O Globo
A dinâmica criada pelas falas de Lula na
economia ameaça seu próprio projeto, foi o que ouvi de pessoas de fora do
Executivo
A relação de ministros e funcionários graduados da área econômica, e até de outras áreas, com o Banco Central não é problemática. É cooperativa e franca. Circulei na semana que passou em Brasília e constatei isso na prática. Mesmo assim, o país parece estar vivendo um conflito na economia pela maneira como o presidente da República fala do Banco Central ou sobre temas econômicos. Lula tem se comunicado de forma errática e sem estratégia e provocado muitos ruídos. Como a palavra de um presidente é sempre muito forte, quando ele fala, autoriza outras pessoas do governo, ou do seu partido, a dispararem suas opiniões sobre economia. Nessa torre de babel quem se enfraquece é o ministro da Fazenda.
O presidente Lula, segundo pessoa que
acompanha esse debate interno, tem ansiedade para cumprir as promessas que fez.
Natural. E tem conseguido. A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda,
o aumento do salário mínimo, a nova formatação no Bolsa Família, o Desenrola
que está para sair, são promessas que já estão sendo entregues. A faixa de
isenção foi para dois salários mínimos, e Lula queria R$ 5 mil. Mas 61% do
universo das pessoas que ganham até R$ 5 mil são atendidas pela decisão porque
ganham até R$ 2.640. Estão, portanto, contempladas pelo primeiro passo dado
pelo governo. Se tudo fosse atualizado imediatamente o custo fiscal seria de R$
130 bilhões. Por isso a equipe econômica propôs ir gradualmente para a meta.
Ouvi de duas autoridades do Judiciário nessa
semana que não entendem a briga do presidente Lula com o Banco Central. Ouvi o
mesmo dentro do Executivo. É errada a ideia de que a autonomia é de direita.
Foi o trabalhista Tony Blair quem propôs a independência do Banco da
Inglaterra. Margaret Thatcher era contra. Ela achava que isso reduziria o medo
que a sociedade tinha dos trabalhistas. No Chile, o BC independente se
consolidou nas administrações da Concertación. O presidente Joe Biden
reconduziu Jerome Powell, o presidente do Fed indicado por Donald Trump. Por
isso o despropósito da frase de Lula, na entrevista à CNN, de que poderia sim
brigar com Roberto Campos Neto porque “ele não foi indicado por mim”. Ora, a
ideia da autonomia é exatamente essa. O país está cansado de ver um presidente
da República atirando contra instituições, órgãos e braços do Estado. Foi assim
durante quatro anos. Disso os eleitores que deram maioria a Lula queriam se
livrar.
Lula falou com saudosismo do tempo em que
os juros subiam meio ponto e a TJLP caía meio ponto para ajudar os empresários.
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, havia dito que não ressuscitaria a
TJLP. Tomara que ela não volte mesmo, porque foi um canal de doação de recursos
públicos para os muito ricos. Aumentar o subsídio para o capital para compensar
a alta de juros reinstalaria uma espiral nefasta, em que a política monetária
ia para um lado, a política fiscal, para o outro. Isso aconteceu no governo
Bolsonaro. O BC teve que subir mais os juros porque o Ministério da Economia
deu estímulos fiscais para tentar ajudar a campanha do então presidente.
Os erros na economia se acumulam. Os
acertos em outras áreas são muitos. Quando o governo anuncia uma força tarefa
para combater o crime no Vale do Javari e nomeia a antropóloga Beatriz Matos,
viúva de Bruno Pereira, para o cargo de coordenadora-geral de povos indígenas
isolados e de recente contato não poderia estar acertando mais. Beatriz é da
Funai, é qualificada para o cargo e conhece bem o Vale do Javari, onde há o
maior número de povos isolados. No governo anterior, a vaga chegou a ser
ocupada por um missionário, não funcionário do órgão e ligado a uma entidade
com um longo histórico de violência cultural contra os indígenas. A antropóloga
disse, ao aceitar a indicação, que a fazia “com esperança, alegria e saudade”.
O governo conduz uma transição delicada.
Está contrariando interesses, muitas vezes do crime, quando se trata das
políticas ambiental e indígena. Nessa travessia todo o cuidado é pouco. Uma
autoridade do Judiciário me disse que o governo Lula precisa se “consolidar” o
mais rapidamente possível, porque “o dia 8 de janeiro ainda não acabou”. É
nesse painel de crise, temores e tremores que o governo Lula vai trabalhando
nesse pouco mais de um mês e meio. Errar na economia colocará em risco o edifício
democrático cujas bases o país só começou a fortalecer.
A dinâmica criada pelas falas de Lula na
economia ameaça seu próprio projeto, foi o que ouvi de pessoas de fora do
Executivo
4 comentários:
Virtuose.
Elevado conhecimrnto.
Habilidade na forma de sua abordagem.
Domínio de sua atividade.
"A dinâmica criada pelas falas de Lula na economia ameaça seu próprio projeto, foi o que ouvi de pessoas de fora do Executivo"
Eu ouvi o contrário.
O país ouve e entende da mesma forma que a Jornalista. O “novo cercadinho” está se complicando com tanta asneira que fala, como o anterior. “Quem não aprende com a História arrisca a repetí-la “
Lula não consegue ser perfeito,adoraria morar num planeta regido pela perfeição.
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