DEM esteja maquinando algum golpe autoritário contra a democracia.
Mas como a nova legenda já nasce como aliada do governo haverá dificuldade de costurar um acordo político que torne inviável qualquer tentativa de golpear as instituições democráticas através da Constituinte.
Será preciso haver um amplo pacto político que delimite os alcances das mudanças que vierem a ser feitas. Uma delicada negociação política que o governo Dilma tem condições de levar adiante pelo clima de distensão que vem imperando nas relações entre governo e oposição.
Mas como quem está por trás do projeto petista é o ex-presidente Lula, não creio que haverá clima político de confiança para um acordo desse tipo.
FONTE: O GLOBO
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