Na CPI do Cachoeira, os parlamentares precisam estar alertas para impedir as manipulações da mídia, que vaza informações e induz resultados.
Quem disse isso foi o senador Fernando Collor de Mello. Não foi um cochicho, um recado cifrado ou uma ameaça em off. Collor soltou seu brado contra a imprensa de viva voz, da tribuna do Senado, para quem quisesse ouvir. Os senadores ouviram calados, e o resto dos brasileiros, também.
O ex-presidente da República está muito bem colocado. É membro da CPI que pode ser a maior de todas. Está onde está graças aos ex-inimigos Lula e Sarney, num afinado trio de ex-presidentes regido pela "presidenta".
Collor disse que aceitou o convite para a CPI como uma missão.
Começou a cumpri-la com êxito, usando sua habilidade para serviços insalubres com uma desinibição que seus companheiros palacianos não têm.
O Brasil engole qualquer coisa. Fernando Collor de Mello é o ex-chefe do lendário PC Farias, que extorquiu meio mundo em nome do patrão. A imprensa — cuidado com ela! — descobriu que PC pagava contas pessoais de Collor. Ele teve que abandonar o palácio pela porta dos fundos. No aniversário de 20 anos da CPI do PC, Collor aparece para ensinar como deve funcionar a CPI do Cachoeira.
Ameaçador, avisa que não permitirá a destruição de reputações por jornalistas, ou melhor, "rabiscadores".
Se o Brasil, ou pelo menos o Senado Federal, tivesse um pingo de autoestima, ou quem sabe um resto de vergonha na cara, alguma voz teria surgido para mandar o chefe do PC engolir o que disse.
Não é a primeira vez que Collor canta de galo no Congresso como se estivesse no quintal da Casa da Dinda.
Quando o filho mais esperto de Sarney, Fernando, conseguiu censurar "O Estado de S. Paulo", o senador Pedro Simon reagiu. Foi à tribuna dizer que a investigação da família Sarney por tráfico de influência, no caso Agaciel, não podia ser abafada.
Quem se encrespou em defesa da honra dos Sarney, ameaçada pelos rabiscadores intrometidos? Ele mesmo, o guardião das reputações ilibadas. Colérico, olhos vidrados e dentes trincados, Collor partiu para a intimidação contra Simon, chegando a proibi-lo de voltar a pronunciar o seu nome.
Simon recuou, obedeceu. (Depois disse que se lembrou do assassinato cometido pelo pai de Collor no Senado e temeu a repetição do crime.) O fato é que a censura ao "Estadão" vai completar três anos. E o presidente expelido continua mandando os outros calarem a boca, como se estivesse dando ordens ao PC.
Não é difícil entender por que, na CPI do Cachoeira, a confraria presidencial Dilma-Lula-Sarney-Collor escalou o pitbull da turma para rosnar contra a imprensa. Em 2011, depois que os rabiscadores revelaram a farra dos superfaturamentos nos Transportes, o governo popular escapou por pouco da CPI do Dnit. Foi salvo pela tal frente nacional contra a corrupção — esse movimento despistado que protesta nos feriados contra tudo isso que aí está. Os senadores (Pedro Simon à frente) que poderiam conectar as ruas com o pedido da CPI preferiram aderir ao clube da indignação genérica. A oportunidade passou, e Dilma ainda virou musa das vassouras cenográficas.
Com a CPI do Cachoeira, o esquema do Dnit volta ao centro das atenções.
E aí não vão mais adiantar faxinas cosméticas para acalmar as manchetes.
Surfando nas fraudes do Dnit, a construtora Delta, flagrada em con luio com Cachoeira, tornou-se a campeã das obras do PAC — mesmo após o governo Dilma ser informado das irregularidades envolvendo a empreiteira.
A bomba está no colo dos companheiros.
A CPI foi fomentada por Lula para explodir os oposicionistas Marconi Perillo, governador de Goiás, e Demóstenes Torres, o senador que prostituiu a ética. Eram os prepostos mais visíveis do bicheiro, até o pavio passar pelo governador petista do Distrito Federal e ir parar no seio do PAC, já botando a mãe no meio. Desta vez, o instituto do "eu não sabia" pode não dar conta de esconder todos os rabos. Aí o jeito será tentar intimidar a imprensa. Ouçam o guardião Fernando Collor de Mello: "Não é admissível, num país de livre acesso às informações e num governo que se preza pela transparência pública, aceitar que alguns confrades, sob o argumento muitas vezes falacioso do sigilo da fonte, se utilizem de informantes com os mais rasteiros métodos, visando ao furo de reportagem, mas, sobretudo, propiciar a obtenção de lucros, lucros e mais lucros a si próprios, aos veículos que lhes dão guarida e aos respectivos chefes que os alugam." Explicação aos rabiscadores que não entenderam a mensagem: se alguém encontrar na CPI um cheque como aquele do fantasma do PC que pagou o Fiat Elba de Collor, não mostre a ninguém. Não se meta em negócios privados.
Esse Brasil catatônico merece tomar lição de Collor sobre métodos rasteiros. Chega de intermediários, Cachoeira para presidente.
Jornalista
FONTE: O GLOBO
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