sexta-feira, 21 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação da PF contra tráfico de armas é exemplar

O Globo

Em vez de disparar tiros a esmo, com risco à população, investigação cercou o flanco financeiro dos criminosos

Foi oportuna e exemplar a operação da Polícia Federal (PF) deflagrada nesta quinta-feira para combater o tráfico internacional de armas, responsável por abastecer organizações criminosas que infernizam a vida dos brasileiros. Em vez de disparar tiros a esmo que, além de pouco resultado prático, trazem riscos à população de áreas conflagradas, a PF desmantelou a quadrilha por meio de inteligência, longa investigação e cooperação entre diferentes órgãos. A operação cercou o flanco financeiro da organização criminosa, mirando no bolso dos traficantes.

A PF desbaratou uma quadrilha acusada de ter enviado, ao longo dos últimos anos, 2 mil fuzis de Miami, nos Estados Unidos, para comunidades do Rio dominadas pelo Comando Vermelho. As investigações começaram em 2017, quando foram apreendidos 60 fuzis no Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão. As armas, de uso restrito, estavam escondidas numa carga de aquecedores de piscina.

Um dos alvos da ação, batizada Cash Courier, foi o policial federal aposentado Josias João do Nascimento, conhecido como “Senhor do senhor das armas”, segundo reportagem do Bom Dia Rio, da TV Globo. Era ele quem chefiava o bando que, durante anos, foi comandado por Frederik Barbieri, considerado o maior traficante de armas do Brasil. Desde 2018, o brasileiro Barbieri está preso nos Estados Unidos, onde cumpre pena de 12 anos e oito meses de prisão por tráfico internacional de armas.

Agentes da PF cumpriram 14 mandados de busca e apreensão em condomínios de luxo e empresas ligadas a integrantes da quadrilha na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio. Em alguns endereços, os acusados reagiram a tiros, e um miliciano que atirou foi preso em flagrante. A Justiça determinou sequestro e bloqueio de bens e ativos de todos os suspeitos, avaliados em R$ 50 milhões.

De acordo com as investigações, a quadrilha usava pessoas físicas e jurídicas para comprar imóveis e outros bens, de modo a lavar o dinheiro obtido com o tráfico. Os acusados responderão pelos crimes de tráfico internacional de armas, organização criminosa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção ativa e passiva. A operação, fruto de integração de órgãos estaduais e nacionais, como Ministério Público Federal, Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos (Cifra) da Polícia Civil e Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), é um desdobramento da Senhor das Armas, que apreendeu a carga de fuzis em 2017.

Combater o tráfico de armas e drogas tem sido um desafio para as autoridades de segurança. As cargas vêm do exterior e entram no país sem dificuldades pelas mais variadas rotas, mesmo as menos prováveis, como o Galeão, onde em tese deveria haver mais vigilância. É sem dúvida preciso aumentar a fiscalização para tentar interceptar os carregamentos. Mas, mesmo quando há apreensão, a droga ou a arma já entrou. Mais eficaz é investigar as quadrilhas, seguir o rastro do dinheiro, bloquear seus bens, asfixiá-las financeiramente e prender seus chefes. Não é tarefa simples — a atual investigação levou oito anos —, mas costuma dar os melhores resultados. Se os esquemas criminosos que inundam o Brasil de drogas e armas não forem desmantelados, o trabalho das polícias no combate à violência do dia a dia sempre será inglório.

Câmara deveria aprovar isenção de visto a turistas americanos

O Globo

Projeto do Senado que também beneficia australianos, canadenses e japoneses interessa aos brasileiros

O Senado tomou uma decisão sensata ao manter a dispensa de visto para cidadãos de Austrália, Canadá, Estados Unidos ou Japão entrarem no Brasil. O projeto, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ) e relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), segue agora para a Câmara, que deveria confirmá-lo.

O Brasil recebeu no ano passado 6,6 milhões de turistas estrangeiros, 12,6% a mais que em 2023, crescimento acima da média global. É o maior número já registrado. Estrangeiros deixaram US$ 7,3 bilhões no país, outro recorde. Com atrações naturais, riqueza cultural e infraestrutura de acolhimento, o Brasil tem potencial para receber muito mais visitantes. Facilitar a vida dos turistas interessados em vir para cá é o mínimo a fazer para atraí-los.

Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro publicou decreto dispensando visto para americanos, australianos, canadenses e japoneses. Em 2023, o governo Luiz Inácio Lula da Silva tomou a decisão de voltar atrás, mas o visto passaria a ser exigido apenas a partir do próximo dia 10 de abril. A iniciativa de Portinho tenta evitar o retrocesso. Em parecer, o relator Flávio Bolsonaro diz que o retorno da exigência seria um fator de desencorajamento a turistas estrangeiros. Diante da burocracia, da dificuldade do planejamento e do custo, muitos poderiam escolher “destinos mais acessíveis”. Ele está certo.

Em 2018, ano anterior ao fim da exigência de visto, 538,5 mil americanos entraram no Brasil. De lá para cá, a pandemia prejudicou todo o setor, mesmo assim o total subiu para 728,5 mil em 2024, bem acima da média. O influxo de canadenses cresceu na mesma proporção. Os australianos, pouco menos, ainda assim 25%. Apenas os japoneses registraram queda.

Nos corredores do Itamaraty, diplomatas costumam criticar a dispensa unilateral de visto, argumentando não fazer sentido cancelar a exigência de países que a impõem aos brasileiros. É um argumento frágil. Não há multidões de americanos, canadenses, australianos ou japoneses querendo entrar no Brasil como turistas para permanecer como imigrantes ilegais. O movimento migratório brasileiro tem o sentido contrário. A reciprocidade apenas pune nossa economia.

Basta perguntar aos 191,2 mil contratados com carteira assinada em 2024 para trabalhar em atividades ligadas ao turismo. Para todos, trata-se de conceito abstrato e inútil. Guias, recepcionistas e camareiros em hotéis, cozinheiros e garçons em restaurantes não são os únicos beneficiados pelo maior fluxo de turistas. O investimento estrangeiro no setor no ano passado atingiu US$ 360 milhões, 40% acima do ano anterior. É dinheiro aplicado na compra de veículos, na construção de atrações culturais ou de alojamento.

A decisão sobre onde passar as férias é determinada por diversos fatores, e burocracia também pesa. É isso que os deputados devem lembrar ao examinar o projeto aprovado no Senado. Com tantos brasileiros se beneficiando da entrada de mais americanos, australianos e canadenses, não há motivo para voltar a exigir visto.

Brasil terá difícil missão de evitar frustração na COP30

Valor Econômico

Sucesso da estratégia brasileira e da própria COP depende de encontrar uma forma intermediária para o elefante na sala climática: o fim do uso dos combustíveis fósseis

Em setembro do ano passado, o presidente Lula anunciou que o Brasil, sede da COP30, teria, enfim, uma autoridade climática, sua promessa da campanha de 2022. Passados pouco mais de seis meses da declaração, feita com pompa na Amazônia, nada saiu do papel. Desde então, o mundo assistiu a uma série de notícias alarmantes sobre o aquecimento global e sofreu importantes revezes na luta para contê-lo - o mais claro deles com a volta de Donald Trump à Casa Branca. O quadro desafiador pressiona o Brasil, que tem pouca margem de erro e deve superar suas próprias ambiguidades na difícil missão de impedir reveses que já se desenham para a cúpula em Belém.

A COP30 ocorrerá em um momento em que a crise climática está se intensificando. O ano de 2024 foi o mais quente registrado na história, e 2025 já parece trilhar o mesmo caminho, com o mês de janeiro também quebrando recordes de temperatura, mesmo com a ocorrência do La Niña, fenômeno que normalmente ajuda a aliviar o calor. O nível global dos oceanos está subindo mais que o esperado, com o dobro do ritmo de elevação anual, o que surpreendeu cientistas. Eventos climáticos extremos se tornaram recorrentes. Em todos os cantos do mundo, a situação é cada vez mais alarmante.

A urgência em enfrentar o problema e os desafios criados pelo contexto geopolítico adverso não permitem ao governo ser paradoxal em suas posições ambientais, sob o risco de minar a credibilidade do país nas negociações, por mais hábeis e respeitados que sejam o embaixador André Corrêa do Lago e a economista Ana Toni, escolhas acertadas do Planalto para liderar o time brasileiro na condução do evento. E o fato de a autoridade climática ainda estar no plano das ideias é apenas um dos muitos entraves colocados pela indefinição em Brasília.

Faltando oito meses para a COP30, Belém, indicada como sede pelo simbolismo de se realizar uma cúpula climática no coração da Amazônia, continua sem a estrutura mínima para atender a um evento desse porte. Ativistas, empresas e delegações de países que virão ao Brasil lutam para tentar conseguir hospedagem na cidade, cujos preços inflacionados já se tornaram exorbitantes. Também não se sabe o rumo que o governo tomará em sua política energética, tema crucial desta cúpula. Como vamos conciliar o plano de energia limpa com transição energética e a nova frente de exploração de petróleo na Margem Equatorial? O presidente Lula é favorável à exploração, e o Brasil tem de decidir a questão, antes, ou, como defende parte dos ambientalistas, depois da COP30.

Além disso, a volta de Trump ao poder acrescentou obstáculos que vão muito além do desmantelamento da pauta ambiental americana e da saída do Acordo de Paris. Com a guinada na política externa da Casa Branca, governos antes engajados na agenda climática repensam prioridades. É o caso dos países da Europa, que agora despejarão bilhões de euros no rearmamento, dinheiro que poderia abastecer fundos para financiar ações de adaptação e mitigação climática.

O efeito Trump também tem consequências nefastas sobre o financiamento privado. Desde a posse, grandes empresas vêm recuando de investimentos em projetos verdes e abandonando a divulgação de relatórios ambientais em seus balanços. Na estreia do “drill, baby, drill”, que embalou a campanha do republicano, petrolíferas retomam investimentos em projetos de combustíveis fósseis, e míngua a discussão de transição energética. Bancos americanos, por sua vez, deixaram importantes alianças que são comprometidas com o Acordo de Paris e a descarbonização da economia.

Esta miríade de retrocessos eleva o risco de a cúpula em Belém terminar sem alcançar seus dois principais objetivos. De partida, a meta de ter US$ 1,3 trilhão por ano até 2025 para ações climáticas em países em desenvolvimento fica virtualmente inviabilizada sem o apoio de americanos e com os europeus com sua atenção dividida. Da mesma forma, será uma missão difícil acelerar a implementação das metas do Acordo de Paris com a volta de Trump e seus simpatizantes, no mundo político e empresarial.

Nesse sentido, é acertada a carta de Corrêa do Lago ao convocar um “mutirão” para “virar o jogo” contra o aquecimento global. Sinaliza que o Brasil sabe que, para a batalha climática, será preciso ampliar o leque de aliados e engajar, em definitivo, a sociedade civil para explorar a lacuna aberta por negacionistas, replicando seu trabalho bem-sucedido do G20. Para que o mundo supere esse desafio, é essencial traduzir a complicada linguagem das mesas de negociação das COPs, incompreensível para a maioria da população, e combater assim discursos oportunistas, além da própria desesperança.

O sucesso dessa estratégia e da própria COP, porém, depende de encontrar uma forma intermediária para o elefante na sala climática: o fim do uso dos combustíveis fósseis. Houve determinação na COP28 para que o mundo começasse a se afastar deles, o que desapareceu na COP29. A intenção de explorar a Margem Equatorial, se concretizada antes da reunião de Belém, terá de vir com uma argumentação universal, válida para todos e fruto de muito debate. É um tema de difícil consenso, mas crucial para o futuro das conferências do clima.

Em meio à incerteza, BC faz opção pela segurança

Folha de S. Paulo

Taxa de juros sobe para 14,25%; ritmo de alta será menor daqui em diante, mas com atenção à inflação acima da meta

Banco Central decidiu na quarta-feira (19) elevar sua taxa de juros em um ponto percentual, para 14,25% ao ano, como esperado. Mais importante que a medida, foi o comunicado em que a autoridade monetária dá explicação preliminar sobre suas razões.

Em resumo, a nova direção do BC, agora com maioria indicada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agiu de modo adequadamente convencional, demonstrou preocupação com a inflação ainda alta e passou a impressão de que vai se comportar de modo racional e seguro.

Uma parte dos analistas chegou a recear que a instituição pudesse se mostrar mais preocupada com o ritmo da atividade econômica do que com os preços. Isto é, que revelasse a disposição de encerrar de modo precoce a campanha de subida da taxa básica de juros. Não foi assim.

No comunicado, afirma-se sem dúvida que a majoração da Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para o início de maio, será menor do que a das últimas decisões.

Quanto ao encontro de meados de junho, a questão fica em aberto, ainda mais dependente de dados. No entanto reafirmou-se que o conjunto de riscos aponta para uma inflação em alta, entre outros sinais de preocupação com o descumprimento da meta.

Isto é, depois de três aumentos de juros emergenciais, a campanha continua, mas em ritmo menos intenso. O passo da Selic poderia ser ajustado dado que o aperto monetário já foi significativo, restringe a atividade econômica de modo "incipiente" e porque a política do BC opera com defasagem, com efeitos maiores daqui a até um ano e meio.

Ainda é elevado o IPCA previsto, de 3,9% anuais no terceiro trimestre de 2026, momento mais relevante para a consideração dos efeitos dos juros —a meta é de 3%. O órgão ganhou tempo para averiguar se esses efeitos nas expectativas inflacionárias vão se tornar mais notáveis nos próximos meses. Agindo de modo ligeiramente conservador, pode conter as previsões.

A tarefa é mais complexa devido a turbulências na economia internacional. Também na quarta, o Fed, o banco central dos Estados Unidosdecidiu manter a taxa básica em torno de 4,3% ao ano. Reduziu de 2,1% para 1,7% a projeção de crescimento do PIB e elevou a de inflação de 2,5% para 2,7% em 2025. Indicou ainda que deve cortar juros em pelo menos duas ocasiões, neste ano.

Trata-se, pois, de cenário de pouso suave, mas sujeito a solavancos. Ainda não se sabe o que Donald Trump fará de impostos de importação, do enorme déficit público ou mesmo da política externa, o que pode tumultuar o ambiente financeiro.

A incerteza persiste lá e aqui —ainda se receia que o governo brasileiro possa tomar medidas de estímulo fiscal e de crédito a fim de evitar a desaceleração da economia. Nessa conjuntura, o BC optou pela segurança. Ao menos uma boa notícia.

Parceria privada pode melhorar escola pública

Folha de S. Paulo

STF acerta ao autorizar projeto de terceirização na rede de ensino paulista; modelo ajuda Estado a focar na aprendizagem

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomou a decisão correta ao suspender liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo que interrompeu um amplo processo de terceirização na rede de ensino paulista.

Isso porque parceiras público-privadas (PPPs) são instrumento importante para impulsionar investimentos em um país no qual governos nas três esferas enfrentam desafios com orçamentos deficitários e engessados por gastos com pessoal e previdenciário

Tal aliança já se dá nos setores da saúde e da infraestrutura, mas ganha ares de polêmica —por corporativismo ou ideologia— na educação, como se vê no caso do projeto da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O governo paulista realizou dois leilões no final de 2024 para a construção e manutenção por parte da iniciativa privada de 33 novas escolas. Neste ano, 143 unidades já em funcionamento também terão serviços terceirizados.

As empresas investirão R$ 2,1 bilhões, e a previsão de entrega das obras é 2027. Estima-se que, em 29 cidades, as novas escolas ofertarão cerca de 35 mil vagas de tempo integral —modelo de ensino que precisa se ampliado, dado seu notório benefício à aprendizagem do alunado.

PSOL acionou a Justiça paulista para interromper o projeto. O juiz Manuel Fonseca Pires acatou o pedido sob o argumento de que a iniciativa compromete a autonomia pedagógica e o "princípio constitucional de gestão democrática da educação pública".

As empresas contratadas, porém, serão responsáveis apenas por obras, manutenção predial e serviços como vigilância, limpeza e alimentação. A área pedagógica continuará sob o comando da Secretaria de Educação.

Ademais, ao aceitar o recurso do governo paulista, Barroso lembrou que os serviços contemplados já são terceirizados. As PPPs só trazem mais racionalidade ao processo: "em vez de múltiplos contratos fragmentados, o modelo permitiria uma gestão integrada e de longo prazo".

Qualquer tentativa de politizar o modelo é insensata. A lei federal que instituiu as PPPs foi sancionada em 2004 por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Belo Horizonte foi a capital pioneira no uso da parceira na educação, em 2013, durante administração do PSB.

Não se trata de algum bicho de sete cabeças. Ao direcionar obras e serviços não pedagógicos às empresas, o Estado consegue concentrar esforços na aprendizagem, cujos indicadores ainda são precários no Brasil —de modo mais preocupante na rede pública do ensino básico.

A república bananeira de Trump

O Estado de S. Paulo

Um presidente arbitrário, uma administração entregue a um bilionário e um governo que desdenha do Estado de Direito: tudo isso definia uma república bananeira. Agora, é o que define os EUA

Recentemente o presidente dos EUA, Donald Trump, parafraseou Napoleão em suas redes sociais: “Quem salva o seu país não viola nenhuma lei”. Mas o que acontece se o Judiciário discordar? Nos quase 250 anos da república norte-americana, este nunca foi um problema, porque nenhum presidente desobedeceu a uma ordem judicial. Mas Trump, o primeiro criminoso condenado a exercer a Presidência americana, veio para destruir as tradições – e, com elas, o Estado de Direito, o esteio da república. Em seu segundo mandato, Trump está testando como nunca os limites do Poder Executivo, e o risco de um impasse constitucional é cada vez maior.

No caso mais recente, que certamente não será o último, Trump invocou uma lei de 1798 para deportar membros de uma gangue venezuelana para El Salvador. A mencionada lei, que só se presta a tempos de guerra e foi aplicada pela última vez na Segunda Guerra Mundial, permite expulsar inimigos estrangeiros. Segundo o governo, a medida se justifica porque a tal gangue venezuelana está em “guerra” contra os EUA.

Não foi o que entendeu um juiz federal, que ordenou o cancelamento da deportação até que os referidos estrangeiros tivessem o tratamento judicial consoante o Estado de Direito – isto é, que fossem submetidos ao devido processo legal, em que cada um sabe exatamente do que está sendo acusado e pode se defender. Nada disso aconteceu: nem os acusados tiveram qualquer chance de se defender, nem a ordem do juiz foi obedecida. Os deportados foram enviados para as masmorras de El Salvador, governado por Nayib Bukele, aquele que reduziu a criminalidade no país acabando violentamente com o Estado de Direito. Não à toa, Trump celebrou seu colega salvadorenho: “Não esqueceremos!”.

Oficialmente, o governo Trump afirma que não desobedeceu a ordem nenhuma, mas o responsável pela política de imigração dos EUA, Tom Homan, foi claro em entrevista à Fox News: “Eles não vão nos impedir. Não vamos recuar. Não me importo com a opinião dos juízes nem com o que pensa a esquerda. Nós vamos avançar”. Em seguida, o próprio presidente Trump demandou o impeachment do juiz que deu a ordem, classificando-o de “lunático da esquerda radical”.

Trump foi repreendido pelo presidente da Suprema Corte americana, John Roberts, que, em raríssima manifestação pública, disse que “impeachment não é a resposta apropriada quando se discorda de uma decisão judicial”. Não é, mas Trump e seus devotos aparentemente não dão a mínima para o que é apropriado. O vice-presidente J. D. Vance já disse que “juízes não têm permissão para controlar o poder legítimo do Executivo”, uma fórmula ambígua que, de um lado, exprime uma platitude sobre a separação de Poderes e, de outro, insinua que quem decide o que é legítimo é o presidente, como nas monarquias absolutistas.

Movido por esse espírito, Trump, invocando leis obscuras e conceitos vagos como “segurança nacional”, está tentando revestir de legalidade ações francamente contrárias ao espírito constitucional. É o caso da prisão de um imigrante legal que liderou protestos contra Israel na Universidade Columbia. Não se sabe exatamente do que o imigrante é acusado – o governo ora diz que atua para conter o antissemitismo, ora afirma que há relação entre o imigrante e o grupo terrorista Hamas. Mas a acusação formal, qualquer que venha a ser ela, não importa: o objetivo é constranger a livre manifestação do pensamento.

Do mesmo modo, Trump nem se deu ao trabalho de dar algum verniz legal à ação truculenta do bilionário Elon Musk na administração pública americana. Sem cargo oficial, Musk ganhou carta branca para demitir quem quiser, para ter acesso a dados sensíveis e para asfixiar agências que deveriam funcionar por determinação do Congresso, numa escandalosa intromissão privada na máquina pública e na soberania popular do Legislativo.

Decisões arbitrárias e ilegais do presidente, loteamento da administração pública para empresários amigos do poder, desdém absoluto pelo Estado de Direito, tudo isso é o que costumava definir uma república bananeira. Agora, é o que define os EUA – o outrora “farol da democracia”.

Doce exílio

O Estado de S. Paulo

Nos EUA, Eduardo Bolsonaro anuncia que não voltará ao Brasil e que denunciará a ‘ditadura’ no País. Ora, ditadura de verdade foi a de 64, que os Bolsonaros vivem a celebrar

A fuga do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os EUA, sob a tresloucada justificativa de que o Brasil, ora vejam, estaria sob regime de exceção, emite um potente sinal político. A família Bolsonaro jogou a toalha e já dá como favas contadas a condenação e a prisão de Jair Bolsonaro pelos crimes dos quais o ex-presidente foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no âmbito da tentativa de golpe de Estado para aferrá-lo ao poder em 2022. E à medida que Bolsonaro se aproxima desse encontro com o destino, aos membros de seu clã parece não haver alternativa a não ser reivindicar, no Brasil e no exterior, a condição de “perseguidos políticos” por uma “ditadura”.

Ora, ditadura de verdade, sem aspas, é o que vigorou de 1964 a 1985, período no qual muitos cidadãos brasileiros não tiveram escolha senão exilar-se no exterior porque as alternativas eram a prisão e a tortura. Pois é essa ditadura que os Bolsonaros e seus seguidores frequentemente celebram, há décadas.

A “ditadura” denunciada pelo sr. Eduardo Bolsonaro, por outro lado, é pitoresca. Nela, recentemente, Jair Bolsonaro pôde liderar livremente uma manifestação política no Rio de Janeiro, na qual os bolsonaristas expressaram sua hostilidade ao Judiciário. Ademais, que ditadura é esta da qual um dos deputados mais bem votados do Brasil se apresenta como “vítima”, malgrado manter intocados seus direitos políticos e suas prerrogativas parlamentares?

Portanto, se nesta história canhestra há um inimigo declarado do Estado Democrático de Direito, este é o próprio sr. Eduardo Bolsonaro, useiro e vezeiro em desmoralizar as instituições republicanas. Trata-se de alguém que já disse que, para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), bastam “um cabo e um soldado”.

O Brasil, obviamente, não está sob regime de exceção. Jair Bolsonaro e sua prole têm plena consciência disso. Afinal, na condição de entusiasmados admiradores de uma ditadura de verdade, sabem exatamente reconhecer quando estão diante de uma. De modo que cada lágrima derramada pelo ex-presidente e por Eduardo e cada palavra dos discursos tão enfadonhos quanto grandiloquentes contra a “ditadura do STF” e a “morte” da democracia no Brasil não querem dizer outra coisa senão o reconhecimento do clã Bolsonaro de que o destino político e penal do chefe está traçado e, diante disso, o mundo político à direita virou a página e já articula o pós-Bolsonaro à vista de todos, ainda que acenos precisem ser feitos ao capitão de olho nos votos que ele ainda é capaz de arregimentar.

Dito isso, é de justiça reconhecer que a família Bolsonaro não é a única responsável por este circo armado em torno da existência de uma suposta “perseguição política” no País. Convém lembrar que partiu dos deputados petistas Lindbergh Farias (RJ) e Rogério Correia (MG) o estapafúrdio pedido à PGR para que o passaporte de Eduardo Bolsonaro fosse apreendido, acusando-o de tramar contra o Brasil no exterior. Em boa hora o pedido foi rejeitado pela PGR e a queixa-crime contra Eduardo Bolsonaro, arquivada pelo ministro Alexandre de Moraes, o que enfraquece ainda mais a tese da “perseguição”.

É evidente que o STF, há muito tempo, tem tomado decisões juridicamente controvertidas contra bolsonaristas, como se a democracia brasileira ainda estivesse sob ataque permanente. Este jornal não tem se furtado a fazer críticas contundentes às exorbitâncias da Corte cometidas em nome de uma suposta defesa do Estado Democrático de Direito. Em que pesem esses abusos, que de resto devem ser corrigidos pelo plenário do próprio STF, não se pode falar em “ditadura” no Brasil sem falsear a realidade dos fatos.

O que está em curso, portanto, é um esforço deliberado da família Bolsonaro para fabricar uma história de martírio político que sirva não apenas para galvanizar sua base de apoio mais fiel, mas também para abrir portas no exterior em busca de simpatizantes dispostos a comprar a patranha e, quem sabe, mudar a sorte de quem tem uma pesadíssima conta a acertar com a Justiça brasileira.

A paternidade dos juros altos

O Estado de S. Paulo

Meses após ascensão de Galípolo ao comando do BC, governo ainda culpa Campos Neto pelo aumento da Selic

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) seguiu o roteiro ao aumentar os juros em 1 ponto porcentual, para 14,25% ao ano, maior nível desde outubro de 2016, e entregou o que dele se esperava ao deixar claro que o ciclo de alta da Selic prossegue na próxima reunião, mesmo que em menor magnitude. Não havia como ser diferente num contexto de inflação elevada, sob pressão e acima da meta, mas nada disso impedia o governo de tentar constranger a atuação do Banco Central até então.

Com a posse de Gabriel Galípolo na presidência do BC, tudo mudou. Chamado pelo presidente Lula da Silva de “menino de ouro”, Galípolo substituiu Roberto Campos Neto, que havia sido nomeado pela nêmesis de Lula, Jair Bolsonaro, e que por essa razão era sistematicamente atacado pelos petistas sempre que os juros subiam – Gleisi Hoffmann, na época presidente do PT, era a mais animada, acusando Campos Neto de “terrorismo econômico” e de não “entender nada” sobre as necessidades dos trabalhadores. Hoje ministra de Lula, Gleisi nada disse sobre a nova alta de juros. E o silêncio, neste caso, diz muito.

Ao deixar o BC praticamente amarrado nas reuniões de janeiro e março – orientação que, por sinal, contou com apoio unânime no Copom –, Campos Neto garantiu uma transição suave e sem críticas para Galípolo. Mas é improvável que o atual presidente do BC conte com a mesma condescendência na próxima reunião, nos dias 6 e 7 de maio. Sobre ela, só se sabe que os juros não subirão 1 ponto porcentual, o que significa que poderão aumentar até 0,75 ponto porcentual. Depois disso, tudo dependerá do “firme compromisso de convergência da inflação à meta”, como diz o Copom.

Atingir esse objetivo ainda parece distante. Para os 12 meses encerrados em setembro de 2026, que corresponde ao horizonte relevante que guia suas ações, o Copom reduziu a projeção de inflação de 4% para 3,9%, mas ela segue acima da meta. O câmbio pode ter contribuído com esse pequeno alívio, já que o comitê levou em conta uma cotação de R$ 5,80 em março, ante R$ 6,00 em janeiro. Os investidores projetam que a Selic pode chegar a 15% ao ano, e o comunicado do BC sugere que o fim desse ciclo, iniciado em setembro do ano passado, está próximo. O Copom vê sinais de uma “incipiente moderação” no crescimento, mas reconhece que a inflação e seus núcleos estão acima da meta e que o mercado de trabalho continua forte.

Na falta de um discurso melhor, o governo optou por culpar Campos Neto – que servirá como bode expiatório até o início de maio. Repetindo o que Lula havia dito em janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que Galípolo não poderia dar um “cavalo de pau” ao assumir o comando do BC, pois teria uma “herança” a administrar. Só faltou dizer que era uma herança maldita.

Se o governo colaborasse e fizesse sua parte, talvez os juros já estivessem em níveis mais civilizados. Mas há muitas outras medidas no forno do Executivo que visam a manter a demanda aquecida até a eleição no ano que vem e que devem contribuir para que os juros sejam mantidos em níveis bastante elevados. A ver quem o governo responsabilizará nos próximos meses.

O alto custo de uma vida saudável

Correio Braziliense

Entre 2 mil pessoas das classes A, B e C de todo o país ouvidas no levantamento Do prato ao copo, 61% afirmaram que têm evitado comprar algum produto devido ao impacto no bolso

O brasileiro está preocupado com a qualidade do que consome, mas esbarra na questão do preço dos alimentos. Entre 2 mil pessoas das classes A, B e C de todo o país ouvidas no levantamento Do prato ao copo: como os brasileiros tomam suas decisões no consumo de alimentos e bebidas?, feito pela empresa de pesquisas MindMiners, 61% afirmaram que têm evitado comprar algum produto devido ao impacto no bolso.   

Esse incômodo (totalmente justificável) com a alta dos preços tem sido percebido pelo próprio governo e por seus aliados como principal fator para a queda na popularidade da gestão Lula. Dados de pesquisa Datafolha divulgados há uma semana mostram que o indicador despencou e chegou ao nível mais baixo de todos os mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aprovação caiu de 35% para 24% em dois meses; e a reprovação seguiu  trajetória inversa: subiu de 34% para 41%.

Medidas para conter a elevação dos preços e aliviar o custo de vida têm sido anunciadas claramente como ações para reverter essa má impressão. Foi o caso da decisão, no início deste mês, de zerar a alíquota de importação de nove produtos alimentícios — entre eles, carne, açúcar, café, azeite, milho, biscoitos e massas — e o projeto, apresentado nesta semana, para isentar do Imposto de Renda as pessoas que recebem até R$ 5 mil mensais.      

Mas o consumidor não pode esperar. Com os preços nas alturas, os brasileiros estão repensando a maneira de comprar, especialmente no que diz respeito à carne vermelha. Voltando ao levantamento da MindMiners, ao responder à pergunta O que você tem evitado comprar devido ao preço elevado?, as cinco respostas mais comuns foram: carnes, queijo e laticínios, azeite, bebidas alcoólicas e refrigerante.

E o ovo, muitas vezes opção como substituto da carne, também não traz alívio às despesas domésticas. Vários fatores podem ter contribuído para a alta do preço da proteína, como questões climáticas, que afetaram a produção, o aumento da demanda, o preço de insumos (milho e farelo de soja, que compõem 80% da ração das galinhas, em média) e, por fim, a Quaresma. O fato é que, no atacado, em fevereiro, o consumidor pagou 40% a mais em diversas regiões produtoras do país, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea - Esalq/USP). Trata-se do maior aumento do segmento de alimentação e bebidas, e de um produto até então conhecido pela acessibilidade e pelo valor nutritivo.

A boa notícia apontada pela MindMiners é o interesse dos brasileiros por produtos e alimentos que oferecem benefícios à saúde — 32% dos respondentes buscam itens que auxiliam no fortalecimento do sistema imunológico e 26% desejam opções que ajudem no controle ou na manutenção do peso. Mais detalhadamente, o levantamento revelou que 25% preferem alimentos e bebidas que proporcionem mais energia e disposição no dia a dia; 24% valorizam produtos que contribuam para o foco e a saúde mental; e 22% se preocupam com a proteção da saúde cardiovascular.  

Mas aí, novamente, esbarram na questão dos preços. O principal obstáculo apontado para o consumo de alimentos e bebidas saudáveis é o custo. Metade dos entrevistados respondeu assim, seguido pela dificuldade de mudar antigos hábitos (41%).

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