Uma das séries de televisão preferidas dos políticos brasileiros, House of Cards trata de um projeto votado de forma secreta. No Congresso Nacional, tal regra deixa o jogo parlamentar sem transparência e cruel para o eleitor, o verdadeiro dono do mandato dos deputados e senadores
Se quer saber sobre a corrupção e o mundo desleal de Washington, vá até as séries de televisão House of Cards, Homeland ou Scandal. Por mais que tudo não passe de uma provocação, algo feito simplesmente para entreter, as artimanhas políticas estão expostas no mais alto grau de realismo, sem concessões ou piedade. Sobra pouco para alguém, quase todos perdem, tirando aqueles que se vangloriam do jogo sujo, de armar trapaças e de se livrar delas a partir de estratégias montadas com dinheiro. Toda a grana que for capaz de conseguir, a partir de financiamentos privados, emendas parlamentares e guerras. A TV funciona assim como o espelho dos bastidores da capital norte-americana, que não se mostra nada diferente dos casos reais de Brasília.
House of Cards, por exemplo, é um dos programas domésticos preferidos de Dilma Rousseff e de Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos até onde se pode saber das atividades caseiras da presidente e do ex-presidente do Brasil. O programa, entretanto, não tem cores partidárias, é visto pelas mais diversas autoridades brasileiras. A série é um achado, impossível de ser interrompida pelo espectador até o episódio final, no caso o da primeira temporada — a segunda ainda está em processo de finalização. Apesar de não ter um herói típico, capaz de criar empatia, o personagem principal, encarnado pelo ator Kevin Space, é um gênio da politicagem. Parlamentar, estava cotado para um ministério quando foi barrado pelo presidente recém-eleito, que o deixou no Congresso, como uma espécie de líder. Os episódios mostram a vingança de Frank Underwood contra os amigos e inimigos.
Voto secreto
A primeira temporada da série apresenta uma votação secreta de um projeto sobre incentivos à criação de empregos. A partir do resultado, que “em tese” interessaria ao governo, ocorre uma sequência de acontecimentos que aqui não serão expostos em respeito a quem não viu House of Cards. O fato é que todas as maquinações, lobbies, negociações financeiras passam pelo voto secreto, que permite todos os tipos de barbaridades políticas na TV. Assim é na série norte-americana. Assim é no Brasil real, onde o sigilo ainda vigora no Congresso. São tamanhos os vícios dos nossos políticos, mas o maior talvez seja o apego à falta de transparência, ao jogo escuso, longe da luz. O voto secreto apenas reforça a covardia das decisões, protegendo os parlamentares da cobrança do eleitor, o verdadeiro dono do mandato.
O mais recente exemplo no Congresso é o caso do deputado presidiário Natan Donadon, absolvido no plenário da Câmara em agosto. Sem o voto secreto, ele não teria escapado, afinal os parlamentares não teriam coragem de liberar o colega — acusado de fraude — caso tivessem de prestar contas ao eleitor. Na Câmara Legislativa, o distrital Raad Massouh também será julgado em sigilo pelos colegas, mesmo com a Lei Orgânica do Distrito Federal estabelecendo o voto aberto. O argumento é que a decisão local, da Câmara Legislativa, difere das regras do Congresso. Uma tese fraca, segundo o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas bem que o deputados e senadores podiam ajudar.
No plenário
Na última quinta-feira, mais um texto prevendo o fim do voto secreto andou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Tal qual um jogo de conchas — aquele em que um esperto tenta enganar um cidadão incauto ora escondendo ora mostrando uma determinada peça —, pelo menos quatro propostas sobre o fim do voto secreto tramitam no Congresso. Como existem projetos tanto na Câmara como no Senado, ora os parlamentares avançam um texto ora atrasam outro. Nesse jogo, quem sempre perde é a transparência. Na próxima quarta-feira, o projeto aprovado na CCJ do Senado tem a promessa de entrar na pauta do plenário. Aprovado, muda a Constituição e acaba de uma vez por todas com o sigilo e a covardia parlamentar. É esperar para ver.
Vale repetir: apenas o eleitor deve ter o direito do sigilo do voto. Tal prerrogativa o protege de poderosos. Os políticos não precisam de tal proteção.
Fonte: Correio Braziliense
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