Valor Econômico
Em 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ficou atrás do ex-presidente Jair Bolsonaro em todos os nove Estados
brasileiros com a maior base de declarantes de Imposto de Renda da Pessoa
Física em relação à População Economicamente Ativa (PEA).
Entre os nove Estados com menos declarações
de IR sobre a PEA, venceu no segundo turno em oito (a exceção é o Amapá).
O dado é um sinal eloquente sobre qual é o público que Lula pretende sensibilizar ao propor o aumento da isenção do Imposto de Renda para o limite até R$ 5 mil e a diminuição do desconto para quem recebe até R$ 7 mil. O efeito político da aprovação do projeto, caso se concretize, será sentido com mais força na classe média dos Estados do Sudeste e do Sul, segmentos em que a aprovação do governo claudica nas pesquisas.
O número de beneficiados é incerto, mas
expressivo. O Ministério da Fazenda divulgou que seria algo como 10 milhões de
CPFs. Um levantamento feito pela Unafisco em março sugere que este contingente
pode ser maior. Caso o limite de isenção fosse elevado para R$ 5.211, zerando a
defasagem do IPCA sobre a tabela de correção desde 1996, um total de 12,938
milhões de contribuintes poderiam entrar na condição de isentos no próximo ano.
A falta de correção na tabela estava fazendo com que a base de declarantes crescesse
a uma razão de 11% ao ano desde 2007.
O nível de impostos no Brasil é um dos
gatilhos da insatisfação popular com o governo. Um levantamento internacional
feito pela Ipsos entre 20 de dezembro e 4 de janeiro indicou que 28% dos
entrevistados se preocupam com o tema, ante 19% da média mundial. Diferença
acima de tal ordem só foi identificada no quesito “Saúde”, de acordo com a
pesquisa.
É difícil construir um discurso contra o
projeto alegando injustiça em relação à compensação proposta, de taxar mais
ganhos acima de R$ 50 mil ao mês. Dados oficiais confirmam a percepção de senso
comum de que rico no Brasil paga pouco imposto. Um levantamento feito pela
Receita Federal com base em dados das declarações de 2021 e 2022 indicam que
51,5% da renda e 58,6% da riqueza está concentrada em 10% dos declarantes (45,4
milhões é a previsão deste ano). O 1% do topo da cadeia alimentar fica com 23,9%
da renda e 32,2% da riqueza. A compensação proposta pelo projeto atinge o topo
deste topo, um universo de 141 mil contribuintes, ou 0,3% do total esperado.
Um levantamento da Nexus Inteligência feito a
pedido do Valor confirma essa dificuldade de se opor publicamente a um projeto
de tom tão popular. Nas postagens opinativas com maior viralização nas redes
sociais, 82% eram favoráveis à proposta e apenas 18% contrários. As publicações
de caráter opinativo a favor da proposta geraram 50% do engajamento, quando se
leva em consideração também os posts neutros, de teor informativo, veiculados
por grandes portais como g1 ou UOL. A proposta corre sim risco de não avançar
ou ser descaracterizada no Congresso, por conta da débil articulação política
do governo, mas não sem risco para quem se dispuser a freá-la.
O levantamento da Nexus indica, entretanto,
que a comunicação sobre a proposta começou com problemas. O tema não provocou
muita emoção nas redes sociais. Na mais politizada delas, o X, teve maior
repercussão a manobra do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de se licenciar do
mandato para permanecer nos Estados Unidos fazendo “lobby” pela intervenção
externa contra as decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre
Moraes.
A licença do filho do ex-presidente foi cinco
vezes mais comentada que o projeto sobre o Imposto de Renda, e ultrapassou em
repercussão até mesmo polêmicas sem relação com a política, como a que envolveu
a frase racista de Alejandro Domínguez, o cartola da Conmebol que disse que a
Libertadores sem times brasileiros era como o “Tarzã sem a Chita”.
A elevação da isenção do Imposto de Renda
para R$ 5 mil já havia sido anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, em novembro do ano passado, no fatídico anúncio casado com as medidas
de ajuste fiscal, com péssima repercussão no mercado financeiro.
Na ocasião o aceno em relação ao Imposto de
Renda teve repercussão zero na opinião pública. O tema simplesmente não foi
mencionado quando a pesquisa Genial/Quaest de dezembro de 2024 perguntou aos
entrevistados qual notícia positiva lembravam em relação ao governo.
Será diferente agora? Há um determinado ponto
de cristalização de impopularidade de um governo que dificulta qualquer
controle de narrativa. Assim como existe a “dominância fiscal”, momento em que
a elevação da taxa de juros deixa de surtir determinados efeitos
macroeconômicos, há um momento também de dominância política, em que tudo que o
governo tenta para reverter a impopularidade dá errado, inclusive diversas
iniciativas em que, fossem outras as circunstâncias, teriam efeito positivo
mais destacados. Bolsonaro passou por isso em 2022: controle do preço da
gasolina na marra, gastos sociais em plena campanha eleitoral, nada resolveu.
Ainda não é possível dizer que Lula chegou a este estágio, antes de pelo menos
mais duas rodadas de pesquisas.
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