sexta-feira, 8 de maio de 2015

Na hora certa – Editorial / Folha de S. Paulo

• Mudança na aposentadoria compulsória, dos 70 para os 75 anos, deveria ser estendida a todo o funcionalismo público

Conhece-se, no campo dos estudos literários, o risco da "superinterpretação". Alguns teóricos advertem para a tendência exagerada de procurar intenções ocultas e mensagens criptográficas, muitas vezes a contrapelo do sentido geral da obra que se analisa.

Mais que na teoria literária, é inevitável no mundo político o hábito de interpretar em excesso, descobrindo-se armadilhas em qualquer movimento, palavra ou decisão.

Surgem com ressonâncias de pureza, de qualquer modo --e não se afastam da imagem de integridade pessoal deixada por seu autor--, as explicações dadas pelo ex-senador Pedro Simon (PMDB-RS) acerca da proposta de emenda constitucional que apresentou em 2003.

Finalmente aprovada, a célebre PEC da Bengala ter-se-ia inspirado no caso de Paulo Brossard, que foi seu colega de Senado. O oposicionista gaúcho, nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal, teve de se aposentar aos 70 anos --"no auge de sua capacidade", diz Simon-- sem chegar ao posto de presidente daquela corte.

Modificando a data da aposentadoria compulsória dos membros de tribunais superiores para os 75 anos, a emenda enfim reconhece uma realidade demográfica e social que não é de difícil comprovação.

Num país em que a expectativa de vida passou dos 52,4 anos para quase 75 anos, de 1960 aos dias de hoje, não é mais razoável considerar como incapacitado profissionalmente alguém que chega aos 70.

O princípio, inclusive pelo impacto positivo que possa ter no sistema previdenciário, deveria ser estendido a todo o funcionalismo público, e não restringido às instâncias judiciais contempladas na PEC.

Apesar da clara oportunidade da medida, nem por isso se afastam interpretações e cálculos inerentes ao mundo da política.

Sim, a emenda retira da presidente Dilma Rousseff (PT) o poder de indicar novos nomes para o STF. O raciocínio, porém, nem chega a ser tão pertinente assim.

Não porque a presidente tenha se mostrado lenta e até enfadada diante de tais oportunidades, mas sim porque, uma vez empossado em caráter vitalício, cada ministro termina seguindo seus próprios rumos e convicções.

Em campos opostos no julgamento do mensalão, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, por exemplo, foram ambos escolhidos pelo então presidente Lula.

Ainda que a renovação do Supremo possa ser conveniente para os propósitos de Dilma, não há motivos para avaliar a aprovação da PEC exclusivamente a partir da ótica do Planalto ou da oposição.

Que seja vista, antes, como a vitória de uma atitude mais sensata, e menos preconceituosa, a respeito do que seja a idade adequada para o trabalho no poder público.

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