quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Deus e o diabo na terra dos azuis e vermelhos:: Cristian Klein

Há várias cidades que se denominam a "Suíça brasileira": Campos do Jordão, em São Paulo; Nova Friburgo, no Rio de Janeiro; Monte Verde, em Minas Gerais; e um pequeno município no interior de Pernambuco, a 80km da capital Recife.

Como todas, Gravatá é conhecida pela existência de chalés e o clima ameno - atípico para a região Nordeste.

Mas no documentário "Porta a Porta - A Política em Dois Tempos", a cidade aparece mais como o grotão exemplar das práticas políticas brasileiras do que o povoado frio e republicano de um cantão suíço.

No filme, o diretor estreante Marcelo Brennand - parente distante do artista plástico de mesmo sobrenome - faz um dos registros mais interessantes sobre as eleições no Brasil. Foi lançado nos cinemas do eixo Rio-SP e chega a Recife, em janeiro.

Parece um cruzamento do já clássico "Entreatos", no qual João Moreira Salles registra os bastidores da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, com os personagens pitorescos da Sucupira do prefeito Odorico Paraguaçu, em "O Bem Amado".

Em Gravatá, nas eleições municipais de 2008, não há partidos. A cidade está dividida em duas facções: os "azuis" e os "vermelhos". São as cores que vestem uma militância paga e que, conforme o dia da votação se aproxima, tem um comportamento cada vez mais beligerante. Ao se encontrarem nas ruas, as hordas quase chegam às vias de fato.

Os candidatos a vereador apostam na grife de nomes populares: Doca da Cavalhada, Regis da Compesa, Neto da Banca, Gustavo da Serraria, Paulo Doido. Nenhum rasga dinheiro. Mas quase todos os 102 concorrentes são capazes de se endividar - em até R$ 9 mil, mesmo ganhando menos de R$ 500 por mês - para conquistar uma das dez vagas na Câmara.

Entrar na política é visto como um investimento de alto retorno. Ganhar um salário de R$ 5 mil e ainda ter gente para empregar no gabinete é sinônimo de ascensão social meteórica. Apesar do sonho de ser Suíça, Gravatá é marcada pela pobreza, pelo abandono dos bairros sem saneamento básico e sem acesso à saúde. Dipirona é o nome do hospital mais próximo, ironiza o discurso da oposição.

O documentário acompanha o dia a dia da campanha de um dos candidatos a vereador. É o jovem Fernando Resende (PSB), bem articulado, que apoia o candidato a prefeito da oposição, Bruno Martiniano (PTB). São "vermelhos". Do outro lado, está o grupo do prefeito tucano Joaquim Neto, que tenta eleger seu sucessor, Ozano Brito. Eles lideram os "azuis" e uma máquina administrativa que dispõe de 1,2 mil cargos de livre nomeação e é a principal empregadora da cidade.

Em Gravatá, como diz o diretor, há as pessoas que querem entrar na prefeitura e as que querem continuar nela. Essa disputa por empregos moveria e explicaria, em parte, o envolvimento tão passional e de tantas pessoas durante o período eleitoral. É quando são feitas as promessas de cargos ou de ajuda com as necessidades mais urgentes, como a troca da porta da frente de casa - pedido que Fernando, pacientemente, explica à moradora não poder atender, sob pena de ser preso.

Num lugar sem retransmissora, onde não há propaganda no rádio e TV, os candidatos saem à caça dos eleitores com seu séquito pedindo voto, de casa em casa. Daí o título do filme: "Porta a Porta". Fernando Resende conta que a peregrinação tornou-se ainda mais importante. É a primeira eleição desde que a legislação proibiu os showmícios. Eis o resultado: com menos de 80 mil habitantes, Gravatá se vê com mais de 5 mil pessoas contratadas pelos candidatos - nada menos que 10% de seu eleitorado.

A estrutura de Fernando revela a hierarquia já necessária para subir o primeiro degrau da escada política. Na base, está a hoste de militantes que visitam os eleitores. São os soldados rasos. Encaram as eleições como um período de boa safra. A empregada doméstica ou o vendedor de picolé, que faturam R$ 45 por semana, passam a ganhar R$ 70.

Acima deles estão os cabos eleitorais. Estes querem mais. Veem na política uma oportunidade de emprego fixo, mais bem remunerado, na prefeitura ou no gabinete do vereador - ou preparam um projeto de candidatura própria.

A riqueza de personagens e interesses diferentes envolvidos na campanha de Fernando faz com que o diretor mude o foco. Novas figuras ganham destaque. É o caso de Testinha, o cabo eleitoral que vive um dilema. Não quer apoiar o candidato a prefeito do vereador e prefere fazer sua própria aliança. Suspeito de traidor, é alvo inicialmente de brincadeiras, até que, por fim, sofre ameaças, quando anuncia seu apoio aos "azuis", às vésperas da eleição. Para as câmeras, Testinha revela: recebeu uma proposta do grupo do prefeito. Terá um emprego e a ajuda para melhorar sua casa. "Não dá pra levar mais de quatro anos para reformar uma casa de 40 metros quadrados", justifica-se. Um ano depois, a produção volta a Gravatá para reencontrar seus personagens. Testinha não está arrependido. Por muito, muito pouco.

A diferença na eleição foi de apenas 90 votos - 20.969 (49,69%) a 20.879 (49,48%).

"Porta a Porta" aponta suas lentes para os interesses, mas também para as convicções. Nem tudo é dinheiro. No microcosmo de Gravatá também se observam as afinidades e um sistema de lealdades que fez o alemão Carl Schmitt definir a política como o reino da dicotomia amigo versus inimigo. Um cabo eleitoral diz que pagaria até R$ 500 mil para derrotar o prefeito, tamanho seu ódio. O trabalho, supostamente despolitizado da turba de militantes, vira paixão. Até se revestir de conotação moral e religiosa. Os vermelhos são os maus. Os azuis são os bons.

A culpa da "revolução" por que passa a cidade, diz um habitante, é dos partidos. "Partidos", em sua visão, são as forças nacionais maiores, que replicam a polarização em Gravatá. Os tucanos Aécio Neves e Sérgio Guerra sobem no palanque azul. O ex-ministro da Saúde e agora senador, Humberto Costa (PT), propaga o orgulho de ser vermelho no comício da oposição.

O morador, que se recusa a tomar um lado, lembra que Lula era taxado de comunista e virou o presidente, aliado de muitos. "O azul é do céu, é de Deus. O vermelho é do diabo. Mas também do sangue de Jesus...", pondera, nem tão indeciso assim.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Um comentário:

MUDE disse...

Gilvan,
Meus parabéns!!! Esse artigo de Valor Econômico ajuda em muito na pré-campanha para Vereador no Rio de Janeiro.
Um abraço
Vagner Gomes
Dirigente Municipal do PPS-RJ