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É lamentável que PT e PMDB se unam para reproduzir práticas que, se não são iguais, assemelham-se aos casuísmos de que foram vítimas
É curioso que um governo hoje subitamente interessado em aperfeiçoar o sistema político tenha se empenhado até anteontem em aprovar um projeto de lei (PL nº 4.470/2012) que poderá piorá-lo. Já aprovado na Câmara, o projeto aguarda votação no Senado.
Ele faz lembrar os artifícios de que se valia o regime autoritário para conter o avanço das oposições ao longo do processo de abertura política. Guardadas as devidas diferenças --vivíamos então em ditadura--, a analogia se aplica.
Em ambos os casos, as forças políticas dominantes promovem mudanças legislativas com o único propósito de reduzir as chances de vitória dos adversários. Agora, o alvo principal é o partido Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. Ao impedir que os parlamentares filiados a um novo partido no ato de sua criação carreguem consigo as frações correspondentes do tempo de televisão e do fundo partidário, o projeto praticamente inviabiliza o Rede Sustentabilidade.
O casuísmo é evidente. Basta nos lembrarmos de que, menos de um ano atrás, o governo apoiou a criação do PSD, de Gilberto Kassab, porque isso reforçaria a "base governista". A desfaçatez é tal que razões doutrinárias são invocadas em favor da medida. Confunde-se deliberadamente o PL 4.470 com as restrições ao troca-troca de parlamentares entre partidos já existentes, estimulado pelas benesses do poder. Essa prática foi em boa hora inibida pelo Supremo Tribunal Federal em decisão, de 2007, que definiu pertencer o mandato ao partido e não ao parlamentar. Sucede que uma coisa é inibir o troca-troca partidário, outra é virtualmente congelar o atual quadro de partidos, como faz o PL 4.470.
Entre 1974 e 1982, quando se elegeram governadores da oposição nos três maiores Estados da Federação, preparando o terreno que levaria ao fim do regime autoritário, a ditadura militar buscou colocar barreiras artificiais às conquistas eleitorais do adversário. A fortificação última que o regime buscava preservar inexpugnável era o Colégio Eleitoral. Ali se sacramentava a escolha indireta do presidente da República. No passado como agora, o medo da perda do poder animava o casuísmo eleitoral.
Vale recordar o famigerado Pacote de Abril, de 1977, que, entre outras anomalias, introduziu a figura do senador biônico, nomeado indiretamente pelos donos do poder. Com isso, o governo garantiu o controle do Senado nas eleições de 1978, embora não tenha evitado que as oposições conquistassem novas cadeiras na Câmara.
Em 1979, com a adoção do pluripartidarismo, o governo buscou quebrar a unidade das oposições. Quando em 1981, em plena recessão econômica, percebeu avizinhar-se a derrota nas eleições do ano seguinte, fez aprovar a vinculação total dos votos, de deputado estadual a governador. Pretendia favorecer o PDS, substituto da Arena, com raízes bem fincadas nos chamados grotões.
De novo, a oposição venceu, mas não a ponto de conquistar a maioria congressual de dois terços que lhe permitiria emendar a Constituição. Daí a derrota da emenda Dante de Oliveira, a despeito da imensa mobilização da campanha das Diretas Já.
É lamentável que PT e PMDB, dois partidos de destaque na luta social e política contra a ditadura militar, se unam hoje para reproduzir práticas que, se não são iguais, assemelham-se aos casuísmos de que foram vítimas no passado.
Além de antidemocrático, o projeto é flagrantemente inconstitucional. Ele está em pauta em meio à confusa discussão sobre reforma do sistema político-eleitoral. Nesse ambiente, o Senado já prestaria um serviço ao país ao não piorá-lo. Para tanto, deve rejeitar ou engavetar o projeto. No mínimo, pouparia ao STF o trabalho de derrubá-lo. Ou alguém duvida de que ele fere o princípio constitucional da livre organização partidária?
Sergio Fausto, 50, cientista político, é superintendente executivo da Fundação iFHC
Fonte: Folha de S. Paulo
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