quinta-feira, 29 de julho de 2010

Petrobras pega na CEF triplo de toda verba do saneamento

DEU EM O GLOBO

Banco público cria superintendência só para tratar de créditos à estatal

A Caixa Econômica Federal (CEF) já emprestou para a Petrobras R$ 5,6 bilhões em menos de dois anos: R$ 2 bilhões no mês passado e R$ 3,6 bilhões no auge da crise financeira global, em 2008. O crédito dado à Petrobras representa praticamente três vezes todo o dinheiro da Caixa para saneamento, que não passa de R$ 1,982 bilhão. Os R$ 5,6 bi emprestados quase se igualam aos valores desembolsados no programa Minha Casa, Minha Vida, a vitrine do governo Lula para habitação popular. Como a Petrobras tornou-se o principal devedor da Caixa, envolvendo valores elevados, o banco público criou uma Superintendência Regional, no Rio, "destinada ao relacionamento institucional com a Petrobras". Para o advogado e especialista em petróleo Cláudio Araújo Pinho, falta mais transparência sobre a situação de caixa da Petrobras. No mercado financeiro, o entendimento é que o dinheiro da CEF só foi liberado porque a capitalização da Petrobras está demorando e só deve sair em setembro.

Caixa dá mais à Petrobras do que para saneamento

Crédito para estatal em apenas dois anos chega a R$5,6 bi. Valor quase se iguala ao "Minha Casa, Minha Vida"

Geralda Doca, Patricia Duarte e Ramona Ordoñez

BRASÍLIA e RIO. A Caixa Econômica Federal emprestou para a Petrobras R$5,6 bilhões em menos de dois anos, somando o crédito de R$2 bilhões concedido no mês passado. Foram R$3,6 bilhões no segundo semestre de 2008 (um de R$2 bilhões e outro de R$1,6 bilhão). Os números mostram que a dívida total da empresa equivale a quase três vezes o total da carteira de aplicações em saneamento, conforme o balanço da Caixa do primeiro trimestre de 2010, que foi de R$1,982 bilhão.

Ainda de acordo com o balanço, os recursos correspondem a 17,86% do total da carteira de crédito de pessoas jurídicas, que é de R$31,346 bilhões (balanço do primeiro trimestre de 2010). Além disso, aproxima-se do volume de contratações dentro do programa "Minha Casa, Minha Vida", que atingiu R$6,6 bilhões para financiar 96 mil empreendimentos.

Os recursos tomados da Caixa, conforme consta das explicações do balanço anual do banco, seriam pagos com vencimento de contrato em 25 meses, em parcela única, ao fim do prazo. Ou seja, está vencendo agora. No documento, a estatal aparece como o principal devedor da instituição.

Para se ter uma ideia do peso da Petrobras na carteira da Caixa, o montante de crédito direcionado às indústrias era de apenas R$1,614 milhão, segundo balanço de 2007. Em 2008, pulou para R$3,607 bilhões.

Uma superintendência só para cuidar da Petrobras

Segundo fontes ligadas à Caixa, por serem valores elevados, os empréstimos concedidos à Petrobras passaram pela aprovação da Superintendência Regional, onde o pedido foi formalizado pelos Comitê de Crédito e o Conselho de Administração do banco. A assessoria da instituição informou que não comentaria as operações de crédito realizadas com a estatal por motivo de sigilo bancário. Mas confirmou que o banco criou, há seis meses, uma Superintendência Regional (Rio) "destinada ao relacionamento institucional com a Petrobras".

Um executivo diretamente envolvido no processo de capitalização da Petrobras avalia que, às vésperas de fazer uma megacapitalização, que pode movimentar US$50 bilhões e envolverá investidores estrangeiros, a estatal teria recorrido ao banco federal para poder fechar seu caixa no curto prazo, tomar R$2 bilhões em junho na forma de Nota de Crédito à Exportação. A operação com a Caixa pode ter sido necessária porque o aumento de capital, marcado para setembro, já deveria ter ocorrido.

- Como a Petrobras está preparando a capitalização, não tem porque recorrer ao mercado externo agora, que será importante no aumento de capital. É gastar energia, porque no Brasil ela tem linhas (de crédito) abertas com todos os bancos - disse a fonte.

Para o executivo, como a estatal vai receber muito dinheiro na capitalização, ela deve ter fechado uma cláusula de adiantamento de pagamento com a CEF no empréstimo feito em junho.

- Assim que receber os recursos, a Petrobras deve quitar o empréstimo (com a CEF). Deve ser coisa de dois a três meses.

Por causa dos elevados custos de captação de recursos no mercado interno, dificilmente a Petrobras conseguiria o crédito em condições tão vantajosas quanto as da Caixa, dizem analistas do mercado. Tanto assim, que a Caixa foi a saída encontrada pelo estatal para tomar dinheiro em 2008, quando estourou a crise financeira internacional. Naquele momento, no entanto, a justificativa do governo para os empréstimos à Petrobras era a escassez das linhas de crédito internacionais.

Petrobras garante estar com boa situação de caixa

A Petrobras explicou em nota que devido ao seu crescimento e expansão dos negócios, "tem se empenhado em explorar" todas as oportunidades de financiamento oferecidas pelo mercado. Assim, a estatal justifica a obtenção do empréstimo de R$2 bilhões junto à CEF no mês passado. A Petrobras destacou que o financiamento é de longo prazo e com taxas e condições atraentes, sem revelar detalhes.

A Petrobras garantiu, contudo, estar com uma situação confortável de seu caixa, e que a operação é normal dentro de suas atividades. A estatal destacou ainda que os seus negócios rotineiros são divulgados no seu balanço trimestral e por isso a nota de ontem foi meramente informativa. Por tanto a nota não deve ser usada como base para qualquer decisão do mercado.

O especialista Gustavo Gattas do BTG Pactual considerou normal a captação. Segundo ele, a Petrobras deve ter obtido o financiamento na CEF para manter seu forte programa de investimentos, enquanto aguarda a operação de capitalização até setembro. Para Gattas, a Petrobras não está com problemas de caixa. No primeiro trimestre do ano, o fluxo de caixa da companhia era de US$17,4 bilhões:

- Não faria sentido fazer uma captação externa, que é mais complexa, a poucos meses da operação de capitalização. E não acredito que o empréstimo obtido na Caixa trará reflexos negativos à operação.

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