Valor Econômico
Boulos alerta para ofensiva do governo
sobre a periferia
No comício de despedida da campanha de
Fernando Haddad no Rio de Janeiro, a cinco dias da votação no segundo turno, o
rapper Mano Brown jogou água no chope da festa petista. Ao discursar no palco
do evento, ele criticou o distanciamento do PT do eleitor da periferia e a
perda de comunicação da legenda com esse eleitorado.
“Se não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”, alertou. “Partido dos trabalhadores tem que entender o que o povo quer, se não sabe, volta pra base e vai procurar saber. Se falhou, vai ter que pagar mesmo”. E o PT pagou com a derrota para Jair Bolsonaro após quatro vitórias consecutivas nos pleitos presidenciais.
Três anos depois, Mano Brown comentou o
episódio ao entrevistar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o
podcast “Mano a Mano”. Em setembro do ano passado, o músico explicou ao líder
petista o motivo de seu momento de “explosão” no ato pró-Haddad:
“Eu olhei pra plateia e não vi os meus lá,
a massa do morro. Vi a militância leal ao PT, mas não vi os meus. O motorista,
o segurança, os garis, não estavam do nosso lado. Ali eu sabia que a gente
tinha perdido a eleição. Eu fui pra lá em clima de velório e o clima lá era de
festa”, relembrou.
“Foi
um momento de explosão, de decepção. Foi como cortar na própria carne, navalha
na carne. Foi como você dar um tapa no seu filho”, enfatizou o músico.
Em sua resposta, Lula, primeiro, agradeceu
a sinceridade do rapper. “Eu prefiro que as pessoas digam a verdade nua e crua.
Quando a gente ouve a verdade, toma um choque de realidade”.
Em seguida, Lula reconheceu que houve
mudanças no PT depois que o partido começou a conquistar espaços de poder.
“Obviamente, na medida em que um partido elege muitos deputados, muitos governadores,
vai mudando a relação com a sociedade. Quem manda no deputado não é mais o povo
da comunidade, é o gabinete dele. Muda a relação de forças”, argumentou.
O ex-presidente afirmou nessa mesma
entrevista que o PT se esqueceu do seu discurso originário, que era “dar vez e
voz ao povo trabalhador” e ressaltou que “o dia que o PT esquecer pra que
nasceu, é melhor acabar”.
Quase quatro anos depois da “explosão” de
Mano Brown, foi a vez do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e
pré-candidato ao governo de São Paulo pelo Psol, Guilherme Boulos, no recente
artigo “É a periferia, estúpido!”, acionar a sirene para que os partidos de
esquerda não se deixem entorpecer pelo clima de festa e percam de vista o
eleitor da periferia.
Ele vê com arrepios o mesmo clima de festa
precipitado, que foi detectado por Mano Brown no comício de Haddad. “A questão
é rebater o clima de já ganhou, que pode ser desmobilizador para uma campanha
de risco como será a deste ano”, observou Boulos em conversa com a coluna.
Boulos vê explicação para o favoritismo de
Lula na conjuntura de PIB provavelmente negativo no ano eleitoral, inflação
crescente e desemprego elevado, ao mesmo tempo em que não acredita no
crescimento da terceira via. Em contrapartida, não enxerga Bolsonaro como
“cachorro morto”, lembrando que ele tem ferramentas para crescer, sobretudo
entre os mais pobres.
O líder do MTST considera um erro
subestimar instrumentos de Bolsonaro como o Auxílio Brasil de R$ 400, que
começou a ser pago a mais de 18 milhões de famílias e milhares de pequenas
obras em andamento em todo o país, além da liberação de emendas parlamentares,
inclusive do orçamento secreto, de políticos da base governista.
“Vai ter um nível de investimento nos mais
pobres que não houve em nenhum outro momento”, alerta Boulos.
Se em 2018 Mano Brown criticou a perda de
interação da esquerda, em especial, do PT, com a periferia, Boulos acredita que
essa questão se resolve com a liderança de Lula nesta campanha. “Ele tem uma
relação forte, uma relação simbólica com os mais pobres, eles têm a memória do
governo dele. Não tenho dúvida de que o Lula vai ganhar e vai ganhar bem no
Nordeste e na maior parte das periferias urbanas”.
O erro, ressalta o líder do MTST, é que
setores da esquerda começaram a achar que a eleição está decidida e veem
Bolsonaro como liquidado, enquanto a máquina pública já começou a cumprir o seu
papel.
Nesse ponto do raciocínio, Boulos observa
que algumas pesquisas, de um mês pra cá, já começaram a identificar uma redução
da distância entre Lula e Bolsonaro na corrida pré-eleitoral. Ele argumenta
que, se essas pesquisas forem examinadas com lupa, esse movimento já seria
decorrente dos primeiros pagamentos do Auxílio Brasil no valor de R$ 400, que
começaram no fim de 2021.
Ele expôs essa preocupação no encontro com
Lula em São Paulo no começo do mês e afirma que o presidenciável do PT está
consciente desse cenário, bem como outras lideranças do partido, já que nem
todos subiram no salto.
Alas do PT que se declaram conscientes do
duro embate pela frente com Bolsonaro, citam outras ferramentas de atração dos
mais pobres em poder do governo, como a renegociação das dívidas do fundo de
financiamento estudantil (Fies), que pode favorecer pelo menos um milhão de
estudantes. Para quem estiver inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais
do Governo Federal (CadÚnico), o desconto do débito pode chegar a 92%.
Boulos diz que essa campanha vai demandar
mais empenho e mobilização das forças de esquerda, porque não será decidida com
“jogadas de marketing tradicionais”.
Ele alerta que é preciso aprender com os
erros de 2018, porque Bolsonaro vai “operar em frequência dupla”. Segundo
Boulos, Bolsonaro sairá a campo com a mesma “forte operação de redes sociais”,
o “ gabinete do ódio”, a “turma do zap” e, ao mesmo tempo, terá palanques
fortes nos Estados e tempo de propaganda na TV.
Nesse cenário, Boulos afirma que a esquerda
terá que fazer uma campanha suprapartidária, com “olho no olho” do eleitor e
gastando a sola dos sapatos.
Um comentário:
Perder eleição faz parte do jogo democrático,mas perder pra Bolsonaro só o diabo explica.
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