Julian Lemos (PSL-PB) sustenta ser alvo de grampo ilegal e diz que pedirá investigação à PF; governo não comenta conteúdo
Bruno Abbud / O Globo
RIO — Em áudio que circula em Brasília, inclusive entre assessores do Palácio do Planalto, um deputado federal do PSL relata que parlamentares têm exigido e negociado cargos em troca de votos favoráveis à reforma da Previdência , principal projeto do primeiro ano do governo Bolsonaro .
Na gravação, um telefonema de 12 minutos, a que O GLOBO teve acesso, o deputado Gulliem Lemos (PSL-PB), conhecido como Julian Lemos, relata ao secretário-geral do PSL na Paraíba e assessor do Ministério do Turismo, Fabio Nobrega Lopes, que conseguiu junto à Casa Civil garantir para si a prerrogativa de indicar nomes para cargos de direção na Fundação Nacional da Saúde (Funasa) da Paraíba e na sede regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Lemos também relata que outros parlamentares buscam ou buscarão acordos semelhantes, com o objetivo de obter cargos na administração federal em troca de votos.
Na conversa, Lemos conta que vai conseguir, "logo de cara", as indicações para a Funasa e o Incra e diz que ainda tentará "pegar um terceiro negócio". O interlocutor concorda e afirma que a Funasa "é forte demais". Procurado, o deputado disse que pedirá à Polícia Federal que investigue a origem da gravação, que chamou de “grampo ilegal”.
— O áudio é crime. É uma violação gravíssima, uma agressão, um fato grave. Isso aí vai rolar Polícia Federal. É extremamente absurdo isso. Não tem nada que desabone, única coisa que vejo criminosa é a gravação ilegal. Sou um deputado federal, imagine se os deputados agora têm seu sigilo telefônico quebrado — disse.
Feita sem o conhecimento dos dois interlocutores, a gravação de fato surgiu a partir de um grampo telefônico, segundo informou uma fonte ao GLOBO. Sem citar nomes, Julian Lemos atribuiu o grampo a adversários políticos.
– Descobri a fonte, descobri tudo, foi uma armaçãozinha que fizeram. Estou pegando mais informação para chegar aonde quero. É coisa minha — disse Lemos.
As indicações políticas apontadas por Lemos no telefonema ainda não foram oficializadas. Nesta semana, depois de O GLOBO procurar o deputado para comentar o teor do diálogo, Lemos anunciou em suas redes sociais que “abre mão” de indicar pessoas para ocupar cargos federais.
Na conversa, ocorrida em fevereiro, o secretário do PSL paraibano menciona uma reunião na Casa Civil na qual, segundo ele, ficou acertado que os cargos “a nível estadual” seriam distribuídos depois do carnaval. Ainda de acordo com Fábio Nobrega Lopes, o ministro-chefe da pasta, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), participou de um dos encontros nos quais eram discutidas as trocas de indicações a cargos na máquina federal por votos favoráveis à reforma da Previdência. O GLOBO procurou Onyx, por meio de sua assessoria, mas ele não comentou o diálogo.
Distribuição para todos
Lemos relata que, na reunião, Carlos Manato, secretário-geral para a Câmara do governo, diz que haverá cargos para todos os deputados, menos para os que são do PT e de outros partidos de esquerda.
Na conversa, Lemos e Nobrega discutem o preenchimento de um cargo na Funasa com salário líquido de R$ 7 mil, que consideram baixo, mas que controlaria uma alta gestão de recursos liberados pela Casa Civil.
Nobrega Lopes foi nomeado em 30 de janeiro para um cargo comissionado na secretaria-executiva do Ministério do Turismo, com salário R$ 10.673,30. A secretaria-executiva é vinculada diretamente ao gabinete do ministro Marcelo Álvaro Antônio, investigado pela Polícia Federal acusado de promover candidaturas de laranjas nas eleições de 2018.
Há dois dias, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), anunciou a liberação de cerca de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. O anúncio ocorreu em meio à pressão de partidos políticos que criticam a articulação do governo junto ao Congresso. Na terça, o presidente Bolsonaro negou, pelo Twitter, que as verbas tenham sido liberadas “para a aprovação da Nova Previdência”.
Em vídeos divulgados nas redes sociais de Bolsonaro, Lemos foi apresentado mais de uma vez como coordenador, no Nordeste, da campanha presidencial de 2018. Muito próximo ao ex-ministro Gustavo Bebianno, então presidente do PSL, Lemos foi vice-presidente do diretório nacional do partido durante campanha e pré-campanha.
Outro lado
Lemos diz que o áudio registra “uma conversa pessoal”.
— Não tem nada que desabone minha conduta, nenhuma conversa que seja não republicana, é uma conversa pessoal a respeito de uma conjuntura política.
Sobre a busca por um “terceiro espaço”, Lemos não revela que órgão, além da Funasa e do Incra, teria indicações escolhidas por ele.
— Terceiro negócio é espaço. Uma terceira autarquia que pode vir. Nem essas que eu falei eu sei se isso vem. Só acredito quando pego. Não existe nenhuma indicação ainda. Para o Incra, eu digo só que tenho uma coronel, eu tenho um nome que é um coronel que tem quatro graduações, fala dois idiomas, já foi secretário de estado, é um homem preparadíssimo, mas não vou te falar. Isso é uma informação que caso venha a se concretizar ele será nomeado. Foi uma conversa preliminar. Não existe oficialização de indicação. Se eu encher o saco, não quero m… nenhuma. Não fui eleito para isso. Agora, se vier para A tem que vir para B, normal. Isso faz parte da democracia. Só não vou trabalhar em ‘toma lá, dá cá’, porque não trabalho com isso.
Lemos também comentou as falas do assessor Fabio Lopes durante a gravação:
— Não é um áudio comprometedor de esquema. O Fabio dá uma opinião que é dele, até de certo modo ingênua. O Fabio não tem legitimidade nenhuma, não é político. É uma análise que ele faz do que se sabe no Congresso. Ele falou como alguém que escuta as conversas. Fabio traça um diálogo baseado no que ele escuta. Isso é leitura política que ele faz, não que eu faço. Se você chegar no parlamento vai ver o que o povo diz.
Fabio Lopes não retornou os contatos da reportagem.
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