O Globo
O projeto do IR será o primeiro teste para
valer da possibilidade de haver uma dobradinha entre Haddad e Gleisi
Agora que o projeto que isenta do pagamento
de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil veio à luz, ficará mais claro seu
potencial de gerar a aprovação por que Lula anseia para chegar mais competitivo
à disputa pela reeleição, no ano que vem. Uma coisa é certa: de todos os tiros
dados até aqui, esse é o que tem mais chance de atingir o alvo, se o projeto
for bem explicado e calibrado.
Um acerto do relançamento da medida — que
havia sido confusa e equivocadamente anunciada com as medidas de ajuste fiscal
do ano passado — foi fazer uma contraposição clara e poderosa do ponto de vista
do convencimento: serão beneficiados 10 milhões de contribuintes com isenção ou
redução do IR para quem ganha até R$ 7 mil, ante apenas 141 mil que recebem
mais de R$ 50 mil por mês e pagarão mais imposto para compensar a perda de
arrecadação.
Números assim tão contrastantes tornam cristalino e de difícil contestação o conceito de justiça tributária, contra o qual nem a extrema direita consegue erguer a voz. Basta ver que, por enquanto, as críticas ao projeto foram tímidas e não repetiram o 7 x 1 que os bolsonaristas impõem normalmente ao governo no campo da comunicação digital. Isso, por si só, é uma evidência forte de que a medida pode ter o condão de mexer, sim, no ponteiro da popularidade perdida de Lula.
Mas há dificuldades pontuais no campo da
comunicação e, sobretudo, no cada dia mais pantanoso terreno da negociação
política. No primeiro, é preciso não errar, como tem acontecido em experiências
recentes, a mais desastrosa delas as medidas para fiscalizar o Pix. É preciso
repetir à exaustão o mantra dos “10 milhões contra 140 mil”, um slogan mais
potente que qualquer outro que um marqueteiro poderia bolar. E é preciso
explicar exatamente quem pagará mais, para evitar que a oposição leve medo a
profissionais liberais, acionistas de empresas e outras categorias com forte
poder de mobilização no Congresso.
Comunicar fácil, de forma ágil e sistemática
é necessário desde já, e não apenas nos dias em que o projeto estiver para ser
votado, até para evitar que seja esvaziado ou, ao contrário, estufado com
jabutis pelos deputados e senadores.
E aqui já adentramos o pântano da política.
Um dos efeitos da popularidade em baixa de Lula, como se sabe, é tornar cada
vez mais claudicante o apoio com que ele conta nas siglas que grosso modo se
convencionou reunir no Centrão. O penúltimo ano de mandato é aquele em que
esses partidos querem pegar tudo o que puderem sem, em troca, garantir que
estarão com Lula em 2026.
Para essa fome, ainda não inventaram Ozempic
que dê jeito, e a cada votação importante como essa a conta será alta, na forma
da cobrança das apetitosas emendas e dos açucarados cargos. O aperitivo desse
banquete já foi visto na votação do Orçamento —que, depois de meses parado,
saiu a toque de caixa nesta quinta-feira, mediante a promessa de uma lauta
liberação de guloseimas para os senhores parlamentares.
O projeto do IR será o primeiro teste para
valer da possibilidade de haver uma dobradinha entre Fernando Haddad e Gleisi
Hoffmann na negociação com o Congresso. Será até fácil, uma vez que se trata de
uma medida da Fazenda que a ministra e ex-presidente do PT consegue defender,
por ser voltada justamente para a base social histórica do partido e aquela
outra fatia que Lula precisa conquistar, a classe média.
Por fim, a eficácia da medida para ajudar a
reeleger Lula esbarra num problema: o tempo para ser sentida no bolso e surtir
efeito na economia. Como ficou para o terceiro ano do terceiro mandato, ela só
valerá para o ano-base de 2026, cuja declaração se dá depois das eleições. Será
um vale-presente, mais que uma entrega do governo. Por isso, a necessidade de
comunicar bem, logo e fácil é ainda maior.
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