sexta-feira, 21 de março de 2025

Lembo, o liberal que incomodou a ‘elite branca’ - Bernardo Mello Franco

O Globo

Ex-governador de São Paulo surpreendeu seus pares ao criticar a classe dominante

Cláudio Lembo havia acabado de assumir o governo de São Paulo quando o PCC deixou o estado de joelhos. A facção promoveu uma onda de atentados e matou mais de 50 policiais e bombeiros. Num revide sangrento, encapuzados executaram cinco centenas de civis.

O massacre de maio de 2006 jogou luz sobre o ex-vice de Geraldo Alckmin, que renunciara para concorrer ao Planalto. Com longa trajetória em partidos de direita, Lembo surpreendeu ao cobrar a responsabilidade das elites. “Temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa”, afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo.

O governador relacionou a violência à concentração da riqueza. “A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira”, disse. “Quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como nos EUA. Então é um país cínico”, criticou.

As declarações fizeram seus colegas de PFL vestirem a carapuça. Exaltado, o senador Antonio Carlos Magalhães disse que Lembo tinha “cara de burro”. “Isso é típico de senhor do engenho. Tudo o que eu disse sobre a burguesia branca ficou caracterizado na frase dele”, reagiu o ofendido.

Lembo era insuspeito de esquerdismo. Professor de Direito e ex-reitor do Mackenzie, autor de livros como “Testemunho de um liberal” (1979), já havia dirigido a Arena, sigla de apoio à ditadura, e colaborado com gestões de Jânio Quadros e Paulo Maluf.

Ele deixou a ribalta no fim do ano, mas sua independência continuou a incomodar a classe dominante. Quando João Doria liderou artistas e socialites no movimento “Cansei”, de oposição a Lula, Lembo disse que aquilo era coisa de “dondocas enfadadas com suas vidas enfadonhas”. Quando a garotada da periferia ensaiou “rolezinhos” em shoppings paulistanos, zombou das vozes que clamavam pela PM: “Isso não é problema de polícia. Os jovens não estão fazendo nada de errado”.

No fim de 2015, quis saber como Lembo via as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Mais uma vez, ele foi na contramão de seus pares. “A elite branca está furiosa”, ironizou. “A lei exige um crime de responsabilidade, o que não vejo. Ninguém diz que a presidente enriqueceu”, sentenciou

Lembo continuava a se descrever como um conservador. Quando perguntei o que os aliados pensavam de suas opiniões, desconversou: “Estou velho. Não querem mais saber de mim”. O ex-governador ainda viveria mais uma década. Morreu nesta quarta-feira, aos 90 anos.

 

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