sábado, 5 de abril de 2014

Alberto Carlos Almeida: A avaliação do governo Dilma está no limbo

Valor Econômico

César Maia reapareceu. Durante 2009 e no início de 2010, ele defendeu o argumento complexo e mirabolante de que Lula não seria capaz de transferir votos para Dilma. Em seu ex-blog Cesar Maia, em abril de 2010, ao ilustrar a incapacidade de transferência de votos de Lula para Dilma, o ex-prefeito do Rio disse: "Em fevereiro do 2009 fiz uma análise do personagem Dilma Rousseff lembrando que a transferência de votos entre políticos de personagens diferentes é muito difícil. No caso de Lula e Dilma, trata-se de personagens antípodas. Aliás, o personagem Dilma - séria, tecnocrática, vertical, inflexível - foi criado pelo próprio Lula pós-mensalão. Lula, do ponto de vista da psicologia social, é um personagem feminino, próximo, amigo, acarinhável, vitimizável. Dilma é um personagem, do ponto de vista da psicologia social, masculino, distante, vertical. Talvez Patrus fosse um personagem com perfil mais próximo a Lula. Agora é tarde, Inês é morta".

Ler esse texto hoje, quando sabemos que Dilma derrotou Serra por uma margem de 12 pontos percentuais (em nenhuma eleição recente nos Estados Unidos o vencedor abriu uma margem tão folgada no voto popular), é um exercício revelador do desacerto da análise. O texto de Maia indicava que se tratava de um raciocínio sofisticado, inteligente, brilhante, genial. A realidade foi mais dura e simples. O eleitorado que avaliava o governo como ótimo ou bom, ao tomar conhecimento de que Dilma era a candidata governista, decidiu passar a votar nela.

Esse processo de aumento de conhecimento do candidato governista se acelerou e se massificou com o início do horário eleitoral gratuito. Todos os argumentos supostamente brilhantes foram anulados pela realidade, foram atropelados por um rolo compressor denominado conversão de avaliação positiva do governo em votos para o candidato governista.

Cesar Maia, em todo aquele período eleitoral, utilizou metáforas pouco conhecidas e tentou cunhar novos termos: luta de espadachins, jogo de xadrez, jogo go e também "jogo de coordenação", segundo ele uma expressão que significa processo de distribuição de informações e de troca de opiniões entre as pessoas até que a intenção de voto se transforme em decisão de voto. Foram muitas metáforas e muitos termos não usuais. O que realmente aconteceu é que à medida que o eleitorado tomou conhecimento de que Dilma era a candidata do governo, passou a votar em Dilma. Como a maioria aprovava o governo, a maioria decidiu, no decorrer do último ano, abandonar Serra e passar a votar em Dilma.

Os dados mostram que em janeiro de 2009, em segundo turno, Serra tinha 63% de votos de quem avaliava Lula como ótimo e bom. Essa proporção veio caindo desde então, atingiu 43% em maio de 2009, ficou estabilizado daí até dezembro e continuou caindo em seguida para 31% em maio de 2010 e 21%, apenas, em agosto. Dilma conheceu trajetória oposta à de Serra. Em janeiro de 2009, tinha somente 15% de quem avaliava o governo Lula como ótimo ou bom. Ela subiu para 39% em maio de 2009, ficou estabilizada em quase 50% no primeiro semestre de 2010 e subiu bastante depois que começou a propaganda na TV, convertendo em votos 70% do ótimo e bom de Lula. Óbvio e ululante.

Cesar Maia reapareceu e afirmou, na semana passada, que os erros de Aécio e do PSDB podem levar Dilma a vencer no primeiro turno. Será que mais uma vez o ex-prefeito do Rio vai errar em suas análises?

O Instituto Análise fez um levantamento de 104 eleições para governador ocorridas no Brasil entre 1994 e 2010. A partir de 1998 passou a haver reeleição. De lá para cá, 46 governadores eleitos quatro anos antes disputaram a sua reeleição. A primeira descoberta importante é que todos os governadores que disputaram a reeleição com a soma de ótimo e bom igual ou maior do que 46% foram reeleitos.

Sérgio Cabral está nesse grupo. Ele foi reeleito em 2010, quando sua avaliação positiva estava em torno de 60% no fim de setembro. Aécio Neves, em 2006, estava com mais de 65% de ótimo e bom; Eduardo Campos tinha em 2010, às vésperas da eleição, mais do que 70% de ótimo e bom. Aqueles que ficaram mais próximos do limite de 46% foram Joaquim Roriz em 2002; Cássio Cunha Lima, que tinha 47% em 2006; Roseana Sarney, com 48% em 2010; e Jarbas Vasconcelos, com 50% de avaliação positiva em 2002.

Igualmente importante é a conclusão desse mesmo estudo: todos que tiveram menos de 34% de ótimo e bom foram derrotados em seu objetivo de ser reeleitos - Miguel Arraes, em 1998; Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, em 2010; José Bianco, em Rondônia, em 2002; e Valdir Raupp, no mesmo Estado, quatro anos depois; Ana Júlia, no Pará, em 2006; Germano Rigotto, no Rio Grande do Sul, no mesmo ano; e Paulo Afonso, em Santa Catarina, em 1998. Esses sete governadores não conseguiram ser reeleitos porque sua avaliação estava abaixo de 34% de ótimo e bom. Trata-se de uma avaliação muito ruim - quando isso acontece, o desejo de mudança é mais disseminado do que o desejo de continuidade. O eleitorado foi claro nessas sete eleições: queremos trocar de governo.

Atualmente, o governo Dilma tem 36% de ótimo e bom. Se ela estivesse disputando uma eleição para um governo estadual, não estaria na faixa cuja vitória é certa, acima de 46% de ótimo e bom, nem na faixa na qual a derrota é certa, abaixo de 34% de ótimo e bom. O atual patamar de avaliação do governo Dilma, entre 35 e 45% de ótimo e bom, a põe na faixa na qual 42% dos governadores que disputaram a reeleição foram vitoriosos, ao passo que 58% foram derrotados. Dilma é candidata à reeleição, mas não para um governo estadual. Ela é candidata a presidente. Assim, alguns poderiam argumentar que as eleições de governador são um parâmetro ruim para analisar uma eleição presidencial. Pode ser que sim, pode ser que não.

Nas duas reeleições ocorridas no Brasil, Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006, os candidatos foram vitoriosos com uma avaliação muito próxima dos 46% de ótimo e bom dos governadores reeleitos: Fernando Henrique tinha 43% às vésperas da eleição e Lula, 47%. Considerando-se as margens de erro das pesquisas, é possível que Fernando Henrique tivesse uma avaliação um pouco melhor, talvez 44 ou 45% de ótimo e bom. O fato é que a diferença entre os 43% de FHC e os 46% acima do qual todos os governadores foram reeleitos é irrisória. Os dois candidatos a presidente que disputaram a reeleição se encaixam na regra dos governadores.

O Instituto Análise também estudou as eleições para prefeito. Foi analisado qual é o patamar de ótimo e bom a partir do qual as chances de um prefeito ser reeleito é de 100% ou próximo disso. Ao contrário do que acontece nas eleições para governadores, há prefeitos que são derrotados mesmo com uma avaliação positiva na casa dos 60%. O inverso também ocorre com frequência: prefeitos com avaliação muito negativa, menor do que 34% de ótimo e bom, são vitoriosos.

Isso se dá porque o prefeito está mais próximo do eleitor do que o governador ou o presidente. Muitas vezes a vida pessoal do prefeito é bem conhecida em seu município - mesmo em lugares populosos, sabe-se onde o prefeito mora, que viagens ele fez no último ano, como é sua vida familiar etc. Isso faz que a avaliação de governo tenha outros competidores, todos bem menos impessoais do que simplesmente a aprovação ou desaprovação de um governo.

Os cargos de presidente ou de governador estão muito distantes do eleitor. São cargos que suscitam uma relação mais impessoal entre o representante e o representado. Dificilmente ele se encontrará com um deles em uma campanha eleitoral ou durante o mandato. A melhor maneira de escolher, a mais racional e mais eficiente, é por meio de um critério igualmente distante e impessoal. Eis que nesses casos a avaliação do governo tem um peso maior. É nesse sentido que talvez seja possível aproximar a eleição de presidente com as eleições de governador. Além disso, não devemos nos esquecer de que muitos de nossos Estados são, em área geográfica e população, maiores do que numerosos países.

O estudo de 104 eleições para governador e 2 para presidente serve de alerta para o governo Dilma. A avaliação do governo Dilma está no limbo. Considerando-se o estudo das eleições para governador, caso a avaliação caia de três a cinco pontos percentuais, a oposição tende a se tornar favorita para vencer. Caso a avaliação melhore de três a cinco pontos percentuais, vá para perto de 40% de ótimo e bom, e caso ocorra com Dilma o mesmo que ocorreu com Fernando Henrique e Lula - que melhoraram sua avaliação depois de agosto do ano eleitoral -, ela se torna favorita para vencer. Limbo vem do latim "limbus", que significa beira. O governo Dilma está entre duas beiras, na beira do inferno e na beira do céu. Já Cesar Maia não tem eira nem beira.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".

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