- O Estado de S. Paulo
Encerrado o último ato do drama eleitoral, diante da Nação dividida descortinam-se dois cenários: para os petistas, estamos no melhor dos mundos, como diria dr. Pangloss, o imortal personagem de Voltaire em Cândido, o Otimista. Para os vencidos, o panorama é outro: a crise é geral e profunda. Mas o governo, enquanto puder enganar, se recusará a reconhecê-la em nome de uma política surrealista que, como escreveu Giulio Carlo Argan, "é a maneira de iludir a realidade dos problemas, mediante a ambiguidade e o paradoxo".
Em tediosos debates televisionados, a presidente Dilma Rousseff tentou mostrar o Brasil feliz e sem problemas, semelhante ao jardim do Éden, onde tudo se passaria de maneira ideal, não havendo pecado. A oposição, reduzida no segundo turno à figura de Aécio Neves, em momento algum foi incisiva. Deixando de lado o episódio dispensável da acusação de leviana, do qual prontamente se arrependeu, não demonstrou vigor para ganhar apoio de alienados e indecisos.
Sobre o programa Bolsa Família, a mais desavergonhada de todas as modalidades de corrupção jamais praticadas, Aécio limitou-se a dizer que o apoiava e iria aperfeiçoá-lo.
O resultado do pleito revela, todavia, que o Partido dos Trabalhadores (PT) deixou de ser hegemônico, que é possível derrotá-lo, que o País se encontra exausto após 12 anos de mandarinato petista. Mostrou que mero ensaio de contestação bastou para abalar as estruturas do poder. E isso porque o Brasil que labuta de sol a sol voltou a entrar em recessão, observa o recrudescimento da inflação e percebe a aceleração do desemprego.
Estão à mesa os ingredientes necessários para que novamente conheçamos períodos de instabilidade. A insensata manobra de jogar pobres contra a classe média rachou a sociedade, e a primeira de todas as necessidades consiste no esforço pela reconciliação.
A presidente Dilma e seus conselheiros devem compenetrar-se de que vencer é apenas o último ato do momento eleitoral; no próximo mês de janeiro teremos a abertura de nova temporada. Resta apurar se assistiremos, como plateia, a tragédias, comédias, tragicomédias, dramas, melodramas, farsas, espetáculos de marionetes ou fantoches.
A quem não comunga com as ideias e práticas do petismo cabe a tarefa de se organizar ou reorganizar em partidos atuantes, combativos, incansáveis. Não se deve insistir nos erros cometidos desde o fim do regime militar, quando se iniciou a decadência do velho PMDB, seduzido e envolvido pelo emaranhado de fios desencapados em que se converteu a política dominada pelo fisiologismo, e do qual não se salvaram tradicionais siglas oposicionistas.
Reconhecida a vitória de Dilma Rousseff pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inócua e ridícula a proposta de auditoria da votação. A presidente venceu e Aécio Neves foi derrotado; caiu com valentia e honra, não tendo motivos para se envergonhar, e bater em retirada.
Disputou em desigualdade de condições e com apoios rarefeitos dentro das suas fileiras, mas não deve depreciar-se. É necessário, porém, reconhecer que a diferença de 3,5 milhões de sufrágios não pode ser creditada à manipulação das urnas eletrônicas, ou a outro expediente ilícito. Ganhou o PT. Assim como para governos estaduais, Câmara dos Deputados e Senado Federal, a vitória nem sempre sorri para os mais bem qualificados.
Já afirmava o sábio padre Antonio Vieira, no Sermão da Epifania: "Dizem que os que governam são o espelho da república; não é assim, senão o contrário, a república é o espelho dos que a governam". De uma forma ou de outra, o governo é o reflexo da sociedade. No passado, em outras eleições, ocorreu semelhante fenômeno, pois na América Latina a derrota do demagogo só consegue demagogo maior. Não disse Ruy Barbosa na Oração aos Moços: "Se o povo é analfabeto, só os ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos"?
A caudalosa torrente de escândalos ocorridos durante o mandato da presidente Dilma, entre os quais o da Petrobrás, por ora, o maior, indica que a Nação, além de analfabetos e iletrados, possui assustador número de corruptos, identificados e desconhecidos, investigados e por investigar, processados e por processar e - milagre dos milagres - alguns poucos condenados e encarcerados.
De nada adianta chorar pelo leite derramado. Assim como se deve organizar para impedir que venhamos a sofrer golpe branco, na forma de plebiscito destinado a validar a convocação de nova Assembleia Nacional Constituinte, é inadiável que a oposição se mobilize para cumprir o papel que o Brasil lhe reserva nos próximos quatro anos: travar incessante e aguerrida luta contra o petismo.
Quatro anos, entremeados pelas próximas eleições municipais, se passarão num piscar de olhos. O PSDB sempre foi reticente em atitudes e raquítico em militantes voluntários. Caracteriza-se como partido de intelectuais desacostumados ao contacto permanente com as massas. Sem elas, entretanto, jamais terá chances de vencer.
Urge planejar as próximas campanhas, em todo o País. Em 2016 o tucanato será testado. Nesta última eleição presidencial foi derrotado porque lhe faltaram líderes populares, organização, propostas convincentes e, é óbvio, apoio popular. Se pretende vir a ser vitorioso, procure decifrar o enigma norte-nordestino. Política é para profissionais habilitados. Como registrou Edward Hallet Carr: prática, não teoria; treinamento burocrático, não brilhantismo intelectual.
Desconheço faculdade melhor de política do que o movimento sindical. Ali o aluno é graduado, pós-graduado e doutorado. Ali se aprende, praticando, como conquistar e se manter no poder. Que o diga Lula, que confirmou ser capaz de eleger postes. E que postes!
Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
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