E se a opção ideológica de cada um não for fruto apenas do livre arbítrio, mas uma tendência impressa em nossos genes? E se estivéssemos biologicamente programados a sermos conservadores ou liberais? A questão soa absurda e pode ser revoltante para os mais engajados, mas contém uma dose de fundamentação científica. Ao menos é o que sugere um estudo a ser publicado na próxima edição da centenária revista inglesa Philosophical Transactions of the Royal Society B.
Um grupo de biólogos, psicólogos e cientistas políticos norte-americanos submeteu suas cobaias humanas a uma bateria de testes para achar respostas a tais perguntas. Basicamente, os pesquisadores lhes mostraram uma combinação de cenas agradáveis e desagradáveis e mediram suas reações emocionais e cognitivas. Para isso, usaram múltiplos sensores, capazes de captar mudanças na atividade cerebral e até rastrear o mais sutil movimento dos olhos das pessoas pesquisadas.
O que eles descobriram é que as pessoas politicamente conservadoras reagiram com mais intensidade às imagens desagradáveis: seu olhar era mais fixo e demorado em fotos de feridas abertas ou de um banheiro sujo. Os politicamente liberais, ao contrário, dedicaram muito mais atenção e tempo às cenas aprazíveis, como gente brincando na praia.
"Literalmente, conservadores e liberais não enxergam as coisas da mesma maneira", resume o principal autor da pesquisa, Mike Dodd, professor de psicologia da Universidade de Nebraska-Lincoln. E isso tem impacto, no mínimo parcial, sobre as inclinações político-partidárias de cada grupo -afirma um dos co-autores do estudo, o cientista político Kevin Smith.
Liberais e conservadores foram expostos a imagens de políticos dos partidos Democrata e Republicano, dos EUA. Consistentemente com a hipótese de que os conservadores reagem principalmente a estímulos negativos, eles tiveram uma reação fisiológica mais forte às fotos de conhecidos políticos democratas -supostamente seus adversários políticos- do que às dos rivais republicanos.
Previsivelmente, os integrantes do grupo liberal mostraram sinais fisiológicos mais intensos em resposta às imagens dos líderes democratas que -também supostamente- defendem pontos-de-vista semelhantes aos seus. Essa reação está de acordo com a observação de que os liberais reagem mais a estímulos positivos, ao contrário dos conservadores.
A conclusão seria que as pessoas com natureza conservadora são mais sensíveis aos problemas e tendem a confrontá-los com maior intensidade do que os naturalmente liberais. Na vida real, isso se traduziria em apoio a políticas que pretendem proteger a sociedade do que os conservadores percebem como ameaças, internas e externas. Daí defenderam intervenções policiais e militares mais duras, ou apoiarem restrições a imigrantes -enquanto os liberais advogam exatamente o oposto.
Se os autores estiverem corretos, a polarização política não seria consequência (apenas) da desinformação ou da má intenção, como os adversários partidários costumam se acusar uns aos outros. Ela seria um mecanismo biológico, desenvolvido durante o processo evolutivo dos humanos, para temperar reações exageradas de ambos os lados.
O medo pode ser evolutivamente útil em situações de risco real, aumentando as chances de sobrevivência dos tementes por forçá-los a se exporem menos ao perigo. Mas em situações normais, o excesso de temor pode ser paralisante e impedir um grupo de experimentar novos hábitos, de se adaptar a lugares diferentes, de mudar. Em suma, o medo pode tanto garantir a existência quanto retardar o seu desenvolvimento.
Se a seleção natural fez os humanos se dividirem em dois grupos biologicamente antagônicos, a política seria a resposta cultural para equilibrar esse antagonismo. E a alternância no poder, uma necessidade para evitar o atraso ou a auto-aniquilação pelo excesso de experimentalismo.
A teoria de Mike Dodd, John Hibbing e Kevin Smith se encaixa bem à política norte-americana, há mais de um século bipartida entre conservadores republicanos e liberais democratas. Nesse cenário preto e branco, os "cinzas" (eleitorado independente, que oscila de um lado a outro conforme as circunstâncias) costumam decidir a parada, definindo as eleições ora para cá, ora para lá.
Ela também ajuda a entender porque os republicanos fritam seus pré-candidatos durante as primárias. Os conservadores parecem mais preocupados em achar um anti-Obama, ou seja, o mais capaz de derrotar o que eles identificam como o mal (ou o problema), do que de eleger o que seria o seu líder ideal. É uma política pragmática, menos de auto-afirmação e mais de anulação do adversário.
O modelo político-biológico proposto pelos cientistas não funciona tão automaticamente assim no cenário partidário brasileiro. Nos últimos 18 anos, a polarização PSDB-PT reflete uma briga pelo poder entre duas alas que, ao menos na origem, estavam do mesmo lado que derrotou o que seria o grupo conservador, representado pela ditadura militar e seus apoiadores.
É provável que nem tucanos nem petistas concordem com essa descrição e atribuam uns ao outros a pecha de conservador e liberal (no jargão político brasileiro, são quase sinônimos). Mas ambos, PSDB e PT, foram, a seu tempo, vitais para promover mudanças na sociedade brasileira -o que é a antítese da definição de conservadorismo usada pelos autores do estudo.
Errada ou certa, simplista ou não, a hipótese do determinismo biológico na política evidencia ao menos que o problema está nos olhos de quem vê.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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