O Globo
Ex-governador de São Paulo surpreendeu seus
pares ao criticar a classe dominante
Cláudio Lembo havia acabado de assumir o
governo de São Paulo quando o PCC deixou o estado de joelhos. A facção promoveu
uma onda de atentados e matou mais de 50 policiais e bombeiros. Num revide
sangrento, encapuzados executaram cinco centenas de civis.
O massacre de maio de 2006 jogou luz sobre o ex-vice de Geraldo Alckmin, que renunciara para concorrer ao Planalto. Com longa trajetória em partidos de direita, Lembo surpreendeu ao cobrar a responsabilidade das elites. “Temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa”, afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo.
O governador relacionou a violência à
concentração da riqueza. “A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para
poder sustentar a miséria social brasileira”, disse. “Quando os escravos foram
libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como nos
EUA. Então é um país cínico”, criticou.
As declarações fizeram seus colegas de PFL
vestirem a carapuça. Exaltado, o senador Antonio Carlos Magalhães disse que
Lembo tinha “cara de burro”. “Isso é típico de senhor do engenho. Tudo o que eu
disse sobre a burguesia branca ficou caracterizado na frase dele”, reagiu o
ofendido.
Lembo era insuspeito de esquerdismo.
Professor de Direito e ex-reitor do Mackenzie, autor de livros como “Testemunho
de um liberal” (1979), já havia dirigido a Arena, sigla de apoio à ditadura, e
colaborado com gestões de Jânio Quadros e Paulo Maluf.
Ele deixou a ribalta no fim do ano, mas sua
independência continuou a incomodar a classe dominante. Quando João Doria
liderou artistas e socialites no movimento “Cansei”, de oposição a Lula, Lembo
disse que aquilo era coisa de “dondocas enfadadas com suas vidas enfadonhas”.
Quando a garotada da periferia ensaiou “rolezinhos” em shoppings paulistanos,
zombou das vozes que clamavam pela PM: “Isso não é problema de polícia. Os
jovens não estão fazendo nada de errado”.
No fim de 2015, quis saber como Lembo via as
manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Mais uma vez, ele foi na
contramão de seus pares. “A elite branca está furiosa”, ironizou. “A lei exige
um crime de responsabilidade, o que não vejo. Ninguém diz que a presidente
enriqueceu”, sentenciou
Lembo continuava a se descrever como um
conservador. Quando perguntei o que os aliados pensavam de suas opiniões,
desconversou: “Estou velho. Não querem mais saber de mim”. O ex-governador
ainda viveria mais uma década. Morreu nesta quarta-feira, aos 90 anos.
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