O Globo
Prezado presidente,
Meu nome é Bartolomeu Barreiros de Ataíde e
o senhor nunca ouviu falar de mim. Fui paraense e em 1644 pedi à Coroa
portuguesa autorização para procurar "uma grande mina " de ouro na região
do Araguaia.
Para dizer a verdade, eu já havia achado
alguma coisa e por isso havia sido preso. Os burocratas do Conselho Ultramarino
deram parecer contrário ao meu pedido. O senhor também teve
interesse pelo garimpo de ouro, para aborrecimento de seus superiores do
Exército.
Os espanhóis haviam achado uma montanha de
prata e em Potosi chegaram a viver 100 mil pessoas, rivalizando com Londres.
Sonhavam com uma Lagoa Dourada, um Rio do Ouro e com uma montanha de ouro nas
nossas matas. A montanha existia, mas só foi achada no século 20. Chamou-se
Serra Pelada e ficava no Araguaia. Dela restaram um buraco, histórias de
aventuras e as fotografias de Sebastião Salgado.
O senhor acaba de assinar um decreto facilitando o que denominou de "mineração artesanal". Isso não existe, o que há é um disseminado garimpo ilegal, que às vezes se associa a milícias da mata e ao crime organizado em torno do tráfico de drogas.
Digo-lhe isso porque eu queria garimpar
legalmente no Araguaia. Daqui vejo que a Amazônia de hoje é percebida de
maneira diferente. O
Brasil é confundido com inimigos do meio ambiente, dos povos indígenas e,
de certa forma, com a transgressão das leis. Numa hora dessas o senhor fala em
garimpo artesanal sabendo que, nos rios, esse artesanato demanda barcaças,
geradores e mercúrio. Artesanal era o garimpo do meu tempo.
Não vou discutir com a turma que lhe leva
conselhos. Quero viajar consigo pelos séculos. O que aconteceria se eu tivesse
chegado a Serra Pelada?
A mina dos sonhos fazia parte do Estado do
Grão Pará e do Maranhão, estava fora da jurisdição do governo de Salvador e,
depois, do Rio de Janeiro. Nessa época, as grandes potências da Europa
(Inglaterra, França, Holanda e Espanha) estavam se olho no sonho do Eldorado.
Eles construíam fortificações e nós as destruíamos. Isso, com gente que ia
atrás de sonhos e produtos da mata.
Imagine o que aconteceria se eles batessem
naquela montanha de onde, em poucos anos, tiraríamos 42 toneladas de ouro. Os
mineiros acharam muito ouro e meteram-se numa sedição, chegando a pedir ajuda
ao embaixador dos Estados Unidos na França. Nem saída para o mar eles tinham.
Acredite, o Grão Pará, ou um pedaço dele, iria embora do Brasil.
No meu tempo, Portugal defendeu a Amazônia
com unhas e dentes, mais tarde essa tarefa ficou com o Barão do Rio Branco, com
suas luvas de pelica. Através dos séculos o Brasil manteve sua soberania na
Amazônia em nome de um Estado que mantinha a região sob o império da lei e da
ordem. Nunca houve por lá muita lei nem muita ordem, mas o Estado nunca se
confundiu com a ilegalidade ou com a desordem.
De garimpeiro para garimpeiro: seu decreto
não seria aceito pelo Conselho Ultramarino. Depois da missa de ontem encontrei
o marquês de Pombal e comentei a ideia, como se fosse minha. Ele mandou que me
calasse para não ser posto a ferros. É um homem mau.
Atenciosamente,
Bartolomeu Barreiros de Ataíde
Um comentário:
O Bartolomeu histórico que eu conheço é o Bueno e não o Barreiros.
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