O Globo
Preocupação com os juros altos não se
traduz em maior cautela do governo
Assim como médicos anseiam que o remédio
prescrito seja bastante eficaz, curando a doença rapidamente, sem maiores
dosagens e efeitos colaterais, os banqueiros centrais desejam que a política
monetária restritiva combata tempestivamente a inflação com efeito moderado na
atividade econômica.
Para tanto, adotam estratégias para o
melhor resultado de suas ações. Médicos alertam, com rigor, os pacientes sobre
a necessidade de seguirem corretamente as recomendações. Banqueiros centrais
adotam discurso conservador até que o combate à inflação esteja seguro, visando
conter remarcações de preços. Essa tem sido a estratégia do presidente do Fed,
Jerome Powell, bem como de Roberto Campos Neto ao sinalizar que não pretende
cortar a Selic tão cedo.
O discurso duro, pouco compreendido pelos críticos do BC, faz parte da estratégia para aumentar a eficácia da política monetária, algo particularmente importante no Brasil, dadas as evidências de ela não ser muito potente.
Algumas razões para isso são o mercado de
crédito segmentado, em que 40% da concessão provém de linhas menos sensíveis ao
ciclo dos juros básicos (crédito direcionado); a elevada participação, de 40%,
de títulos pós-fixados no total da dívida pública interna, o que significa que
quando os juros sobem, o rendimento dos papéis sobe também, aumentando a renda
dos investidores; e a indexação ainda presente nos contratos.
Enquanto não tivermos um regime fiscal
robusto, por período prolongado, de modo a promover um ambiente macroeconômico
estável, é praticamente inviável remover essas proteções demandadas pela
sociedade.
Assim, é necessário cuidado extra do
governo para não afetar negativamente as expectativas dos agentes econômicos, a
ponto de aumentar o mal-estar na economia. Não é, porém, ao que se assiste.
É compreensível a preocupação do governo
com os juros altos. Seu impacto na economia já se faz sentir. Só não apareceu
antes por conta, entre outros, do quadro internacional muito favorável
(crescimento do comércio mundial e preços de commodities elevados), que
camuflou seu efeito. Basta examinar a melhor performance relativa da atividade
de estados exportadores de commodities — mesmo a indústria se beneficiou
marginalmente, com aumento de volume e preços de exportação ao longo de 2022.
A preocupação, no entanto, não se traduz em
maior cautela do governo, que tem sido uma fábrica de ruídos e incertezas em
relação à condução da economia. Assim, se obstruem os próprios canais da
política monetária sensíveis às expectativas.
O canal do câmbio é um deles. A alta dos
juros deveria contribuir para o real mais valorizado no curto prazo, ajudando
na luta contra a inflação. Não é o que ocorre por conta de tantos ventos
contrários produzidos pelo governo. Considerando que o dólar tem se depreciado
no mercado internacional, seria esperada uma taxa de câmbio em torno de
R$4,70/US$, e não o R$ 5,20 atual. Assim, a tendência é de maior rigidez da
inflação, sem necessariamente estimular o PIB pela eventual melhora da balança
comercial, enquanto a elevada volatilidade do câmbio prejudica bastante o setor
produtivo.
O canal das expectativas inflacionárias
também passou a jogar contra. Mesmo as projeções de longo prazo (2025-27),
antes ancoradas, estão agora acima da meta (3,6% ante meta de 3%) — e não se
resolve o problema aumentando a meta.
A confiança de empresários também acende
luz amarela. O índice de expectativas dos empresários já recuou 10 pontos desde
outubro – está em 86 pontos em uma escala de 0 a 200, onde 100 significa
neutralidade. As consequências do pessimismo podem ser a menor disposição para
contratar mão de obra e investir.
Outra manifestação de mal-estar é o encolhimento
do prazo médio da dívida pública interna, que ficou em 3,76 anos em dezembro
ante 3,88 em outubro. Esse movimento de busca por segurança dificulta a gestão
da dívida pública, bem como o financiamento de longo prazo de investimentos do
setor privado. Os eventos de crédito, como o da Americanas, são agravantes. O
resultado da deterioração das expectativas é que a atividade econômica será
mais impactada, mas sem se traduzir em uma queda mais rápida da inflação, uma
vez que os ruídos causados alimentam a percepção de menor compromisso com a
inflação baixa.
E quando a fatura chegar, o BC ainda corre
o risco de levar a culpa.
2 comentários:
Lá vem a Zeina descendo a ladeira
Pois é...
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