O Estado de S. Paulo
Solução para os órgãos de Justiça
assoberbados não está no sacrifício do direito de bater às suas portas. Não
enterrem o direito de petição, um direito constitucional da cidadania
O Estado atribuiu as suas funções essenciais
aos chamados Poderes da União, cada qual com objetivos e regramentos
específicos, dando-lhes independência e harmonia entre si, com o escopo comum
de atender às necessidades da sociedade, mantendo-a pacífica e harmônica.
O relacionamento interpessoal pode conduzir a
conflitos na medida em que interesses opostos são colocados em disputa por seus
respectivos titulares. Nesse momento, deverá prevalecer a lei a ser declarada
pelo Poder Judiciário, que tem no advogado um partícipe indispensável, para
elidir o conflito surgido.
Uma característica desse Poder é a inércia. A sua atuação só se dá quando ele for acionado pelo cidadão detentor de um dos interesses contrariados. Por outro lado, o acesso à Justiça não é concedido ao jurisdicionado de forma direta. Necessariamente, ele deverá recorrer a um advogado, que se tornará o seu porta-voz, o seu canal de ligação com o Judiciário.
Desta forma, observa-se que a voz dos
advogados passa a ser a voz do jurisdicionado, devendo, portanto, ser livre,
independente, plena e encontrar eco junto aos seus destinatários, que são os
juízes. Qualquer restrição à sua fala representa um cerceamento ao exercício do
direito de postular em juízo, atribuído a todo e qualquer cidadão.
O ordenamento jurídico pátrio outorgou ao
bacharel em Direito, devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, a
denominada capacidade postulatória para transmitir aos órgãos judiciais as
pretensões de seus representados. Essa função é exercida com exclusividade
pelos advogados, apenas eles estão habilitados a movimentar a máquina da
Justiça para a solução do conflito que é por ele deduzido.
Por essa singela exposição, percebe-se que um
dos Poderes do Estado existe unicamente em função de as relações interpessoais
serem potencialmente conflituosas e da necessidade de esses conflitos serem
solucionados por meio da aplicação da lei. Esse Poder, portanto, tem a sua
existência vinculada ao cidadão jurisdicionado. É ele que o aciona, por
intermédio do advogado, para que prevaleça o ordenamento jurídico.
A forma primitiva da elisão das discórdias
interpessoais era a supremacia do mais forte sobre seu adversário,
inferiorizado pelas mais diversas razões, a começar pela força física, passando
pela posição social, o poder econômico, a posição política e tantos outros
fatores.
Com a organização do Estado, a resolução das
discórdias interpessoais passou a ser uma de suas missões. No entanto,
realça-se que a advocacia antecede ao próprio Poder Judiciário. O primeiro
advogado foi o primeiro homem que se dispôs a falar em nome de outrem para
defendê-lo contra algum oponente.
Pois bem, a atuação dos advogados tem a sua
existência condicionada às crises sociais, de natureza individual e coletiva.
Interferimos para conduzir ao Poder Judiciário as postulações dos cidadãos que
anseiam pela solução de suas pendências conflituosas.
Portanto, não é de difícil percepção que
tanto a postulação em nome de terceiro, missão da advocacia, quanto a
apreciação e a decisão das questões deduzidas perante os magistrados, tarefa do
Judiciário, dependem da provocação do jurisdicionado. É ele, assim, a razão de
ser das instituições que compõem o sistema de Justiça.
Essas divagações estão sendo feitas pois a
mim parece que especialmente o Judiciário está olvidando esta verdade: a
Justiça existe em função dos conflitos que surgem em sociedade, envolvendo os
seus integrantes, cidadãos que batem às portas dos tribunais, por intermédio
dos seus advogados.
A Constituição federal alinhou os objetivos e
princípios norteadores de cada instituição e a lei ordinária normatizou o
desempenho das funções a elas atribuídas. Vê-se, como exemplo, o artigo 133 da
Carta Maior, que declara o advogado indispensável à administração da Justiça.
Pois bem, é com esse proposital exemplo que
afirmo, sem medo de errar, que nos dias de hoje a Justiça está sofrendo uma
significativa alteração em sua estrutura, modo de atuação e até em seus
objetivos naturais e originários.
Explico: o jurisdicionado cidadão não mais
está sendo ouvido de forma integral. A sua voz está sendo mitigada, cerceada,
quase que calada. Na verdade, quando me refiro ao jurisdicionado, estou falando
dos que falam por eles: nós, os advogados.
O Judiciário está interferindo indevidamente
no desempenho da advocacia. Está, literalmente, querendo nos calar. E por quê?
Parece-nos que para ele nós atrapalhamos, falamos muito, incomodamos.
A última limitação ao exercício da advocacia
atinge as sustentações orais. Querem impedir-nos de usar a palavra. No seu
lugar, deveremos enviar vídeos. Algum juiz os verá? Nós, advogados, temos
boa-fé, mas não somos ingênuos. Claro que não. Mas saibam que não somos nós os
prejudicados, e sim o cidadão brasileiro.
Os órgãos de Justiça estão assoberbados, isso
é verdade. Mas a solução não está no sacrifício do direito de bater às suas
portas. Aumentem o número de magistrados, criem outros tribunais, criem
barreiras à protelatória litigância de alguns entes públicos. Mas não enterrem
o direito de petição, que é um direito constitucional da cidadania.
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