Na quinta-feira passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito criminal para apurar fake news e ameaças veiculadas na internet que envolvem aquela Corte. Tem havido “notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimo caluniante, difamante e injuriante que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo, de seus membros e de familiares”, explicou o ministro Dias Toffoli.
A primeira das atribuições do presidente do Supremo é “velar pelas prerrogativas do Tribunal”, como dispõe o Regimento Interno do STF. E não há dúvida de que ameaças aos ministros e a seus familiares são uma tentativa de subjugar a independência do STF. Do mesmo modo, notícias mentirosas sobre a atuação da Suprema Corte também representam um atentado ao Poder Judiciário.
O ministro Dias Toffoli fez bem, portanto, ao determinar a abertura de inquérito policial a respeito de fake news e de ameaças envolvendo a Suprema Corte. “Não existe Estado Democrático de Direito nem democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre”, lembrou o presidente do STF. O ambiente de liberdade assegurado pela Constituição não pode ser entendido como respaldo para ataques pessoais, ameaças ou difusão de notícias mentirosas.
Só existe liberdade se há respeito à lei. Por isso, as ações criminosas de calúnia, difamação e injúria não podem ficar impunes. Crimes contra honra agridem importantes bens jurídicos. No caso dos ataques mencionados pelo presidente do STF, eles envolvem não apenas os ministros e familiares, como afetam diretamente o Estado Democrático de Direito, que tem na independência do Poder Judiciário um de seus pilares fundamentais.
Vale lembrar que a abertura do inquérito determinada pelo presidente do STF não significa que o Poder Judiciário esteja assumindo um papel de investigador. Num inquérito, quem realiza a investigação é a autoridade policial competente, sob a supervisão da Justiça. O ministro Alexandre de Moraes será o relator do inquérito.
Suscitou estranhamento, contudo, o caráter sigiloso do inquérito. Como lembrou o ministro Dias Toffoli, “o STF sempre atuou na defesa das liberdades, em especial da liberdade de imprensa e de uma imprensa livre em vários de seus julgados”. Não foi apresentado, no entanto, nenhum motivo a justificar o sigilo decretado sobre o inquérito.
Por princípio, os atos estatais são públicos, como assegura a Constituição de 1988. São poucas as exceções ao princípio da transparência, que sempre devem ser motivadas. Por exemplo, ao tratar do acesso à informação nos órgãos públicos, o art. 5.º da Carta Magna estabelece que o sigilo deve ser “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Não parece que este seja o caso do inquérito aberto pelo presidente do STF.
O Código de Processo Penal, que é de 1941 e deve ser aplicado à luz da Constituição de 1988, define que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Mais uma vez, fica claro que a decretação do sigilo deve ser fundamentada. Sigilo deve haver apenas nos casos em que for, de fato e justificadamente, necessário. Também não parece que é o caso do inquérito do STF. Por exemplo, fake news são, por sua própria natureza, informações que já circulam publicamente. Qual é o sentido do sigilo?
Ao regulamentar o acesso à informação previsto na Constituição, a Lei 12.527/11 define que a primeira diretriz é a “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”. E a tal regime subordinam-se “os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público”.
A publicidade do inquérito pode servir, portanto, para que a necessária defesa das prerrogativas do Supremo seja também uma reafirmação das garantias e liberdades constitucionais.
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