Correio Braziliense
A democracia, de que hoje desfrutamos, foi
construída com muitas dificuldades
Fiquei profundamente emocionado no Senado e
na Câmara dos Deputados quando comemoramos os 40 anos de democracia no Brasil.
Recordei que, aos 25 anos, no Rio de Janeiro, no Palácio Tiradentes, onde
funcionava a Câmara dos Deputados, eu jurava, pela primeira vez na vida,
cumprir os deveres do mandato, de defender a Constituição e as leis do país.
Depois, por mais uma vez no Rio, em 1959, novamente cumpria essa solenidade. Em
1960, quando Juscelino Kubitschek transferiu a capital para Brasília,
transferia-me para esta cidade, de malas e bagagens, e aqui estou há 65 anos.
Nesse período estão incluídos os 40 anos que passei no Senado, sendo hoje o
político mais longevo do país.
Tudo isso se passava em minha cabeça, chegando aos momentos trágicos da doença de Tancredo Neves e, depois, com sua morte, indo à Câmara dos Deputados, onde jurei cumprir a Constituição, que seria revogada, uma vez que convoquei a Constituinte que iria elaborar a Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, como a chamou Ulysses Guimarães.
Assumi a Presidência levitando, tomado pela
antevisão dos problemas que iria enfrentar. Com habilidade, consegui
legitimar-me e sobreviver.
Pacifiquei o país. Enfrentei 12 mil greves
que ameaçavam jogar o Brasil na desordem. Nesse momento não contava com o apoio
de grande parte do meu partido, nem dispunha do capital político de Tancredo
Neves. Como vice-presidente, não escolhera o Ministério nem participara da
elaboração do plano de governo.
Foram cinco anos de profundas emoções e
lutas. A democracia, de que hoje desfrutamos, foi construída com muitas
dificuldades. Dei a minha contribuição, sofrendo grandes ataques da
mídia.
Mas deixei o país no exercício tão pleno da
democracia que passei o governo a um opositor que fora muito agressivo em
ataques durante a campanha.
A Fundação Astrojildo Pereira e o Instituto
Cidadania, com o apoio do Correio Braziliense — que realiza notável exposição
desses 40 anos com fotos históricas — realizaram uma solenidade no Panteão da
Pátria, que, pela primeira vez, abriu suas portas para celebrar a democracia.
Nessas comemorações dos 40 anos, vivi
profundas emoções, até comoção, pelas lembranças da minha vida: nascido numa
pequena casa de 50 metros quadrados, em Pinheiro, pequeníssima cidade — naquela
época de apenas duas ruas —, somente com a presença de meu pai, minha avó, da
parteira e da empregada, Emília, que me encheu de carinho por toda a infância.
Chovia, e abri meus olhos para o mundo. E nada mais belo do que a terra
natal.
Máximo Gorki, famoso escritor russo, dizia
que os batentes de sua aldeia eram mais belos do que os vitrais da Catedral de
Strasbourg, considerados os mais belos do mundo.
Tudo isso me tomou nesses dias. Os discursos
que ouvi de senadores, deputados, ministros me destruíram a vaidade, mas não a
humildade.
Aí está o país gozando dos ventos da
liberdade. O povo dono do seu destino. A cidadania exercida em sua plenitude.
A democracia não resolve outros problemas
senão os da liberdade, dos direitos individuais e civis. Mas a nossa democracia
foi além. Avançou nos direitos sociais.
Deixamos uma Constituição que assegurou ao
Brasil 40 anos de democracia sem rupturas institucionais. Sem nova
Constituição, não estaria completa a redemocratização. Ela é o coração da
transição democrática.
Peço desculpas aos meus leitores pela
vaidade. Perdoem-me. É um desabafo ameno. Vivi tantas emoções nesta semana que
não tive tempo senão de confessar essas minhas fraquezas.
Mas a democracia tem que permanecer
vigilante. Sempre tem inimigos. E o país não pode ficar dividido, repito, com
uns condenados à salvação, e outros, à perdição. Fim da luta entre amor e ódio.
Todos somos irmãos.
E o dever dos políticos é defender o espírito
de união, a esconjuração da desonestidade e a busca da paz.
*Ex-presidente da República, escritor e
imortal da Academia Brasileira de Letras
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