Demóstenes ganhou R$ 3 milhões de Cachoeira
Íntegra do inquérito liberado pelo STF vaza em site antes de chegar ao Congresso
Gravações feitas pela Operação Monte Carlo fortalecem a parceria entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) para favorecer a Delta Construções. Elas indicam, e o procurador-geral Roberto Gurgel corrobora, que Cachoeira teria repassado ao senador R$ 3,1 milhões. Segundo a PF, Demóstenes usou o mandato para impedir a convocação pelo Senado, em 2011, do agora ex-presidente da Delta Fernando Cavendish. Ontem o Supremo Tribunal Federal liberou à CPI a íntegra do inquérito – que vazou em site antes mesmo de chegar ao Congresso.
Cachoeira pagou R$ 3 milhões a Demóstenes
Gravações da Polícia Federal reforçam ainda ligação estreita entre senador e bicheiro para favorecer a Delta Construções
Roberto Maltchik, Jailton de Carvalho, Paulo Celso Pereira e Fernanda Krakovics
BRASÍLIA . Gravações feitas pela Polícia Federal, na Operação Monte Carlo, fortalecem a estreita relação entre o senador Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira para favorecer a Delta Construções. Segundo a PF, o parlamentar não só recebia dinheiro do contraventor, como usou o mandato para impedir a convocação no Senado do ex-presidente da empresa Fernando Cavendish, em 2011. E se valeu de sua influência para que a empresa fechasse negócios no Centro-Oeste. As gravações também indicam — e o procurador- geral da República, Roberto Gurgel, corrobora — que Cachoeira teria repassado ao parlamentar R$ 3,1 milhões.
A presença de Demóstenes em reuniões de trabalho teria sido indispensável para sacramentar contratos da Delta com o poder público. A construtora chega a disponibilizar um jato para levar o senador de Brasília para Goiânia, onde receberia em seu apartamento o então diretor-executivo da Delta, Carlos Pacheco; o diretor regional da construtora, Cláudio Abreu, e o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
— Vê com o Demóstenes se dá pra ele chegar aqui umas três, quatro horas, no máximo, pra gente bater o martelo com o Pacheco no assunto, entendeu? É um assunto com a Foz do Brasil, a Foz do Brasil é empresa da Odebrecht, concessão. Então, nós precisamos falar urgente com Demóstenes, aproveitando que o Pacheco está aqui. Urgente, urgentíssimo — disse Abreu.
Segundo a PF, Demóstenes deu o caminho para impedir a convocação de Cavendish no Senado, após reportagem da "Veja" vinculando o aumento dos contratos entra a Delta e o governo federal à contratação, pela Delta, de consultoria do ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
A articulação ocorreu em 8 de maio de 2011. Demóstenes tranquiliza Cachoeira, dizendo que Cavendish não pode ser convocado, e manda avisar o empresário que é preciso abafar o caso, rapidamente. O senador prevê que a reportagem será "o grande assunto no Congresso", mas pondera que, no máximo, ele será convidado, com a possibilidade de não comparecer.
— (Tem que) avisar o pessoal que tá todo mundo em cima. E o que vai acontecer? Vão fazer um requerimento. Requerimento é convite. O cara (Fernando Cavendish) pode recusar. (...) Eles (Álvaro Dias e outros senadores de oposição) vão fazer barulho — diz Demóstenes a Cachoeira.
Adiante, Demóstenes dá a senha para abafar o caso: — Talvez, o Fernando se antecipasse soltando uma nota. Dizendo que isso é uma mentira. O grande assunto no Congresso vai ser isso. Explique que o convite não vai ser aprovado, mas o barulho é inevitável.
Cachoeira responde: — Eu vou falar isso com ele (Cavendish ou Abreu). Tá bom? Minutos depois, Cachoeira liga para o ex-superintendente regional da Delta, o Abreu, e repassa as instruções de Demóstenes.
— Fala com o Fernando que o Álvaro Dias vai pedir a convocação dele lá. Tem que botar o mais rápido possível (...) para não alastrar.
Advogado de Demóstenes, Antônio Carlos de Almeida Castro diz que não comenta trechos pinçados e descontextualizados de gravações da PF. Ontem, foi procurado no celular e no escritório, mas não foi encontrado.
Em nota, a Delta informou que "não teve acesso a essas gravações nem todo, nem em parte" e que "tem sido informada de partes editadas e manipuladas de conversas que saem na mídia".
Portanto, não se pronunciará. A empresa diz ainda que "é vítima de vazamentos parciais e descontextualizados de áudios saídos de interceptação telefônica de um inquérito sigiloso".
A cifra atribuída como pagamento total ao parlamentar alcança R$ 3,1 milhões. No pedido de instauração de inquérito no Supremo para investigar Demóstenes, vazado ontem pelo site de notícias "Brasil 247", Gurgel afirma que há indícios da prática dos crimes de corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa por parte do senador goiano, fruto de seus "estreitos vínculos" com Cachoeira.
Sustenta que a relação de Demóstenes com o bicheiro "é de natureza profissional" e "extrapola os limites éticos exigíveis na atuação parlamentar, adentrando a seara penal". Gurgel afirma, em sua denúncia, que Cachoeira depositou mais de R$ 3 milhões nas contas de Demóstenes.
A autenticidade dos documentos vazados pelo site não foi contestada pelo STF nem pela Procuradoria Geral da República.
"Constatou-se que o Senador Demóstenes Torres mantém estreitos vínculos com Carlos Cachoeira, de natureza pessoal e, também, de natureza profissional.
Os contatos telefônicos entre eles são praticamente diários, sucedidos, muitos deles, de encontros para tratar de assuntos que não poderiam ser conversados por telefone", afirmou Gurgel no documento.
Sobre os repasses de Cachoeira para Demóstenes, o procurador- geral escreveu: "Em diálogo no dia 22 de março de 2011, às 11:18:00, entre Carlos Cachoeira e Cláudio Abreu, não degravado pela autoridade policial, é expressamente referido que o valor de um milhão foi depositado na conta do Senador Demóstenes e que o valor total repassado para o Parlamentar foi de R$ 3.100.000,00 ".
A assessoria de Gurgel informou que ele está no Chile e que não teria como confirmar a veracidade do documento vazado.
Em diálogo de 16 de março de 2011, Demóstenes revela que obedece a Cachoeira: — Você dá a orientação aqui e obedeço — diz.
Colaborou André de Souza
FONTE: O GLOBO
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