quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Com contas no vermelho, governo tenta brecha para descumprir meta

• Projeto prevê descontar do superavit todos os gastos com PAC e com desonerações tributárias

• Como esses dispêndios superam a economia prevista para pagar juros, na prática a medida 'cancela' a meta fiscal

Valdo Cruz, Márcio Falcão e Eduardo Cucolo – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante do estouro das contas públicas, no vermelho no ano eleitoral, o governo Dilma preparou uma brecha para descumprir a meta de economia de gastos para pagamento de juros da dívida pública (o chamado superavit primário) neste ano, abrindo até a possibilidade de fechar 2014 com deficit primário.

Por meio de projeto de lei enviado nesta terça-feira (11) ao Congresso, a equipe de Dilma pede autorização para descontar do superavit do setor público todos os gastos com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e com as desonerações tributárias, antes limitados a no máximo R$ 67 bilhões.

A decisão foi tomada porque o governo federal, que até setembro registrava deficit de R$ 15,4 bilhões, não conseguiria cumprir o superavit de 2,15% do PIB em 2014 usando o artifício de descontar apenas R$ 67 bilhões da meta original aprovada no Congresso.

A medida é classificada por assessores como a última manobra para fechar as contas deste ano feita pela equipe econômica, em que foi criticada por fazer sucessivas "pedaladas fiscais" para postergar despesas e esconder a real situação do caixa do Tesouro.

Desconto automático
A alteração proposta transforma em automático o desconto dos pagamentos feitos com o PAC e as desonerações concedidas em 2014. Segundo a ministra Miriam Belchior (Planejamento), até outubro o governo realizou R$ 52,4 bilhões em pagamentos do PAC e deve fazer desonerações de R$ 78 bilhões, totalizando R$ 130,4 bilhões.

Se o mecanismo já estivesse em vigor, esse desconto de R$ 130,4 bilhões (até outubro) superaria inclusive a meta de economia de R$ 116 bilhões (equivalente a 2,15% do PIB) aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014.

Na prática, analistas de mercado dizem que o Planalto, com a nova regra, tem condições de fazer um abatimento superior a 3,1% do PIB no final do ano, cobrindo tanto a meta de superavit do governo federal como de Estados e municípios.

Teria condições até de cobrir eventual deficit primário --situação em que o governo não economiza o suficiente para pagar juros, sendo obrigado a elevar sua dívida.

Em audiência no Congresso, Belchior afirmou: "O compromisso do governo é fazer superavit neste ano. O maior possível. O que está na LDO não é possível".

Dentro do próprio governo, porém, a avaliação é que há risco de fechar o ano com deficit e que essa última manobra do governo na área fiscal visa evitar o descumprimento oficial da meta de superavit primário, que na prática não será obedecida.

No texto em que encaminhou o projeto de ajuste da LDO, o governo atribuiu a medida à desaceleração da economia brasileira e mundial, que afetou "as receitas necessárias aos investimentos e políticas públicas".

Segundo técnicos do Congresso, se descumprir a meta fiscal, a equipe econômica poderá responder por infração administrativa e caberia discussão sobre crime de responsabilidade fiscal

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