quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Imprensa argentina em estado de alerta

Após intervenção em operadora de TV a cabo, Senado vota hoje projeto que controla papel-jornal no país

Janaína Figueiredo

BUENOS AIRES. Os meios de comunicação privados da Argentina estão em estado de alerta, em meio a uma das mais duras ofensivas do governo Cristina Kirchner contra empresas do setor. Depois de um juiz da província de Mendoza ter ordenado, em Buenos Aires, a intervenção na Cablevisión, a companhia de TV a cabo do Grupo Clarín, e a anulação de sua fusão com a Multicanal - aprovada pelo próprio presidente Néstor Kirchner em 2007 - hoje o Senado deverá transformar em lei o projeto que declara de "interesse público o papel-jornal". Paralelamente, a Secretaria de Direitos Humanos pediu à Justiça a convocação para depoimento de Ernestina Herrera de Noble no caso sobre um suposto acordo entre a dona do Clarín e os militares para ficar com a empresa Papel Prensa, comprada em 1977.

A tensão entre empresários e jornalistas aumentou nos últimos dias por conta dos fortes rumores de uma possível ofensiva tributária da Casa Rosada contra jornais. Segundo informações extraoficiais, organismos tributários exigiriam o pagamento de dívidas milionárias, criando uma situação financeira delicadíssima para as empresas.

Ontem, a Cablevisión denunciou o juiz Walter Bento de Mendoza por irregularidades no procedimento de terça-feira passada. A empresa apelará da ordem de intervenção, e o caso, como outros que envolvem o Grupo Clarín, provavelmente chegará à Suprema Corte de Justiça. O tribunal também tem em seu poder a decisão final sobre o polêmico Artigo 161 da Lei de Serviços Audiovisuais, que, se for aplicado, obrigaria o Clarín e outros grupos do país a venderem dezenas de licenças de rádio e TV para adequar-se às novas regras. A lei aprovada em 2009 pelo Congresso reduz de 22 para 10 o número máximo de concessões permitidas por empresa.

- Estamos vivendo a "chavização" da Argentina - disse um jornalista de um dos meios de comunicação mais atacados pelo governo.

A Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (Adepa, na sigla em espanhol) divulgou um comunicado manifestando sua profunda preocupação pela atitude do governo Kirchner. O envio da Gendarmería Nacional (força policial que depende do Ministério de Segurança) à sede da Cablevisión foi considerada inadmissível pela Adepa e, no Brasil, pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). "Nos preocupa a metodologia utilizada", disse a associação argentina. Já a ANJ repudiou "com veemência a ocupação da TV a cabo Cablevisión pela polícia argentina, numa ação injustificada, marcada pela truculência, em mais uma iniciativa do processo intimidatório do governo daquele país contra os meios de comunicação independentes".

Embora enfraquecida pela perda de cadeiras no Congresso e pelo desastroso resultado obtido por seus candidatos nas eleições presidenciais de outubro passado, ontem a oposição argentina se uniu para criticar com dureza a política de comunicação do governo Kirchner.

- Estas iniciativas afetam todos os meios de comunicação que não seguem o discurso oficial - assegurou o deputado peronista dissidente Francisco De Narváez, o único que conseguiu derrotar o ex-presidente Néstor Kirchner nas urnas, nas eleições legislativas de meados de 2009.

Governo pode elevar alíquota de importação de papel

Além de político, De Narváez é um empresário milionário que controla, entre outras companhias, o jornal "El Cronista", um dos que poderiam ser afetados pela aprovação da lei sobre o papel. Com esta lei em suas mãos, a Casa Rosada poderá, por exemplo, aumentar a alíquota de importação do papel usado pelos jornais, zerada desde 1985. A Argentina consome 230 mil toneladas/ano de papel e produz apenas 170 mil. No caso do "El Cronista", quase 100% do papel usado pelo jornal são importados.

Segundo deputados da oposição e empresários do setor, a nova lei também abrirá o caminho para uma eventual expropriação da Papel Prensa, que pertence aos jornais "Clarín", "La Nación" e ao Estado. O texto que será votado pelos senadores dá total poder ao Ministério da Economia, que poderá, entre outras coisas, determinar quanto dinheiro a empresa deverá investir para garantir o abastecimento do mercado interno. Se a companhia argumentar que não tem condições de financiar o montante fixado pelo governo, o Estado poderá assumir essa tarefa, mas, em contrapartida, aumentará, sem limites, sua participação acionária.

- Se querem expropriar a Papel Prensa, porque não são sinceros e discutimos uma lei sobre isso? - questionou a deputada Margarita Stolbizer, da Frente Ampla Progressista (FAP).

FONTE: O GLOBO

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