- O Estado de S. Paulo
Ao contrário do que tem sido afirmado por entidades sindicais, reunidas no Fórum das Seis, a crise das universidades estaduais paulistas é real, e não fictícia. E mais: é grave. Além de orçamentário-financeira, é uma crise diretiva, fruto de gestões problemáticas ou de vicissitudes administrativas.
Também não é nova e se tem manifestado de forma cíclica - para não recuar muito no tempo basta lembrar que tomou vulto em 1988-1989, quando foi estabelecida a quota-parte de 8,5% do ICMS; voltou em 1995-1996, quando a quota-parte foi aumentada para 9,57%; ressurgiu em 2004 e reapareceu com mais gravidade agora, em 2014.
Entendemos, portanto, que os problemas que a universidade enfrenta hoje não são novos. Em grande medida, são problemas acumulados ao longo dos anos e, muitos deles, não enfrentados adequadamente em seu devido tempo - envolvem não só questões econômico-financeiras e o sistema administrativo, mas resultam, sobretudo, da estrutura de poder e da forma de gestão da universidade, envoltas pelo patrimonialismo, pelo clientelismo e pelo corporativismo.
Dentre eles, alguns são crônicos ou arraigados, como, por exemplo, 1) a privatização velada da universidade por seu corpo burocrático (grupos, corporações e confrarias de interesses), por meio da apropriação dos bens públicos, os quais se autoatribuem benefícios e privilégios, legislando em causa própria e tornando indiferenciado o público e o privado; 2) a sindicalização - os órgãos decisórios (sobretudo centrais) funcionam de acordo com a lógica corporativa (no sentido oposto de suas atribuições acadêmicas e/ou administrativas) de um sindicalismo de resultados voraz e agressivo que barganha proventos e vantagens com os que detêm o poder de mando nas reitorias; 3) a inversão de sentido das atividades-fim da universidade - as atividades técnico-burocráticas tornaram-se a prioridade básica, enquanto as de ensino, pesquisa e extensão foram convertidas em acessórias; a universidade voltou-se para si própria, para sua autorreprodução, deu as costas aos fins para que foi instituída - não por acaso a quantidade de funcionários técnico-administrativos supera em muito o número de docentes-pesquisadores, o que evidencia a extraordinária distorção de objetivos.
Outros problemas também podem ser arrolados, como a falta de transparência e responsabilização na execução orçamentária e financeira e no controle de aplicações e gastos.
A situação, que já era crônica, foi agravada no último decênio por iniciativas várias:
Política de expansão sem planejamento e sob pressão do governo estadual, com a criação de novos cursos, câmpus e/ou unidades - a Unesp, por exemplo, quase que duplicou o número de alunos;
programas de reestruturação de carreiras e salários de servidores técnico-administrativos e docentes, induzidos por interesses corporativos e pela pressão de um sindicalismo de resultados;
amplificação de ações de auxílio e/ou políticas de benefícios, como vales-alimentação/refeição e transporte, creches, subsídio a restaurantes e planos de saúde, permanência estudantil, bolsas, diárias, etc.; outras como, por exemplo, políticas de investimento e incentivo à competitividade, à produtividade, ao empreendedorismo, à internacionalização, etc., suscitadas por grupos de interesse sob alegação da necessidade de alçar a universidade a níveis de excelência, inseri-la no mercado das ciências e promover sua ascensão em rankings internacionais (Top 200, Padrão Xangai).
Essas iniciativas implicaram um aumento significativo da folha de pagamentos e das demais despesas (obras, contratações, salários, custeio, diárias, transporte, mídias, bolsas, equipamentos, etc.), porém sem o aumento do porcentual orçamentário - o que garantiu certo equilíbrio das contas foi um considerável aumento da arrecadação de ICMS nos anos 2007-2010.
Não obstante a situação de crise apresentar-se com maior gravidade na USP, a condição da Unesp e da Unicamp não é menos preocupante. De maneira que, nas circunstâncias atuais, são necessárias medidas imediatas com poder de restaurar a normalidade das atividades, impedir o aprofundamento dos problemas e estancar a crise em curso e seu possível agravamento próximo - até mesmo uma eventual inadimplência que implique a paralisação das atividades e a impossibilidade de pagamento da folha de salários.
Nesse sentido, entendemos que as iniciativas grevistas que interrompem todas as atividades para exigir reposição salarial e outros benefícios são, da forma como estão conduzidas, inadequadas - até porque as entidades sindicais têm, juntamente com os dirigentes ou o establishment universitários, muitíssima responsabilidade pela crise, que pode levar ao declínio sem retorno da universidade.
Pelo exposto, urgem ações e medidas capazes de reverter o atual quadro de crise. Mas para romper com a situação criada não bastam a indignação, a resistência, a denúncia ou o apego a interesses corporativos. Faz-se necessário criar condições para sua superação, convertendo as inquietações em iniciativas renovadoras e transformadoras, desencadeando um processo de democratização e publicização dos métodos e práticas diretivas e de gestão, além do estabelecimento de normas e procedimentos de responsabilização dos dirigentes e/ou agentes decisórios - o que implica, por um lado, elaborar e exercitar uma política diretiva transparente, coletiva, e, por outro, dar combate às concepções e práticas clientelistas e patrimonialistas, corporativas e assistencialistas, ou àquelas excessivamente burocráticas e tecnocráticas. Enfim, fazem-se necessárias e prementes a democratização e a publicização da universidade.
José Antonio Segatto é professor titular do departamento de sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP - Câmpus de Araraquara (FCL/UNESP-CAR)
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