Carolina Haddad assistia às cenas do ataque à prefeitura pela TV quando chegaram os primeiros manifestantes à porta do prédio onde mora a família no Paraíso, bairro de classe média na zona sul de São Paulo.
Aos 13 anos, a filha do prefeito de São Paulo tinha uma dúvida simples. "Vão fazer no prédio aquilo que estão fazendo na prefeitura?". Enquanto falava ao telefone, Fernando Haddad continha Carolina: "Estou resolvendo um probleminha, minha filha." Do outro lado da linha estava o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Duas horas antes, os manifestantes do Passe Livre, tendo se dado conta de que não mais controlavam o protesto, haviam abandonado a Praça do Patriarca, onde fica a sede da prefeitura. A polícia, a despeito de a sede da Secretaria de Segurança Pública ficar a 100 metros dali, atuava sem reforços e agia como se assistisse a um filme de violência. Nenhum campeão mundial de jiu-jitsu resiste a quatro policiais que se disponham a imobilizá-lo.
Classe média que aderiu a protestos há de apoiar corredores
O prefeito tem dito que a maioria tem compromisso com a democracia, mas faz tempo que não assiste a grupos de extrema direita tão à vontade nas ruas. Ouviu e anotou as impressões de Gilberto Gil: "Sinto o bafo do monstro que me levou ao exílio".
O Edifício Matarazzo, abrigo do prefeito, ainda exibe as marcas da guerra. As janelas, com as vidraças quebradas, estão fechadas por tapumes. Grafitado, um "+ educação" em vermelho resiste ao ácido muriático. Em "Guanabara", mulher nua esculpida por João Batista Ferri à entrada da prefeitura, letras azuis ainda lhe adornam o umbigo. Sob o sereno e a garoa, a deslocada escultura agora parece rimar com o entorno.
No térreo do prédio em frente, ocupado pelos que vagavam sem-teto, tapumes cobrem os vestígios da agência bancária, incendiada. Ao lado, na entrada futurista da estação Anhangabaú do metrô projetada por Paulo Mendes da Rocha, o ácido só apagou o "37" da PEC.
Até as copeiras da prefeitura parecem concordar que o governo estadual perdeu o controle de sua polícia, mas Haddad resistiu à pressão do seu partido para radicalizar na crítica a Alckmin. O prefeito costuma dizer que, desde a posse, foi mais vezes ao Palácio dos Bandeirantes do que à casa de sua mãe. Numa delas, arrancou do governador o compromisso de que segurariam juntos o reajuste da tarifa do transporte público para atender ao Planalto. À lógica de prefeito e governador que buscam sintonia por razões de Estado sobrepõem-se pressões que só enxergam a briga sem fim entre PT e PSDB.
Alguns petistas que foram à prefeitura naqueles dias pressionar por recuo não deixaram boa impressão. Pareciam ver num prefeito acuado interlocutor mais fácil com quem se pode negociar a vasta gama de interesses espalhados pelas 32 subprefeituras da cidade.
No dia em que governador e prefeito anunciaram juntos a tarifa de volta aos R$ 3, Haddad se dirigiu à sede da prefeitura ainda sem convicção sobre a decisão. Hesitava em cortar investimentos com os quais havia se comprometido na campanha eleitoral. Antes de sair, falou com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que lhe reportara informações sobre infiltrados do Comando Vermelho nas manifestações.
Com a rendição do Rio, as pressões sobre São Paulo seriam redobradas. Já no Bandeirantes, depois de um telefonema de Mantega, tomaram a decisão do anúncio. Como estavam na casa do governador, ele falaria primeiro. Sem esconder a contrariedade pelo que teria que dizer, Haddad viria depois. Já ia encerrar o pronunciamento quando alguém lhe lembrou que ainda não havia anunciado a redução da tarifa.
Gente do PT e do Planalto acha que o prefeito demorou demais a recuar. Das conversas com muitos dos petistas naqueles dias saía-se com a impressão de que o lugar de Haddad era à frente do pelotão conclamando a massa à revolução.
O prefeito sempre disse que a tarifa não era a única motivação do movimento. A opinião é compartilhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Haddad encontrou-se com Lula naquela semana, o que não chegou a ser fato extraordinário. O prefeito participa do restrito grupo de economistas, sociólogos e filósofos com quem o ex-presidente almoça a cada 15 dias para trocar impressões sobre a conjuntura.
Quem participa desse grupo não duvida que tem dedo de Lula no convite feito pela presidente Dilma Rousseff a governadores, prefeitos, estudantes, sindicalistas, ministro Joaquim Barbosa, líderes do governo e dos partidos de oposição.
Ao prefeito não interessa esticar a corda com o governo federal. Não tem alimentado o discurso da Federação de pires na mão. Desde a véspera do recuo na tarifa, quando Dilma veio a São Paulo encontrar-se com Lula e Haddad, o prefeito passou a acreditar que o PAC para obras de mobilidade da prefeitura vai sair. Foi a partir daí também que a presidente mandou estudar a Cide sobre gasolina para pingar um dinheiro a mais no transporte público.
A grana veio de onde não esperava. Foi com um telegrama do governo do Estado que arrumou dinheiro para cobrir a tarifa de R$ 3.
As olheiras saltavam aos olhos, mas ao longo dos sete dias que abalaram São Paulo, o prefeito não deu demonstrações de descontrole. As previsões de que se desgastaria precocemente junto ao eleitorado não pareciam atingi-lo. Passou a dizer que se a opinião publicada o pautasse não teria, em 20 dias, saído de um patamar de 15% nas pesquisas para ganhar a prefeitura
Do azedume da crise, prepara uma limonada para a classe média que engrossou as manifestações. Não se esperem aventuras tributárias para financiar o ônibus mais barato. A taxa de lixo de Marta Suplicy vacinou a todos.
A decisão das duas últimas administrações de não ampliar os corredores de ônibus foi respalda por parte da classe média que agora foi às ruas para reclamar de tudo, até da tarifa.
As ruas fazem crer que o problema da mobilidade é urgente. Assim, os donos de carro não deverão se importar em abrir mão de uma faixa no asfalto para aumentar a velocidade média do ônibus, hoje em 12 quilômetros por hora. Quando a moçada voltar de férias há de espalhar seus cartazes dentro de casa.
Fonte: Valor Econômico
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