sexta-feira, 21 de março de 2025

O potencial da isenção de IR - Vera Magalhães

O Globo

O projeto do IR será o primeiro teste para valer da possibilidade de haver uma dobradinha entre Haddad e Gleisi

Agora que o projeto que isenta do pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil veio à luz, ficará mais claro seu potencial de gerar a aprovação por que Lula anseia para chegar mais competitivo à disputa pela reeleição, no ano que vem. Uma coisa é certa: de todos os tiros dados até aqui, esse é o que tem mais chance de atingir o alvo, se o projeto for bem explicado e calibrado.

Um acerto do relançamento da medida — que havia sido confusa e equivocadamente anunciada com as medidas de ajuste fiscal do ano passado — foi fazer uma contraposição clara e poderosa do ponto de vista do convencimento: serão beneficiados 10 milhões de contribuintes com isenção ou redução do IR para quem ganha até R$ 7 mil, ante apenas 141 mil que recebem mais de R$ 50 mil por mês e pagarão mais imposto para compensar a perda de arrecadação.

Números assim tão contrastantes tornam cristalino e de difícil contestação o conceito de justiça tributária, contra o qual nem a extrema direita consegue erguer a voz. Basta ver que, por enquanto, as críticas ao projeto foram tímidas e não repetiram o 7 x 1 que os bolsonaristas impõem normalmente ao governo no campo da comunicação digital. Isso, por si só, é uma evidência forte de que a medida pode ter o condão de mexer, sim, no ponteiro da popularidade perdida de Lula.

Mas há dificuldades pontuais no campo da comunicação e, sobretudo, no cada dia mais pantanoso terreno da negociação política. No primeiro, é preciso não errar, como tem acontecido em experiências recentes, a mais desastrosa delas as medidas para fiscalizar o Pix. É preciso repetir à exaustão o mantra dos “10 milhões contra 140 mil”, um slogan mais potente que qualquer outro que um marqueteiro poderia bolar. E é preciso explicar exatamente quem pagará mais, para evitar que a oposição leve medo a profissionais liberais, acionistas de empresas e outras categorias com forte poder de mobilização no Congresso.

Comunicar fácil, de forma ágil e sistemática é necessário desde já, e não apenas nos dias em que o projeto estiver para ser votado, até para evitar que seja esvaziado ou, ao contrário, estufado com jabutis pelos deputados e senadores.

E aqui já adentramos o pântano da política. Um dos efeitos da popularidade em baixa de Lula, como se sabe, é tornar cada vez mais claudicante o apoio com que ele conta nas siglas que grosso modo se convencionou reunir no Centrão. O penúltimo ano de mandato é aquele em que esses partidos querem pegar tudo o que puderem sem, em troca, garantir que estarão com Lula em 2026.

Para essa fome, ainda não inventaram Ozempic que dê jeito, e a cada votação importante como essa a conta será alta, na forma da cobrança das apetitosas emendas e dos açucarados cargos. O aperitivo desse banquete já foi visto na votação do Orçamento —que, depois de meses parado, saiu a toque de caixa nesta quinta-feira, mediante a promessa de uma lauta liberação de guloseimas para os senhores parlamentares.

O projeto do IR será o primeiro teste para valer da possibilidade de haver uma dobradinha entre Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann na negociação com o Congresso. Será até fácil, uma vez que se trata de uma medida da Fazenda que a ministra e ex-presidente do PT consegue defender, por ser voltada justamente para a base social histórica do partido e aquela outra fatia que Lula precisa conquistar, a classe média.

Por fim, a eficácia da medida para ajudar a reeleger Lula esbarra num problema: o tempo para ser sentida no bolso e surtir efeito na economia. Como ficou para o terceiro ano do terceiro mandato, ela só valerá para o ano-base de 2026, cuja declaração se dá depois das eleições. Será um vale-presente, mais que uma entrega do governo. Por isso, a necessidade de comunicar bem, logo e fácil é ainda maior.

 

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