O governo terá dificuldade em implementar as medidas anunciadas em resposta às manifestações populares. Não há consenso nem mesmo sobre o plebiscito para a reforma política, principal bandeira do Planalto.
Voz das ruas presa na burocracia dos políticos
Os manifestantes que ocupam as ruas do país vão ter dificuldades para desembrulhar o pacote de bondades anunciado pela presidente Dilma Rousseff e pelo Congresso Nacional. Na visão de especialistas, as medidas já votadas pelos deputados e senadores ou prometidas por eles e pelo governo federal não resolvem plenamente os problemas apontados pelos protestos. Em alguns casos, as demandas ainda não tiveram sequer solução prevista.
As propostas para fazer a reforma política — tema agora classificado como "imprescindível e urgente" por políticos e pelo governo federal — não encontram consenso nem mesmo na base governista. Na reunião com a presidente ontem, líderes de partidos aliados toparam o plebiscito, mas se alguns se mostraram desacreditados com a proposta. Se sair mesmo do papel, a previsão de integrantes do Judiciário é de um processo demorado e caro para os cofres públicos.
As iniciativas que começam a se tornar realidade não apontam soluções claras. Ao ouvir os gritos pelo fim da corrupção, os senadores resolveram tirar da gaveta e aprovar um projeto que transforma a corrupção ativa e passiva em crime hediondo, o que dobra a pena mínima atual (dois anos) e dificulta a concessão de benefícios, como a liberdade mediante fiança. Para especialistas, a medida, que segue para análise na Câmara, não significa o fim da corrupção.
"A majoração de pena não tem relação direta com a diminuição do crime. Existem vários estudos que mostram isso. Não quero dizer que não precisamos de uma revisão da legislação penal, mas corrupção se combate com transparência, abertura de canais com a população e reforma política", defende o juiz Márlon Reis, um dos diretores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes também faz ponderações. "Temos um sistema penal e uma Justiça Criminal altamente falhos e lentos, que permitem que muitos escapem pela prescrição", disse.
Na Câmara dos Deputados, uma das medidas da agenda positiva já colocadas em prática foi a análise do fim do voto secreto em cassações em uma das comissões da Casa. Para o analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, a decisão "responde parcialmente" aos anseios da população. "O titular do poder é o eleitor, que delega aos eleitos que votem em seu nome. O eleitor tem que saber como essa pessoa se posiciona no exercício da função em todas as votações, inclusive de vetos presidenciais."
Na saúde, Dilma anunciou a contratação de médicos estrangeiros e a abertura de vagas em cursos de medicina. Para a professora de saúde pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro Lígia Bahia, a presidente deu a resposta ao público errado. "Ela deve estar com problema de audição. A contratação de médicos é para cidades do interior. Não resolve o que os cartazes dos grandes centros pedem: "Hospitais padrão Fifa". Solução para a saúde é investimento no Serviço Único de Saúde (SUS) e valorização política dele", defende.
Agenda política
O analista político do Diap, Antônio Augusto Queiroz, diz que a agenda positiva mostra que "as instituições estavam sendo lenientes nas suas funções". "É positiva essa reação e é uma questão de sobrevivência, já que tem eleições no ano que vem", avalia Queiroz. Para Márlon Reis, é preciso abrir canais a fim de que as demandas da população não se acumulem. "Os Três Poderes foram surpreendidos pela necessidade de ouvir amplos setores da sociedade que não têm canais para falar sobre suas demandas. Com esse acúmulo, houve a pressão popular. Devem ser criados mais mecanismos para que as pessoas consigam veicular sua voz."
No Judiciário, o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Joaquim Barbosa, decidiu enviar ofícios a todos os tribunais estaduais e federais para que cumpram a meta de julgar até o fim do ano um total de 121,8 mil processos ingressados na Justiça antes de 2011 relacionados à improbidade administrativa e crimes contra a administração pública. Por enquanto, só 36% dos casos foram julgados. Ele classificou de "pífios" os índices obtidos, até agora, pelos tribunais.
Confira quais são os entraves do pacote de reivindicações, promessas de medidas e projetos aprovados como respostas às manifestações
Plebiscito
São grandes as divergências no Congresso a respeito da ideia de se fazer um referendo ou um plebiscito sobre a reforma política. A proposta também encontra resistência no Judiciário
Contratação de médicos estrangeiros
O anúncio feito pela presidente Dilma de contratação de "milhares" de médicos estrangeiros gerou críticas de entidades de saúde. O Ministério da Saúde anunciou que o edital de chamamento para médicos trabalharem na periferia e no interior do país deve sair ainda este ano
100% dos royalties do petróleo para a educação
Aproveitando os protestos, Dilma Rousseff pressionou o Congresso a aprovar a destinação de 100% dos royalties para a educação. A Câmara, no entanto, aprovou 75% para a educação e 25% para a saúde. O projeto ainda será votado no Senado
Inflação
O primeiro pacto proposto pela presidente é o da responsabilidade fiscal, "para garantir a estabilidade e o controle da inflação". Não foi dito como isso vai ser feito
Mobilidade
Dilma prometeu R$ 50 bilhões em recursos novos para investimentos em transporte público. Parte do dinheiro, no entanto, já foi prometida antes. Além disso, a liberação pode ser incompatível com a responsabilidade fiscal e o esforço para controlar a inflação
Meta 18
O presidente do STF e do CNJ, Joaquim Barbosa, disse que vai enviar ofício a todos os tribunais estaduais e federais cobrando o julgamento, até o fim do ano, de 121 mil processos de improbidade e crimes contra a administração pública. No meio jurídico, muitos acreditam que a meta não será cumprida
Voto aberto
O projeto que está na fila para ser aprovado acaba com o voto secreto apenas nos casos de cassação, ponto mais consensual entre os parlamentares. Eles se recusaram, por exemplo, a acabar com o sigilo nos casos de apreciação de veto presidencial. Na prática, continua havendo voto secreto no parlamento
Corrupção como crime hediondo
Estudos mostram que a transformação da corrupção em crime hediondo pode não significar a redução da corrupção. Além disso, o projeto aprovado no Senado deixa de fora do rol de hediondos crimes como lavagem de dinheiro, fraude em licitação e evasão de divisas
Proposta de passe livre para estudantes
Tramita no Senado projeto em regime de urgência que assegura gratuidade no transporte público para estudantes de instituições públicas e privadas. O texto é de autoria do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a ideia é votá-lo antes do recesso de julho. Em relação à pauta da tarifa zero no transporte público, defendida nos protestos, Dilma já descartou a possibilidade
Redução de ministérios
Medida defendida após o início dos protestos, encontrará resistência no Palácio do Planalto. Hoje, existem 39 pastas. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, ironizou a proposta e sugeriu que os governos estaduais comecem cortando as secretarias
Cura gay
Embora os parlamentares prometam derrubar em plenário o projeto conhecido como Cura gay, a proposta não resolve a principal bandeira dos movimentos em defesa dos direitos humanos, que é a retirada do pastor Marco Feliciano do posto de presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Fonte: Correio Braziliense
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