segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Além e aquém do horizonte - Wilson Figueiredo

Dos três problemas humanos à espera de solução, dois deles foram resolvidos no Século 20, sem recorrer ao sobrenatural: o advento das pesquisas de opinião livrou os eleitores da incerteza das eleições, e a ciência aboliu a expectativa incerta sobre o sexo do nascituro, de que se ocupavam o pai e a mãe nos nove meses de gestação. Sobrou para o Século 21 equacionar e resolver o terceiro mistério, qual seja, a incógnita que se aninha na cabeça dos juízes na hora das decisões. No caso específico do mensalão, não poderia ser diferente e, por isso, o problema recai sobre os cidadãos que pagam impostos e se contentam em eleger candidatos menos ruins, com base na oferta de predicados que nada têm a ver com eles.

Está aí o mensalão, que não disse tudo que está implícito no seu efeito político e moral, nem como ficará o cidadão que custeia os espetáculos de indignidade Um dia, alguém seguirá a recomendação de refazer o trajeto do dinheiro que o mensalão movimentou e chegará aos beneficiários, e só então os mortos conhecerão a paz.

Ninguém parece se lembrar do que foi a interminável arrecadação e distribuição do dinheiro que saia de bancos e passava de mão em mão até ancorar, em solo nacional ou em território exterior, em contas bancárias até que seus beneficiários se sentissem libertos do medo inevitável a quem se apropria de dinheiro alheio. O hiato de sete anos, entre o escândalo e o julgamento dos envolvidos em flagrantes de corrupção, foi preenchido com outros procedimentos igualmente indignos de respeito.

O que se passou desde então na esfera política está mais para farsa. O dinheiro da corrupção dá voltas e voltas em torno de simulações vazias de convicção. Caixa 2 está para um político de carreira como batedor de carteira para o capitalismo. Faltou o levantamento de lucros e perdas dos dois mandatos do governo Lula, para se chegar ao cálculo final do prejuízo político nada republicano, como vem mostrando o julgamento do mensalão. O que se vê é o que sobrou de um lixão histórico acumulado, uma avenida sem fim por onde trafegam carreiras parlamentares e carreiristas de qualquer procedência. O critério político excluiu o ex-presidente Lula e deixou o chefe da Casa Civil do seu governo sozinho em cena.

Nenhum partido com algum significado para existir propôs, ao menos, um debate parlamentar sobre o mecanismo do mensalão, em consideração pelo eleitor que volta periodicamente às urnas, com menos convicção de que seja possível separar o passado e o futuro por cima de divergências negociáveis politicamente.

A responsabilidade política pelo que aconteceu à margem da lei recaiu nas duas figuras que respondiam pelo governo e pelo PT quando, antes de ser questão nacional, o mensalão se destinava a sustentar o exercício do poder por vinte anos declarados. Mas, o pacote cresceu e desautorizou a versão oficial de Caixa 2 como salvação da República. O Palácio do Planalto ficaria em situação menos desconfortável se tivesse reconhecido estar a par do que se passava e das conseqüências que não o poupariam. A Casa Civil não poderia se responsabilizar sozinha por um risco incalculável. Ao Presidente da República cabia a última palavra. Ou mesmo o silencia significativo, um mover de olhos ou um gesto de desagrado.

A responsabilidade política prevalecerá sobre o saldo social de Lula e respingará na conta política de José Dirceu, mesmo que os dois se vistam de branco como em Roma faziam os candidatos quando saiam às ruas para pedir o voto dos cidadãos. O julgamento político não depende da justiça, mas da cidadania. E prevalecerá. É uma questão de consciência.

Wilson Figueiredo é jornalista

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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