sábado, 30 de outubro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Para evitar o pior

O Globo

Se o deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter feito live em 2018 divulgando fake news sobre as urnas eletrônicas e atacando o sistema eleitoral, então o presidente Jair Bolsonaro também deveria ter sido punido. Não apenas o presidente atacou as urnas e o sistema quando ainda candidato, como continuou com esses ataques depois de eleito.

Considerando ainda o evidente disparo ilegal de fake news durante o processo eleitoral —que “todo mundo viu”, como disse o ministro do STF Alexandre de Moraes —, então a chapa Bolsonaro-Mourão deveria ter sido cassada duas vezes. E há mais tempo.

Mas não foi — e justamente pela lentidão da Justiça, que criou uma ameaça de grave instabilidade política.

Como Bolsonaro e Mourão já ultrapassaram dois anos de mandato, a substituição se daria assim, caso fossem cassados. O primeiro na linha de sucessão é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que assumiria interinamente para convocar eleições em 30 dias. Atenção: eleição indireta, no Congresso Nacional.

Como Lira está enrolado em processos no STF, provavelmente não poderia assumir. A vaga então passaria para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, com a mesma função de chamar eleições indiretas em 30 dias.

Se Pacheco não pudesse assumir por alguma razão, o cargo, interino de novo, iria para o presidente do STF, Luiz Fux, também para chamar eleições indiretas.

Já pensaram a confusão? Já imaginaram as barganhas congressuais para escolher presidente e vice? A festa do Centrão?

O ambiente político e econômico já está comprometido pela desastrada gestão Bolsonaro e pela cumplicidade com o Centrão. Acrescentando uma esquisita sucessão no quadro, o dólar iria a quanto?

Quando se começa a ler os votos dos ministros do TSE, a percepção imediata é óbvia: vão cassar a chapa. Mas, nos parágrafos finais, sempre aparece uma justificativa, uma desculpa mesmo, para dizer que falta uma prova direta.

Merval Pereira lembrou outro dia o espetacular comentário do inesquecível Jorge Moreno sobre o julgamento da chapa Dilma-Temer, por abuso de poder econômico: absolvida por excesso de provas.

Acrescentou Merval: Bolsonaro e Mourão se livraram por excesso de indícios.

Assim, ficamos com um cadáver exposto em praça pública para servir de exemplo, o deputado cassado, e as advertências do TSE : daqui para frente, será tudo diferente. Cassação e cadeia, disse Alexandre de Moraes.

Tudo considerado, não é a melhor maneira para entrar no ano eleitoral — sim, estamos a 12 meses das eleições nacionais.

Na economia, teremos essa improvável combinação: juros altos, dólar caro e inflação subindo. Pelos manuais, se os juros estão elevados e subindo, o dólar deveria estar em queda. Investidores estrangeiros voltariam a uma velha prática — trazer dólares, que rendem muitos reais, e aplicá-los em títulos públicos, que rendem juros reais entre os maiores do mundo.

Com mais entrada de dólares, o valor da moeda americana deveria cair. Não cai pelo mau conjunto da obra de Bolsonaro-Guedes.

Por outro lado, se o Banco Central está em processo de elevação dos juros, a inflação deveria estar apontando para baixo. E não está. De novo, é a desconfiança gerada por uma política econômica que pretende tornar constitucional o crime de furar o teto e, pois, de irresponsabilidade fiscal.

O capital eleitoral de Bolsonaro está sendo consumido. E o de Lula? Ele se livrou das condenações nos altos escalões da Judiciário, mas o eleitorado, numa campanha, numa disputa, acreditará na sua inocência? Ou vai para a linha do rouba mas faz?

Há, portanto, espaço para a terceira via — um centro meio à esquerda, meio à direita —, mas com duas condições. A primeira: dois bons nomes na chapa presidencial, uma boa combinação de presidente e vice. A segunda condição é a construção de um discurso que anime e convença o eleitorado.

Não é fácil, mas o país merece escapar dessa desastrosa polarização Bolsonaro-Lula.

 

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