segunda-feira, 4 de junho de 2018

Celso Rocha de Barros: Conversando com os bolsonaristas

- Folha de S. Paulo

Nenhum flerte com ditadura, censura ou coisa que o valha é aceitável

Alguns leitores reclamaram que minha coluna da semana passada foi ofensiva aos eleitores de Bolsonaro. Bom, foi mesmo.

Foi uma coluna sobre o apoio de Bolsonaro à greve dos caminhoneiros, um movimento em que claramente havia infiltração de fascistas pedindo golpe militar, atirando em grevistas que queriam voltar ao trabalho e, suspeita-se, descarrilhando trens.

No dia seguinte, Bolsonaro deu para trás, largou a greve e fez um discurso com cara de conciliador. Mas já estava ali a senha para a próxima onda de atentados: se perder a eleição, Bolsonaro pretende contestar a legitimidade do pleito alegando fraude nas urnas eletrônicas.

É razoável supor que os terroristas de Bolsonaro tentarão matar quem se opuser ao seu golpe. Eu farei isso. Logo, no plano de Bolsonaro, eu morro.

E eu tenho essa implicância, que é uma coisa minha, pessoal, vocês me desculpem, mas eu às vezes esqueço a delicadeza quando estou falando com sujeito que quer me pendurar no pau de arara ou amarrar minha boca no escapamento do carro. Acho vacilo.

Mas vamos esquecer por um momento essa questão de um matar o outro, bolsonaristas.

Juntem aqui a turma inteligente entre vocês: oficiais e engenheiros das Forças Armadas (meu avô era um), pastores evangélicos que olham para Magno Malta e pensam "Quantas teses do Lutero eu tenho que renegar para o papa aceitar esse cara de volta?", enfim, a turma aí que pensa como adulto.

Jair, Carlos, Eduardo, lá fora tem uns carrinhos para vocês brincarem, tem mágico, palhaço, Olavo de Carvalho.

Pronto. Bem, amigos destro-brasileiros, é óbvio que o conservadorismo tem o que acrescentar ao debate nacional.

Por exemplo, parece razoável que autores de crimes graves passem mais tempo na cadeia do que hoje em dia passam.

Seria ridículo dizer que os conservadores não têm nada a dizer sobre educação: a pedagogia moderna é boa para um monte de coisas excelentes, mas filho de rico normalmente complementa isso com decoreba e repetição de exercícios com o professor particular. Seria ótimo se algo nessa linha se tornasse disponível para os alunos pobres como complemento à sala de aula.

Sobre todas essas coisas, pode apostar, há espaço para discutir com os moderados de direita e de esquerda.

E mesmo quando a esquerda tiver razão, provavelmente será bom que haja um conservador qualquer dizendo "ó, vai dar m* isso aí, vai devagar" e evitando excessos e fanatismos.

Agora, se for para conversar sério, é preciso desistir de usar a violência de Estado contra o amiguinho. Nenhum flerte com ditadura, censura ou coisa que o valha é aceitável. Usar o poder do Estado para proibir gays e lésbicas de se casarem é obviamente errado, mesmo se você continuar achando que o projeto de Deus era só Adão e Eva.

(Pessoalmente, acho que um projeto que começou com os participantes vivendo no paraíso e terminou com toda a espécie humana condenada à fome, à doença e à morte talvez mereça alguns aperfeiçoamentos. Mas você não é obrigado a concordar comigo sobre isso.)

Enfim, se os conservadores brasileiros quiserem entrar no debate, maravilha. Mas deixem a arma do lado de fora.

Até porque centristas e esquerdistas também pagaram os impostos que compraram essa arma, e quem usá-la para mais do que a lei prevê será, além de desertor, ladrão.
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Celso Rocha de Barros doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.

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