Por Daniel Pereira / Revista Veja
Ministro diz que as plataformas digitais
devem ser responsabilizadas pela difusão de conteúdos criminosos
O petista Paulo Pimenta costuma participar da primeira audiência diária do presidente Lula, quando analisam o noticiário, mapeiam os assuntos que dominam as redes sociais e traçam estratégias para a disputa política. Até agora, de acordo com ele, o governo tem sido bem-sucedido e só teve ganho de imagem, dentro e fora do Brasil, em cada um dos 45 dias iniciais de trabalho. Licenciado do mandato de deputado federal, o ministro tem formação em jornalismo, mas foi escolhido para o cargo em razão de outras credenciais. Filiado ao PT desde meados da década de 80, ele é reconhecidamente combativo e leal ao presidente. No auge da Lava-Jato, por exemplo, tomou a dianteira da pressão feita por parlamentares sobre o Supremo Tribunal Federal a fim de impedir que Lula, na época preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, fosse transferido para o presídio de Tremembé (SP). A seguir, os principais trechos da entrevista, em que o chefe da Secretaria de Comunicação do governo defende regulamentação para as plataformas digitais, diz que o Estado não deve se intrometer em questões que envolvam conteúdo e acusa Bolsonaro de estar envolvido até o pescoço com a tentativa de golpe em 8 de janeiro.
Em sua avaliação, qual o
papel ideal da imprensa na democracia?
A liberdade de imprensa é um pouco o
termômetro do momento histórico, da maturidade da democracia num determinado
país. Ter a garantia de uma imprensa livre, que possa exercer de forma plena a
capacidade de investigar, de cobrar e de denunciar, é algo que ajuda sempre.
Ajuda o governo e ajuda a democracia.
Em momentos recentes, houve
embates muito duros entre o governo e a imprensa. Isso é natural?
Da mesma forma que devem ser investigados e
cobrados, os governos devem ser reconhecidos como parte do processo político,
no qual ele é vidraça, mas também tem opinião sobre as coisas. O governo não
está imune de ter opinião no limite daquilo que é o processo democrático, que
não envolve perseguição, não envolve censura. Vou dar um exemplo. Saiu na capa
de um jornal uma fotomontagem simulando um tiro (no presidente Lula), e a Secretaria de Comunicação se
manifestou considerando aquilo um desserviço do ponto de vista jornalístico por
ser uma fotomontagem na semana em que o Palácio do Planalto tinha sido
quebrado. Isso é censura? Não é. É opinião do governo.
O senhor é favorável à
proposta de regulamentação dos meios de comunicação?
Esse debate está na Constituição e jamais
envolveu conteúdo, censura ou controle da informação. É um debate muito
mais de natureza empresarial, mas neste momento existem outras pautas da comunicação
tão mais presentes. Recentemente, vi uma conferência do ex-presidente Barack
Obama em que ele dizia se arrepender de não ter tratado de forma mais
aprofundada, durante o seu governo, do tema das plataformas, das chamadas big
techs. Segundo Obama, o fato de a sociedade não ter tratado desse assunto de
forma adequada permitiu um processo de corrosão da democracia. Esse tema é
muito mais atual.
Qual a proposta do governo no
caso das plataformas?
O governo ainda não tem uma opinião
conclusiva. Particularmente, eu acho que a ideia de que as plataformas não têm
responsabilidade sobre o conteúdo que veiculam não se sustenta. Esse é um
conceito derrotado pela vida real. Basta ver o que aconteceu aqui no processo
eleitoral, quando vimos o Judiciário de certa forma legislando, normatizando
mecanismos para proteger a democracia. É uma violação da liberdade de expressão
o Poder Judiciário determinar a remoção de conteúdos antidemocráticos que
questionaram a segurança das urnas eletrônicas? Eu acredito que não, porque o
conceito de liberdade de expressão é importante, mas relativizado por outro,
que é o direito coletivo, o direito da sociedade, da democracia.
Qual o problema central na
atuação das plataformas?
O modelo de negócio das big techs não pode
se sobrepor ao interesse público e ao conjunto de outros valores que estão em
debate nessa questão. Se o Estado não afirmar que essas plataformas não podem
ganhar dinheiro divulgando conteúdo criminoso, elas vão seguir em frente.
Transmitiram ao vivo o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Ganharam
dinheiro, e quem estava transmitindo também ganhou dinheiro. Se a plataforma
recebe publicidade, se há postagem impulsionada nela, a plataforma é mídia e,
portanto, deve receber o mesmo tratamento que o restante da mídia recebe. Deve
responder judicialmente por aquilo que divulga.
Esse quadro que o senhor
descreve contribuiu para eventos como o 8 de janeiro?
Acredito que sim. A falta de regulação
acabou sendo uma ferramenta importante para a disseminação de ideias
autoritárias e teorias conspiratórias. Precisamos formar um consenso
progressivo na sociedade de que o impulsionamento e a monetização de conteúdo
antidemocrático é um ato criminoso, que não pode ser veiculado livremente sem
que a plataforma seja corresponsável. Muitas vezes, a gente reduz esse tema só
para a dimensão da política, mas ele é bem mais amplo e envolve, por exemplo, a
saúde pública. Hoje, o cidadão está em casa e recebe um link que vende um
remédio que não existe, produzido em fundo de quintal, sem autorização da
Anvisa. A plataforma não tem nenhuma responsabilidade sobre isso?
Qual o plano do governo para
combater as fake news?
Desinformação é outra coisa, é disputa de
narrativa, e aí o tratamento deve ser outro. Sou absolutamente contrário a
qualquer ideia de que o Estado deva regular a disputa de conteúdo, de versão,
de narrativa. Agora, acho que a sociedade deve fazer um esforço para construir
um espaço saudável por onde a informação transite e para que as pessoas que
compartilhem fake
news tenham vergonha da prática e tenham clareza de que se
trata de uma conduta reprovável do ponto de vista social. Quando eu era
criança, as pessoas faziam piadas homofóbicas e racistas. Hoje, quem faz é
tratado como uma pessoa vil.
A ideia, equivocada, de que a
vacina pode fazer mal à saúde é fake news ou disputa de
narrativa?
Eu fiz a mesma pergunta à ministra da Saúde
(Nísia Trindade). Ela me disse que a
comunidade científica internacional tem uma posição consolidada que sustenta
que a vacina funciona e que não existem estudos respeitados em nenhum lugar do
mundo que digam o contrário. O cidadão que divulga a cloroquina, impulsiona esse
negócio, comete crime. Cabe ao Ministério Público e aos órgãos de fiscalização
e controle tomar as providências, e às plataformas não permitirem que essa
informação circule.
Que tipo de fake news ou de narrativa mais
atrapalhou até agora o novo governo?
Estes 45 dias iniciais foram muito
favoráveis ao governo, dentro e fora do Brasil, do ponto de vista de imagem. Eu
tenho um método de trabalho: chego ao final do expediente e faço um balanço
sobre se o dia foi bom ou não. Dos 45 dias, ganhamos em todos. Não perdemos em
nenhum deles a narrativa de fatos positivos e importantes para o país.
Qual foi o melhor dia?
Foi o da posse. E o pior foi o do
quebra-quebra.
Alguns analistas avaliam que,
apesar da tragédia, o 8 de janeiro acabou produzindo um cenário político
favorável para o governo.
O dia em si foi muito ruim para todos. Já o
dia seguinte foi muito importante, porque às 9 da manhã, com o palácio
quebrado, estavam reunidos aqui os chefes dos três poderes mostrando para a
sociedade e o mundo que o que tinha sido atingido era o espaço físico das
instituições, mas que elas funcionavam normalmente. O presidente saiu daquela
reunião e se encontrou com os comandantes militares. Depois, começou a receber
ligações de chefes de Estado, reuniu-se com todos os governadores e junto com
os chefes dos poderes atravessou a praça para ir ao Supremo. Aquele dia foi um
dos mais importantes para a democracia. A resposta foi dada.
Houve efetivamente uma
tentativa de golpe?
Houve. Ocorreu uma ação ao mesmo tempo na
sede dos três poderes, e qualquer um dos poderes poderia ter convocado uma GLO
(a Garantia da Lei e da Ordem levaria o Exército
às ruas), o que poderia ter consequências imprevisíveis. A reação
das instituições foi muito importante naquele momento. A partir dali,
reduziu-se e muito a expectativa daqueles que imaginavam que ainda era possível
algum tipo de ruptura. Até ali, essa ideia estava presente em algumas figuras,
como no próprio Bolsonaro e em alguns militares. Eles não foram derrotados no
dia da eleição. Foram derrotados no 8 de janeiro, que obrigou as pessoas a
escolherem de que lado querem ficar.
O ex-presidente Bolsonaro tem
de ser responsabilizado pelo ocorrido?
Se as investigações conduzidas pelo Supremo
Tribunal Federal levarem à sua participação, de seus familiares e de pessoas
próximas a eles, todos devem responder como qualquer outra pessoa pelos crimes
que cometeram. Agora, minha opinião é que o ex-presidente está até o pescoço
envolvido nessa tentativa de golpe.
Como chefe da Comunicação do
governo, o que o senhor gostaria de construir em relação à imagem do presidente
Lula?
Um presidente que não é o presidente só de
quem votou nele, de quem só concorda com as ideias dele. Um presidente que é
capaz de promover um grande processo de reencontro nacional, de criar um
ambiente de superação da intolerância, do ódio, desse sentimento que divide a
sociedade e até as famílias.
Quando se refere a Bolsonaro
como genocida, Lula não corre o risco de desagradar aos 58 milhões de eleitores
do ex-presidente e de aprofundar a divisão?
O ponto de partida deve ser o 8 de
janeiro, e não o dia da eleição. Uma parcela da sociedade que votou no
Bolsonaro abriu uma porta para que a gente possa buscar a recomposição do
diálogo. E uma repactuação não pode ser sinônimo de impunidade. Todas as
sociedades modernas que tiveram democracias consolidadas fizeram um processo
agudo de responsabilização da conduta de líderes políticos que incentivaram
essas sociedades a mergulharem em crises civilizatórias e humanitárias. Quando
o presidente se refere ao ex-presidente dessa forma é porque ele tem uma
compreensão de que, se o ex-presidente tivesse agido de outra maneira, centenas
de milhares de mortes que ocorreram no Brasil poderiam ter sido evitadas.
Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de
2023, edição nº 2829
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