Canais estão abandonados e nordestinos, sem trabalho no São Francisco
Eduardo Bresciani
Maior obra do Programa de Aceleracão do Crescimento no Nordeste, a transposição do Rio São Francisco tem hoje, seis anos após seu início, canais de concreto estourados, valas a céu aberto e raros canteiros em atividade. Além da seca que castigou a região nos últimos três anos, a paralisia mina ainda a esperança dos sertanejos sobre a geração de empregos.
Durante cinco dias o Estado percorreu quase a totalidade dos 477 km da obra nos dois eixos que pretendem levar água a áreas sem irrigação o leste e o norte, que passam por Pernambuco, Ceará e Paraíba.
Visitar a obra, cuja execução está em 43% segundo o governo federal, passa a sensação de que o prazo para a conclusão, dezembro de 2015, deve ser novamente prorrogado.
O volume de investimentos registra queda expressiva no governo Dilma Rousseff, Nos dois primeiros anos de mandato, 2011 e 2012, o Ministério da Integração Nacional investiu 35% a menos na obra na comparação com o que foi pago em 2009 e 2010, segundo dados do sistema de execução orçamentário federal. Os valores estão corrigidos pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor.
O volume de pagamentos relativos à obra nos quatro primeiros meses de 2013 registram ainda outra queda, de 35%, em relação ao ano passado. A obra de transposição teve o orçamento aumentado de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões. Até agora foram pagos RS 3,6 bilhões.
O ritmo lento da obra tem reflexo na geração de emprego, uma das principais propagandas do governo em defesa da transposição, O empreendimento chegou a ter 9 mil funcionários, caiu para 3 mil em 2011 e agora são 4,9 mil. Entre essas idas e vindas de empresas ficou o histórico de demissões e insegurança entre os habitantes da região.
Morador do assentamento Serra Negra, em Floresta (PE), Luiz Henrique da Silva, de 47 anos, trabalhou na obra por quatro meses. Com a paralisação, voltou à roça diante da falta de oportunidades. “Não há segurança”, diz.
Gilberlândio Bezerra Resende, de 25 anos, morador de Custódia (PE), trabalha pela terceira vez no mesmo trecho da obra, no lote 10. Na última paralisação foi para o Rio de Janeiro atrás de emprego, mas voltou há três meses. “A obra toda vez começa e para. Tomara que não pare mais daqui pra frente para ter mais emprego para nós”, afirma.
Entre os vizinhos do canal há ainda relatos sobre o não pagamento por serviços prestados a empresas terceirizadas. Pedro dos Santos Landim Neto, de 22 anos, morador de Cabrobó (PE), conta ter atuado como vigia para uma dessas sub-contratadas. Como era diarista, não teve a carteira assinada e afirma ter ainda dois meses de salário a receber.
Os questionamentos sobre o andamento da obra de transposição podem colocar em jogo o prestígio da presidente em uma região na qual teve votação expressiva em 2010. Em cinco cidades de Pernambuco pelas quais passa a obra, Dilma obteve porcentuais de votação entre 78% e 89% em 2010. A petista tentará reeleição no ano que vem.
O governo federal promete que o ritmo da transposição será acelerado. Segundo o Ministério da Integração, responsável pelo empreendimento, o prazo de entrega, previsto para 2015, será cumprido porque todos os contratos serão assinados até junho deste ano e terão duração máxima de 30 meses.
A paralisia afeta hoje a maior parte dos 16 lotes nos quais o empreendimento foi dividido. No eixo leste não há qualquer atividade no primeiro lote entregue à iniciativa privada, em Floresta (PE), o que levanta dúvidas se a água chegará até o fim do canal, em Monteiro (PB). No eixo norte, as obras estão em andamento no começo do canal, em Cabrobó (PE) e Salgueiro (PE), mas no Ceará a paralisia afeta desde a primeira cidade, Penaforte (CE). Apenas em túneis nas cidades de Jati (CE) e Mauriti (CE) há homens trabalhando. Nesse trecho, a intenção é levar água até Cajazeiras (PB).
Em vários lugares da transposição houve o desmatamento, a explosão dos canais e algumas escavações, mas o trabalho parou e não há sinal de movimentação de máquinas. Grandes obras de engenharia como barragens e aquedutos estão longe de sua conclusão. A pasta da Integração diz que estão previstos 12 aquedutos, mas só quatro estão concluídos. Não há nenhuma estação de bombeamento pronta.
Há ainda trechos em que o trabalho realizado terá de ser feito novamente. Em Seitânia (PE), no lote 11, há um trecho de aproximadamente um km em que os canais de concreto estouraram, a vegetação retomou seu espaço em meio ao canal e manitas impermeabilizantes foram coitadas. Moradores afirmam que a obra está abandonada há três anos e lamentam a baixa qualidade do serviço feito. “Agora está tudo assim quebrado e vai ter que fazer tudo de novo”, diz Damião Serafim dos Santos, 59 anos, morador do sítio Brado Novo, nas proximidades do canal
No trecho que esteve sob responsabilidade da empreiteira “inidônea” Delta, o lote 6, em Mauriti (CE), a situação se repete com trechos de canais estourados nos primeiros quilômetros da obra, O Estado já tinha constatado situação semelhante cm Custódia (PE) em 2011, trecho que foi refeito no lote, que teve as obras retomadas, mas com poucos funcionários.
Moradores relatam ainda existirem pendências em fases que deveriam, ser anteriores à obra, como o acordo para indenizações. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabrobó (PE), Antônio de Mestor, afirma que uma mobilização de 2 mil agricultores estava preparada para ocorrer nos próximos dias com uma invasão do canteiro de obras do lote 1, que fica na cidade. Os pequenos produtores cobram indenizações e ressarcimentos por danos a residências, além dos assentados que desejam ter os mesmos benefícios dados aos proprietários. A manifestação foi suspensa porque a negociação foi retomada com o ministério. No assentamento Serra Negra, em Floresta (PE), até hoje não foi resolvida a questão de três casas e um posto de saúde que ficam na rota do canal, como o Estado revelou em 2011. As obras estão paralisadas na região.
Com o acúmulo de problemas, moradores das margens do canal culpam a presidente pela paralisação. “Tem que cutucar a Dilma, com ela tudo aqui parou, com o Lula estava andando”, diz Adauto Joaquim de Araújo, 69 anos, morador de Roça Velha, Floresta (PE),
“Queria ter condição de falar com a presidente Dilma sobre os problemas que estamos passando, Não veio emprego, só prejuízo”, resume Rosalina Maria dos Santos, 48 anos, moradora de Curralinho, em Cabrobó (PE), “Quando chegou o movimento pensei que a obra ia sair rápido, mas parece que desistiram”, constata Antônio Alves Neto, 50 anos, de Mauriti (CE).
Fonte: O Estado de S. Paulo
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