Há poucos meses era algo que apenas se entrevia. Agora, já não há mais espaço para dúvida. Está havendo uma guinada muito clara na política econômica do governo. Mudaram os objetivos, o discurso e o estilo da condução da política econômica. E, à medida que a percepção da mudança se dissemina, o próprio debate econômico vem tomando outra forma. Ideias equivocadas, que pareciam afastadas para sempre do cerne do debate econômico nacional, voltaram a ter livre curso na mídia, brandidas com deprimente convicção. Em certos círculos, há até um clima de comemoração, quase de euforia, com o que vem sendo saudado como o abandono definitivo da forma de conduzir a política econômica que prevaleceu no país nos últimos 18 anos.
É uma guinada que vem sendo ensaiada desde 2005 e que, em boa medida, teve início efetivo na segunda parte do último mandato do presidente Lula. A diferença é que, até há pouco tempo, o governo tentava dissimular as mudanças e evitar quebras muito ostensivas de regras do jogo ou movimentos excessivamente bruscos na condução da política econômica. Parece já não haver essa preocupação. Mais uma vez, como em 2008-09, a crise mundial está sendo usada como pretexto. A ideia é que, com as economias centrais engolfadas em dificuldades, o País precisa se precaver. E, nessas condições, vale tudo: passa a não existir pecado em nenhum dos dois lados do Equador.
A deterioração do ambiente externo, por mais preocupante que seja, não é justificativa para improvisação, casuismo e arbitrariedade. Muito pelo contrário. É exatamente quando o quadro fica mais adverso e as possibilidades se estreitam, que a manutenção de uma política econômica coerente, crível e previsível se torna mais necessária. Convencido de que havia alta probabilidade de que o país se defrontasse, até o fim do ano, com rápida deterioração do quadro econômico na Europa, o desafio que o Banco Central tinha pela frente era fazer a correção devida na política monetária, mantendo ancoradas as expectativas inflacionárias e preservando a credibilidade da política de metas para inflação. Isso teria exigido correção de rumo mais cuidadosa. Certamente mais suave do que a que, afinal, se viu.
O movimento brusco, ao arrepio de regras básicas de condução da política de metas, teve custo gigantesco em termos de perda de credibilidade e deixou as expectativas inflacionárias completamente desancoradas. O que se espera agora é que a inflação convirja para a meta apenas em 2013. Há pela frente, portanto, um período longo durante o qual reajustes de preços e salários estarão pautados por expectativas de inflação preocupantemente altas. O que deve dificultar ainda mais a lenta convergência da inflação à meta.
Tendo feito aposta tão pesada na deterioração do quadro econômico mundial, o Banco Central, coadjuvado pela Fazenda, se vê agora obrigado a reiterar a cada dia a extensão de sua preocupação com a situação externa. Em contraste com 2008, quando prometeu que tudo não passaria de simples marolinha, o governo se vê compelido a fazer alertas diários sobre a possibilidade de um maremoto. Sobrevenha ou não o quadro externo catastrófico, o certo é que o discurso catastrofista do governo vem tendo um efeito antecipado avassalador sobre decisões de investimento. O que talvez venha a ser visto como uma forma criativa, ainda que não intencional, de contenção da demanda agregada.
É curioso que, não obstante todo o propalado pessimismo do governo com a deterioração do quadro externo, a Fazenda e o Banco Central não conseguiram esconder sua surpresa com a rápida depreciação da taxa de câmbio observada nas últimas semanas. E até hoje recusam-se a reconhecer que esse movimento desestabilizador do câmbio pode ter sido, em boa parte, simples decorrência de efeito colateral da imposição de IOF sobre derivativos. A medida já não faz mais sentido, se é que chegou a fazer. Mas, tendo improvisado, o governo não quer dar o braço a torcer. O pior da improvisação é a ocultação dos seus custos.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
FONTE: O GLOBO
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