Entre março e junho, a aprovação da presidente Dilma Rousseff caiu de 65% para 30%. Com o benefício da visão retrospectiva, pode-se dizer que o mais surpreendente não foi propriamente a extensão da queda e, sim, o fato de ela ter demorado tanto, tendo em vista o lamentável desempenho que o governo vem mostrando já há muitos meses.
Como bem notou José Roberto de Toledo, no "Estado de S. Paulo" de 1º de julho, a lógica dessa queda tão vertiginosa de aprovação parece análoga à das avalanches. Pouco a pouco, acumula-se enorme tensão na montanha. E, quando essa tensão afinal atinge um ponto crítico, basta um pequeno choque para que seja deflagrado gigantesco deslizamento.
Ao longo dos últimos 30 meses, vêm-se acumulando evidências de crescente descompasso entre promessas e realizações do governo Dilma Rousseff. Em meio a sinais inequívocos de inoperância, particularmente claros na calamitosa gestão dos programas de investimento público, o que se vê é crescimento econômico pífio, inflação estourando o teto da meta, contas públicas desacreditadas e contas externas cada vez mais desequilibradas.
O governo vinha alimentando a fantasia de que nada disso afetaria a aprovação da presidente, desde que a taxa de desemprego permanecesse baixa. E a aposta era a de que, não obstante toda a deterioração do quadro econômico, seria possível preservar o desemprego baixo até outubro de 2014. O Planalto agora se deu conta de que a travessia dos próximos 15 meses não vai ser tão fácil.
Porta-vozes do governo apressaram-se a lembrar que, logo após a eclosão do escândalo do mensalão, em 2005, a aprovação do ex-presidente Lula também chegou a nível tão baixo quanto o que hoje tem Dilma. E que isso não impediu sua reeleição em 2006.
Salta aos olhos que o paralelo não faz sentido. O que permitiu a Lula recuperar sua popularidade no fim do seu primeiro mandato foi o bom desempenho da economia. Dilma Rousseff não poderá contar com nada remotamente parecido. Muito pelo contrário. O mais provável é que o desempenho da economia nos próximos meses seja fator de agravamento da sua perda de popularidade.
Tudo indica que os segmentos mais lúcidos do governo já notaram que o que foi pretensiosamente rotulado de "nova matriz macroeconômica" redundou em retumbante fracasso. Mas a avaliação da cúpula do governo é que já não há mais tempo para uma "guinada" na política econômica. De um lado, porque, a esta altura, a admissão do fracasso seria muito custosa. De outro, porque os benefícios da "guinada" custariam muito tempo para se fazer sentir. Tendo em conta a proximidade da eleição, o governo parece convencido de que o máximo que poderá ser feito, agora, "é administrar a vantagem no braço e tentar chegar na frente" ("Estado", 16/6).
Nesta semana, o Planalto deixou mais do que claro o quão longe está disposto a ir para "administrar no braço" a situação. Já sem qualquer preocupação com dissimulação, publicou decreto que amplia, de forma escancarada, as possibilidades de manipulação das contas fiscais, para geração de superávit primário fictício por meio da simples movimentação circular de recursos entre o Tesouro e o BNDES.
O artifício é uma espécie de pedra filosofal das finanças públicas, que supostamente transforma emissão de dívida pública em superávit primário. O Tesouro emite dívida e repassa os recursos ao BNDES, que, por sua vez, devolve os recursos ao Tesouro na forma de dividendos, propiciando aumento do superávit primário.
O problema é que essa mutreta estava restrita pelo montante de lucros do BNDES passíveis de serem distribuídos como dividendos. O novo decreto, um verdadeiro escárnio, simplesmente afrouxa essa restrição.
Trata-se de medida emblemática, porque evidencia de forma cabal a falta de seriedade da proposta de "pacto pela responsabilidade fiscal" feita pela presidente há poucos dias. É bom não ter ilusões. O que vem aí são 15 meses de mais do mesmo. Ou pior, de muito mais do mesmo. Apertem os cintos.
Rogério Furquim Werneck, economista e professor da PUC-Rio
Fonte: O Globo
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