Folha de S. Paulo
Campo político revela-se incapaz de
decifrar suas derrotas
A Câmara
de Nova York removeu de suas instalações a estátua de Thomas Jefferson, sob
a acusação de que o autor principal da Declaração de Independência era
proprietário de escravos –como, aliás, 5 dos 7 "pais fundadores". O
banimento derivou da pressão do grupo de legisladores negros e latinos, que
pertencem ao Partido Democrata. O degredo de Jefferson explica a força política
de Trump.
A revista The Economist (27.out) publicou
um gráfico construído por Gethin et al. que sintetiza a mudança nos padrões de
voto segundo o nível educacional dos eleitores entre 1950 e 2010.
Em 5 das 6 democracias analisadas (EUA,
Reino Unido, Alemanha, França e Nova Zelândia), verifica-se uma tendência
histórica implacável: o deslocamento para a esquerda dos mais escolarizados e
um deslocamento simétrico dos menos escolarizados. O Canadá figura como exceção
parcial à regra, mas apenas porque sua esquerda sempre teve sólidas bases na
classe média urbana.
No passado, entre as décadas de 1950 e
1970, os partidos de esquerda e centro-esquerda controlavam majoritariamente o
voto da população de menor nível educacional –ou seja, da classe trabalhadora.
Por outro lado, os partidos de centro-direita e direita venciam largamente entre as camadas de maior escolaridade –ou seja, na classe média e na elite. O padrão inverteu-se na década de 1990 e continua a infletir em curva acentuada: o diploma universitário tornou-se o maior indicador estatístico do voto à esquerda.
Marx revira-se, inquieto, no seu túmulo.
Atualmente, os partidos à esquerda representam as classes médias urbanas,
educadas e cosmopolitas, enquanto os partidos à direita assentam-se nos trabalhadores,
na baixa classe média e nas pequenas cidades. O fenômeno ocorre, um pouco
atenuado, até no Reino Unido, onde o Partido Trabalhista espelha as
organizações sindicais.
Suspeito que a raiz da reversão encontre-se
na resposta formulada pela esquerda à queda do Muro de Berlim. Confrontados com
o avanço das políticas econômicas liberais, os partidos à esquerda fugiram do
campo de batalha central, entrincheirando-se às suas margens, nas agendas
identitárias e de valores.
Nos EUA, os democratas
redefiniram-se como partido das minorias e adotaram as pautas
identitárias oriundas do meio universitário. Na Europa, os social-democratas e
seus concorrentes mais à esquerda concentraram-se em temas como os direitos das
mulheres, da comunidade LGBT e dos imigrantes. As correntes populistas de
direita aproveitaram a oportunidade histórica, apostando nos ressentimentos dos
"órfãos da globalização".
A esquerda enxerga a política através das
lentes de seus novos dogmas –e, nesse passo, revela-se incapaz de decifrar suas
derrotas.
Trump não venceu por entoar o hino
"God, guns, gays", mas por iludir os brancos sem diploma
universitário com a canção de ninar do nacionalismo econômico.
A direita
nacionalista europeia não se nutre de um suposto ódio atávico aos
estrangeiros, mas da falsa conexão entre imigração e desemprego. "É a
economia, estúpido!": o populismo de direita ocupou cidadelas desertas,
abandonadas por uma esquerda que decidiu fechar-se num gueto, dialogando
exclusivamente no interior de bolhas culturais.
O Brasil não se encaixa no gráfico dos
deslocamentos eleitorais. O PT resistiu às intempéries porque –ao contrário do
PSOL– só adotou as pautas identitárias como adereços secundários, usados em dias
festivos.
Sob o timão
de Lula, persistiu no discurso do Estado-Protetor, agarrando-se aos
estandartes do populismo econômico. O lulopetismo nunca confessará, mas sabe
que a derrota de 2018 derivou da recessão provocada pelo governo Dilma, não da
"guerra cultural" primitiva deflagrada pelo olavo-bolsonarismo.
Os democratas exilaram a estátua de
Jefferson. O PT ajoelha-se diante da estátua de Vargas.
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